30 de dezembro de 2021

O ano em revista.


   Uma vez mais, a história parece que se repete: 2021 foi um ano terrível, no seguimento de 2020. Pessoalmente, foi um dos melhores -senão mesmo o melhor- anos que vivi. Aqui no blogue, retomei a assiduidade, já que em 2020, devido a todas as mudanças que se efectivaram, me ausentei sobretudo nos primeiros meses do ano. Em 2021, tal não ocorreu. Cheguei a julgar, em 2020, que o blogue iria definhar pouco a pouco, ao ter saído do ventre materno, constituído família e ganhado outras obrigações. Felizmente, consegui mantê-lo, não como prioridade, senão como espaço privilegiado, que acarinho, e que por isso quero e vou manter.

    Farei, à semelhança dos anos anteriores, uma retrospectiva das publicações/acontecimentos que me pareceram mais relevantes, e que abordei aqui, evidentemente, com as respectivas hiperligações. 

     Logo a abrir o ano, morreu-nos Carlos do Carmo, um nome maior do estilo musical por excelência em Portugal. Tivemos ainda eleições presidenciais, que me mereceram a atenção por duas vezes, aqui a segunda. A campanha de vacinação começava na Galiza, com o pessoal sanitário. Eu vacinei-me cerca de um ano depois, por opção, porque decidi esperar que se normalizasse o debate em torno das vacinas. Como referi desde o início, iria vacinar-me quando me sentisse seguro. Vacinei-me este mês com ambas as doses. Pelo meio, em Portugal tiveram outro confinamento da população, e entretanto fiz uma análise aos resultados das presidenciais.

     Em Fevereiro, iniciei a publicação de conteúdos em castelhano, ou espanhol, como preferirem, que vêm alternando com o português e o galego. Viver em Espanha fez surgir em mim a necessidade de combater aquilo que considero ser um regime injusto e desigual, a monarquia, esgrimindo os meus argumentos em dois momentos (um aqui e o outro, com mais propriedade, aqui).

      Em Março, e gradualmente, fui recuperando uma faceta de activista que se havia perdido algures na minha trajectória entre o adolescente e o homem adulto, e a primeira manifestação deu-se aquando do Dia Internacional da Mulher. No mesmo mês, cumpriram-se sessenta anos sobre a Guerra Colonial, um período que deixou tantas feridas no povo português e nos povos africanos. Entretanto, o meu entendimento sobre estas matérias foi mudando no decurso do ano.

     Em Abril, achei por bem assinalar os duzentos anos da extinção da Inquisição em Portugal e, dias depois, o quadragésimo quinto aniversário da Constituição Portuguesa. Terminei, por aqueles dias, um livro que me ajudou decisivamente na formulação das minhas ideias relativamente ao ostracismo a que praticamente todas as sociedades humanas sujeitaram as mulheres através dos tempos: O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Sessenta anos antes, Gagarin chegava ao espaço, inaugurando uma primazia soviética que não se manteria muito mais. O Diesel comemorava o seu primeiro aniversário connosco.
    A meio do mês, a II República Española perfazia noventa anos desde que afastara a monarquia. Simultaneamente, terminava o livro de Fernando Dacosta sobre uma das mais interessantes e caricatas figuras do panorama intelectual-burguês português da segunda metade do século XX, Natália Correia, no seu Botequim. Já o mês se encaminhava para o final e, antecipando-me ao vigésimo aniversário da sua morte, ocorreu-me escrever sobre Cândida Branca-Flor, que perdemos demasiado cedo.

     Em Maio, escrevi umas palavras acerca das eleições autonómicas de Madrid. Deixei também as minhas impressões das nossas miniférias na Corunha, com uma passagem mais em Santiago de Compostela. Pelo meio, dei por terminado um clássico da literatura que me impressionou pelo relato cru de existências tão difíceis, em As Vinhas da Ira, de Steinbeck, numa edição antiga que a minha mãe me fez chegar.
    Após quase vinte anos do chamado jejum em títulos, o Sporting conseguiu o feito de vencer a liga portuguesa. Como sportinguista que acompanha o futebol à distância, não menos me alegrei com a vitória do clube. Seguiram-se duas perdas no mundo das artes interpretativas: Maria João Abreu, uma morte totalmente inesperada, e Eva Wilma, actriz brasileira que nós, portugueses, nos habituámos a ver em tantas produções que nos chegaram por décadas desde a outra margem do Atlântico. O dia 17 coincidiu com a minha primeira publicação na língua galega, precisamente no Dia das Letras Galegas, também Dia Internacional Contra a LGTBfobia. O Estado espanhol, volta e meia, tem problemas com os fluxos de imigração ilegal proveniente de Marrocos através de Ceuta, e foi esse o tema da crónica de dia 21.

    Meio do ano. Junho começou com uma breve reflexão sobre o Chile de 1973, muito influenciado pelo livro que lia no momento, A Casa dos Espíritos, de Allende, que terminaria dias depois. A SIDA, epidemia que nos acompanha há quarenta anos, preencheu a crónica de dia 6. O Euro 2020, realizado em 2021, estava prestes a iniciar-se, e não é novidade que gosto de acompanhar estas competições internacionais. No dia 14, expus um lado mui pessoal, relativo à minha infância e adolescência, dois períodos conturbados. É, talvez, o texto mais pessoal alguma vez publicado por mim.

     Julho foi o mês das nossas férias grandes. Nesse sentido, apenas aludi ao crime homófobo ocorrido na Galiza, que mais tarde ganhou outros contornos, e ao fim do Euro 2020.

    Durante Agosto, fui expondo em três momentos (umdoistrês) as minhas férias nas Canárias e na Finisterra (aqui). Gostei de ir à Finisterra, mas, sabendo o que sei hoje, teria ficado mais dias nas Canárias. Gastei o dobro do que gastei nas Canárias por metade dos dias. Sempre a aprender. No final do mês, fomos surpreendidos pelo regresso dos talibãs ao poder, no Afeganistão.

     Em Setembro, dei-lhes conta da minha estadia no Algarve, que incluiu a minha primeira passagem por um parque aquático, incluindo a terrível montanha-russa. Foi um momento tenebroso. Jorge Sampaio falecia de doença cardíaca, que se arrastava há anos, e assinalávamos o vigésimo aniversário do 11 de Setembro. Os portugueses escolheram os seus autarcas para os próximos anos.

     No último trimestre do ano, em Outubro, terminei um clássico que me ocupava desde o Verão, Vinte Mil Léguas Submarinas, que li em castelhano, como A Casa dos Espíritos, lido no mesmo idioma. Em Portugal, fazia-se justiça histórica a Aristides de Sousa Mendes, homenageando-o com um cenotáfio no Panteão Nacional. Onze anos antes, em 2011, a ETA suspendia as sua actividade armada. Recordar-se-ão de lhes ter tido que, ao longo ano, fui alterando a minha sensibilidade relativamente a um conjunto de matérias sensíveis. Uma delas diz respeito ao colonialismo português, e deixei-o patente na crónica de dia 26. Mais uma vez atento à realidade do lado de lá da raia, escrevi algumas considerações sobre a crise política que viria a culminar na dissolução da Assembleia da República e na convocação, por parte de Marcelo Rebelo de Sousa, de eleições antecipadas para Janeiro de 2022. Regressando à margem norte do Rio Minho, suscitou-se uma polémica enorme em torno da decisão de uma magistrada que fundamentou a sua decisão de entregar a custódia de uma criança a um dos progenitores pelo outro viver na “Galicia profunda”, e foi assim que o redigiu no acórdão. A minha reacção não se fez esperar, em galego.

      Em Novembro, penúltimo mês do ano, tive conhecimento de um caso de homofobia internalizada na televisão portuguesa. Quis recordar, porque se tratou de um acontecimento decisivo no evoluir da situação social e política em Timor-Leste, o Massacre de Santa Cruz. Enquanto isso, terminava salvo erro o terceiro livro em castelhano do ano, uma obra que no início deste século gerou uma enorme polémica ao versar sobre um sector sensível junto da opinião pública, O Código Da Vinci. Num ano particularmente rico em efemérides de relevo para mim, assinalei o trigésimo aniversário sobre a morte de Freddie Mercury

       Finalmente, no decurso do actual mês, mais uma abordagem à SIDA, por ocasião do Dia Internacional Contra a SIDA. Sofro de insónias recorrentes e, na decorrência disso, vi um vídeo em que mais uma vez a a ridicularização de pessoas LGBT levou à minha indignação. Os 43 anos da Constituição Espanhola proporcionaram-me mais um momento para expor as minhas considerações sobre Espanha. Para terminar o balanço, falei-lhes das nossas mini mini (duas vezes para que fique bem patente que foram mini) férias em Vigo e em Leão.


      Está feito. Resta-me desejar-lhes um excelente 2022. Creio que, a nível conjuntural, necessitamo-lo. Feliz ano para todos e, assim espero, cá nos veremos.


A vermelho, as hiperligações para os artigos correspondentes.

27 de dezembro de 2021

León.


    León es una ciudad española con aproximadamente 125.000 habitantes, capital del antiguo Reino de León y actualmente de la provincia homónima. Nosotros, M. y yo, elegimos esta ciudad para nuestras mini vacaciones. M. necesitaba descansar después de un mes infernal de doce turnos (hasta este momento, trece). Es demasiado, incluso para él. La ciudad no queda muy lejos de Galicia. Finalmente, menos de doscientos kilómetros. El trayecto se hace de tren, de una forma muy cómoda.

    El primer día decidimos pasear por sus calles, conocerla, disfrutar de las decoraciones de Navidad. Me pareció cosmopolita, más que cualquier ciudad gallega, excepto Vigo, quizás.


La Catedral de León es una de las más bonitas, de todas las que he visto


    El segundo día fuimos a su hermosa catedral, cuyas vidrieras son las segundas mayores de Europa. La verdade es que me encantó. Antes de eso, por la mañana, decidimos visitar el Museo de León, con una rica colección de la historia de los primeros pobladores de la provincia, de la ciudad y del antiguo reino. Junto a la catedral, hay un museo relacionado con ella. Llegamos a las 17h, justo a tiempo para la visita guiada. Éramos cuatro, y conocimos más sobre la catedral y su arte.


Dos monjas visitaban la catedral, y les saqué esta foto, de espaldas


     El tercer día, lo aprovechamos para pasear un poco más por la ciudad y visitar un antiguo convento, el Convento de San Marcos. Regresamos al final de la tarde.


Estatua al Peregrino, una de las más famosas de León


     Os dejo algunas fotos y las impresiones del escritor británico Frances Elliot sobre León, en 1882:

“León posee un hechizo que percibo pero que acaso no puedo expresar, el de una antigua capital caída, no mancillada, con algo todavía de la majestad del antiguo reino, aunque tal reino haya dejado de existir... la dejé con pesar y volvería a ella con alegria”.

Todas las fotos son mías, y su uso se dará bajo autorización.


24 de dezembro de 2021

Feliz Natal!


  Os leitores e seguidores extremamente atentos -que não os há- teriam reparado que, este ano, não escrevi uma carta ao menino Jesus. Creio que me afastei definitivamente de deuses. Em todo o caso, se o tivesse feito, ter-lhe-ia apenas a agradecer. Nada pediria, afinal, o que pode querer uma pessoa que tem tudo? Perdoem-me a sinceridade. A vida, por fim, parece que me recompensou de tantos anos maus. Saúde, vou tendo; tenho o suficiente para viajar, para manter a minha casa ao meu gosto e comprar tudo o que necessito, e uma pessoa, o M., que me quer tanto. Que todos pudessem ter o que tenho!

   Dentro de uns dias, se tudo correr bem, dar-lhes-ei conta da nossa viagem de Natal a Leão, uma cidade que me encantou. Por ora, desejo-lhes um Feliz Natal, creiam ou não em deuses. O Natal é quem gostamos, é luz, é brilho, é música, é gastronomia. É tudo o que queiramos!


O nosso presépio


19 de dezembro de 2021

La Navidad en Vigo.


   Creo que lo que distingue a Vigo del resto de las ciudades españolas, y no solamente del Estado, es que Vigo se transforma con la Navidad. Toda la ciudad vive las fiestas como si fueran el centro de todo. Vigo entera está decorada, todas sus calles, llenas de gente de todas partes. Muchos portugueses también. Su alcalde sabe que hay una fuente de ingresos allí, y que pronto recupera los gastos con el mantenimiento de todo aquello. La ciudad parece un parque gigante para todas las edades.

    No hay comparación posible con Lisboa, que aunque tiene espíritu navideño, no lo vive a plenitud. Su noria, la de Lisboa, es mucho más pequeña y lenta. Nada que ver. De verdad, disfruté muchísimo pasar la noche en Vigo. Yo soy un chico de la gran ciudad, a diferencia de M., un chico del campo. Poco después de que llegamos, M. ya se sentía aburrido por tanta confusión.

    Como me dijo un amigo, cualquier ciudad española promedio es más cosmopolita y mejor equipada con bienes y servicios que cualquiera de las ciudades promedio portuguesas, y Vigo ni siquiera se encuentra entre las diez ciudades más grandes de España. En mi opinión, más cosmopolita que Oporto. Eso sí, la personalidad de los españoles, a los que les gusta las fiestas y salir, ayuda a cambiar la percepción del movimiento -de la vida- en una ciudad.

     Fue un encanto. ¡Una pasada! Les dejo unas fotos.


La noria gigante, la principal atracción de la ciudad



Una de sus preciosas calles decoradas de Navidad


La bola, también gigante


Todas las fotos son mías, y su uso se dará bajo autorización.

16 de dezembro de 2021

Enfim, é Natal!


   Não sendo crente, adoro o Natal pelas luzes, as decorações, as canções natalícias -dos velhos clássicos aos hits mais recentes- e o espírito que se instala, seja ele de solidariedade ou mero consumismo. Dirão os cristãos que é hipocrisia, esquecendo-se eles de que tomaram uma festividade que não era sua, pagã, assimilando-a e convertendo-a na mais importante e simbólica festa do Cristianismo. De hipócritas e loucos, todos temos um pouco (ou muito).

   Pelo contrário, nunca estive rodeado de pessoas que partilhassem esta minha afición pelo Natal. Os meus pais rendiam-se ao meu entusiasmo, e no presente o mesmo ocorre com o meu marido, isto é, sou eu quem decora a casa, quem se preocupa com o mais ínfimo dos pormenores. E vivo-o intensamente. No ano passado, o primeiro em Espanha e no novo apartamento, tive de comprar tudo, da comum árvore ao prato de sobremesa. Natalício, claro.

   Estamos a dias da nossa viagem a Leão, aproveitando umas miniférias que o M., a custo, conseguiu. Antes disso, vamos a Vigo ver as decorações navideñas, como aqui lhes chamam, que são das melhores do mundo. Ouvi por aí que Vigo compete com Nova Iorque. Não sei se será verdade. O que posso garantir é que o seu alcalde iniciou a quadra dizendo que Vigo inaugurava assim os festejos de Natal em todo mundo. Ao menos eles acreditam nisso. Deixo-lhes uma foto da minha árvore.




7 de dezembro de 2021

Constituição Espanhola, 43 anos depois.


   Ontem foi feriado aqui em Espanha, ou festivo, como eles lhe chamam. A 6 de Dezembro de 1978, o projecto de Constituição para Espanha, que haveria de culminar na actual Constituição, foi aprovado em referendo por cerca de 90% dos espanhóis. Após quarenta anos de ditadura e ansiando por liberdade, os espanhóis correram às urnas e deram a sua aprovação a uma Magna Carta que, entre muitas disposições, criava o actual Estado autonómico, dando lugar a que cada nação histórica pudesse reivindicar a sua cultura e língua. A Constituição, no seu artigo segundo, fala da Nação espanhola e, mais à frente, das nacionalidades que a integram. Um conceito um pouco estranho. Em ditadura e em democracia, Espanha nunca soube lidar bem com a sua diversidade interna.

  Sem querer extenuá-los por minucioso, o problema do Estado espanhol remonta à sua edificação, construído nos moldes do actual Estado francês: uma língua, uma nação, uma unidade inquebrantável. Tentou-se, com pouco êxito, atenuar-se ligeiramente este pendor centralista que só reconhece uma identidade no actual texto constitucional, porém, a realidade tem-se revelado distinta daquilo que a Constituição faz prever. Quarenta e três anos depois, a monarquia não representa qualquer unidade, contrariamente àquilo que dita a lei fundamental espanhola, e as diversas nações que compõem a Espanha sentem-se injustiçadas perante uma política de estado que manifestamente favorece o castelhano, a cultura castelhana e uma ideia de Espanha uniforme cultural e linguisticamente. Algumas com mais sucesso, como a Catalunha e o País Basco, e outras, como a Galiza, que timidamente começam a ganhar consciência nacional.

   A tudo isto se soma a monarquia, restaurada por Franco, que assenta nuns princípios que não mais encontram acolhimento e aceitação entre os povos de Espanha. A inviolabilidade do Rei e a sua irresponsabilidade são dois deles. Os cidadãos não confiam na instituição, apercebem-se de que ao contrário de ser um modelo de honestidade e transparência, o monarca espanhol, sobretudo o antecessor, vale-se da sua posição privilegiada para obter ganhos e vantagens pessoais, conseguindo ludibriar os mecanismos de actuação da justiça. Num estado europeu e numa sociedade com acesso à informação como a espanhola, tal situação, além de intolerável, é foco de um permanente mal-estar que provavelmente terá um mau fim.

   Há muito que se fala na reforma da Constituição, que as sucessivas forças políticas adiam ad aeternum. O monarca continua inviolável e irresponsável, pisoteando-se o princípio da igualdade, e a Constituição continua a não referir as nações históricas do Estado pelo seu nome, entre outras mudanças que se vêm reivindicando. Há uns anos, durante o governo da direita, aprovou-se uma lei de segurança, conhecida popularmente como ley de la mordaza, que restringiu o alcance de inúmeros direitos civis, nomeadamente o de manifestação. A extrema-direita ganha terreno e acentua as discrepâncias numa sociedade fragmentada.

  Vejo com apreensão o futuro deste Estado. Em 1978, Espanha encaminhou-se no sentido da democracia, mas os vícios de décadas de franquismo transitaram para o novo regime. Franco e o franquismo continuam a pairar como uma sombra sobre Espanha. Não haverá qualquer paz social no que sobra da península para lá da fronteira com Portugal enquanto a herança do ditador não for completamente repudiada.

4 de dezembro de 2021

A heteronormatividade e a perseguição pelo modelo masculino ideal.


   Andava eu ontem, no meio das minhas insónias, a divagar pelo Youtube, e deparei-me uma vez mais com o que não é uma novidade naquele país, embora se torne rotineiro: a ridicularização, inclusive por LGBTQi+, no caso gays, de pessoas mais femininas. Em Portugal, já se aceita que um gay o seja, mas que não o pareça. Um homem mais feminino é alvo de constantes piadas e achincalhamentos.

   É um dos grandes problemas que a comunidade gay tem. Continuam, muitos, eu diria a grande maioria, a idealizar um protótipo de homem perfeito: sem trejeitos, desportista, musculado, e por aí fora. Aqui mesmo, no mundo dos blogues, vemos como publicam fotos de homens que preenchem esse estereótipo de masculinidade ideal. A comunidade LGBTQi+ é diversa. Não obedece a um padrão. Cada qual pode ter as preferências que quiser, mas deve ter em conta de que o que distingue a comunidade LGBTQi+ dos heterossexuais é isso mesmo: a fuga, consciente ou não, desse modelo de postura e comportamento.

   Imagino que para muitos rapazes e homens seja mais fácil viver a sua sexualidade dentro do padrão heteronormativo. Uma vez mais, não podemos querer que seja a norma, e temos ainda de ter presente que assim favorecemos a que não nos vejam dentro da nossa histórica diversidade.

   A minha experiência foi talvez distinta da da maioria. O meu pai, nos idos anos 70/80, trabalhou no mítico Scarllati, o primeiro bar com espectáculo de transformismo. Sendo heterossexual, não é machista. Da mesma forma, a minha mãe não tem preconceitos com os LGBTQi+. Isso favoreceu a que tivesse crescido sem armários. Nunca tive nenhum. Cresci espontaneamente, sujeitando-me à ignorância, à maldade e à intolerância alheias. Facilmente se deduz que não sou masculino -ou o que quer que signifique essa construção social. Sou como sou. Tive, como muitos, acredito, paixonetas por rapazes masculinos, pretensamente heterossexuais, desportistas, o que considero ser normal na adolescência. Quando crescemos e continuamos a alimentar esse ideal, provavelmente frustramos as nossas expectativas. Tornamo-nos infelizes. Esse estigma da masculinidade heteronormativa, tóxica, como lhe queiram chamar, continua a atravessar a comunidade LGBTQi+ e a condicionar a luta pela igualdade na diferença, pelos direitos civis e pelo respeito. Se não nos vemos a todos com bons olhos, se continuamos a desejar o que não somos e não podemos ter, qual o sentido de tudo isto?

1 de dezembro de 2021

Dia Mundial de Luta Contra a SIDA.


   O VIH infecta uma criança a cada dois minutos no mundo. Aproximadamente 300.000 crianças foram infectadas apenas no ano transacto. Se nos países industrializados não mais representa uma ameaça sanitária e social, noutras zonas do globo desfavorecidas -também por culpa dos europeus- um diagnóstico de VIH continua a ser uma sentença de morte.

  Se bem que estudos recentes nos indiquem uma crescente displicência no uso de métodos de protecção face ao VIH na Europa, designadamente o uso do preservativo, não é aqui que o vírus é um flagelo. Na África Subsaariana é-o. Alguns daqueles países têm uma população adulta infectada na ordem dos 40%. Oitenta e oito por cento das mortes de crianças por SIDA ocorreram na mesma região.

   São os números preocupantes de um vírus a que muitos preferem voltar a cara, como se fosse um pesadelo do passado. Estão enganados. Para cada uma daquelas pessoas, é um pesadelo bem actual.

   Este dia foi instituído pela primeira a 1 de Dezembro de 1988. Aproximadamente 36,3 milhões de pessoas morreram desde que a pandemia de VIH começou. Até 2020, 37,7 milhões em todo o mundo viviam com o vírus. Embora 84% dos infectados conheça o seu estado serológico, 6,1 milhões desconhecem-no. Mais de metade das pessoas infectadas são mulheres e meninas. Os dados são da ONU SIDA.