12 de maio de 2021

As Vinhas da Ira.

 

    Terminei de ler neste exacto momento as mais de quatrocentas páginas de um dos aclamados romances do século XX, e parece que levei um murro no estômago. As Vinhas da Ira é o mais duro retrato da exploração do homem pelo homem que li, aquela que cava miséria tal que nos trespassa a alma, inimaginável. Desde logo, apresenta-nos uns EUA diferentes daqueles a que estamos acostumados, mergulhados na Grande Depressão que forçou ao êxodo de milhões para a Califórnia, sujeitando-se a condições de subsistência indignas.

     O autor foi acusado de colaborar com os socialistas, os vermelhos, como no livro se lhes chama. Eu não vejo a apologia do socialismo, senão um retrato vívido da desigualdade social gerada por um capitalismo que devasta tudo quanto toca, do pequeno proprietário ao assalariado rural. Oitenta anos depois, continuamos a discutir o tema que Steinbeck considerou pertinente em 1939. Naquele tempo, a URSS era relativamente recente, Mao ainda não havia tomado o poder em Pequim. O sonho de um socialismo utópico pairava. Como idealizado, assenta numa ideia de igualdade e distribuição da riqueza e da terra que nos parece justa. Este modelo, o que temos, de economia de mercado, falhou, como falhou, no início dos 90, o regime soviético. As terceiras vias, encarnadas por regimes como os de Oliveira Salazar, mostraram-se igualmente incapazes de cumprir com o arquétipo cada vez mais inatingível de igualdade que, sim, é imperiosa e desejada. Não encaro a desigualdade como uma condição inevitável de haver dois homens com características e capacidades diferentes, porquanto sabemos que as oportunidades não são iguais para todos, que muito há a fazer para se cumprir com aquilo com que os Estados da Europa Ocidental, nomeadamente, se comprometeram. Nos EUA, tudo muda de figura. Por lá, a noção de Estado social é encarada com profunda desconfiança. 

    A meritocracia é uma falácia. Sabemos, hoje, que crianças nascidas em meios pobres se ficam aquém nos estudos comparativamente àquelas que nascem em meios favorecidos, ou seja, já se nasce inquinado, quase fadado a determinada sorte, salvo em raras excepções, que contudo não contrariam a regra.

    Provavelmente, as Vinhas da Ira é aquela obra a que não se deve chegar aos trinta anos sem ler. Redimi-me. Parece-me mais que aconselhada: obrigatória.

2 comentários:

  1. É um livro que os meus pais têm aqui em casa e que nunca li, por acaso. Agora fiquei mais curioso.

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    1. Pois deves pegar nele o quanto antes (mero conselho). :)

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