30 de março de 2011

Ironia Certeira


Há poucos dias atrás, o Financial Times, num - aliás excelente - artigo de opinião, sugeriu de forma irónica e, de certo modo, engraçada, que Portugal poderia ser anexado pelo Brasil de forma a resolver os problemas gravíssimos que o país atravessa. O artigo, segundo consta, foi mal recebido pela opinião pública portuguesa, naquilo que eu considero uma verdadeira manifestação de nacionalismo bacoco do mais démodé possível... O artigo definiu-se a si próprio como irónico.
Para além da evidente conclusão - óbvia - de que os portugueses não têm sentido algum de humor, este artigo teve a extraordinária capacidade de suscitar o meu interesse. Com tanta notícia a que estamos sujeitos diariamente, um artigo tem de ser verdadeiramente acutilante para merecer a minha atenção.
Anexação de Portugal pelo Brasil. Parece descabido? A mim, não.
Creio que será necessário esclarecer alguns pontos que me parecem essenciais para atingir o que pretendo.
A separação política entre Portugal e o Brasil não se processou de forma análoga à que ocorreu entre Portugal e as ex-províncias ultramarinas. Para ser mais claro - e não me alongando muito porque facilmente encontram a informação histórica que está disponível na net - Portugal e o Brasil ainda hoje poderiam ser um único país.
Recuando no tempo, estamos nos inícios do século XIX. Vou ser muito genérico. Portugal foi invadido pelas tropas napoleónicas, em 1807, e o rei D. João VI "retirou-se" estrategicamente (?), vulgo fugiu, para o Brasil, levando consigo toda a Corte Portuguesa num número que ascendia às quinze mil pessoas. Em 1815, e uma vez que não fazia qualquer sentido o rei habitar numa colónia, o Brasil ascendeu à categoria de reino unido a Portugal: estávamos perante o novo Estado, Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Em 1820, com a Revolução Liberal Portuguesa, as Cortes Constituintes exigiram que D. João VI retornasse a Portugal (1821), de forma a jurar a nova Constituição que estava em processo de ser viabilizada e porque não era admissível que o rei português continuasse fora do reino, numa "colónia", tantos anos passados desde que foi definitivamente afastada a ameaça francesa. O rei retorna a Portugal e deixa como regente, no Brasil, o seu filho Pedro (futuro Pedro IV de Portugal, I do Brasil). Não nos esqueçamos de que o Brasil já era um reino. As Cortes Constituintes, não satisfeitas, quiseram mais: para além de exigirem o regresso do princípe herdeiro para a metrópole, para aí concluir a sua educação, pretenderam subalternizar a posição do Brasil, tornando-o novamente uma colónia de Portugal. Os portugueses do Brasil (na época, não eram designados de brasileiros: o termo surgiu com a independência) e D. Pedro não aceitaram: dá-se a Independência do Brasil, em 1822, formalmente reconhecida por Portugal em 1825.
Como é facilmente verificável, o Brasil pretendia manter-se unido a Portugal, não fosse a intransigência das Cortes Constituintes. Hoje, possivelmente, poderíamos ainda ser o grande Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, ou numa forma republicana, quem sabe? A situação do Brasil foi substancialmente diferente da ocorrida nas colónias espanholas da América Latina. Tínhamos tudo para continuarmos unidos, o que seria possível caso não existisse a típica burrice lusitana.
Voltando ao artigo do Financial Times, chegamos facilmente à conclusão de que a ideia não é, de todo, descabida. Claro que uma situação de anexação é totalmente inviável e inaceitável, não por uma perda de status lusitano, mas porque o neocolonialismo a esses extremos seria absurdo. Defendo, isso sim, a criação de uma Federação entre Portugal e o Brasil em pé de igualdade jurídico-legal entre ambos. Os laços históricos, culturais e linguísticos apontam nesse sentido de forma inequívoca.
A União Europeia caminha num processo descendente - sou totalmente eurocético -, logo, o melhor caminho para Portugal, unindo-se, seria com um país irmão e não com países totalmente diferentes, pese embora o facto de partilharem o mesmo espaço geográfico.
Portugal vive dias terríveis e cada vez menos os países mais pequenos conseguirão sobreviver num mundo globalizado.
Mas, não, o nacionalismo ridículo não entendeu a ironia e mais: ressentiu-se de tal ideia.
Que eu esteja enganado, porém, pode ser que sejam absorvidos pelos hermanos, tarde ou cedo, sem possibilidade de qualquer escapatória...
A solução para Portugal, hoje como ontem, está na sua capacidade atlântica.
É nela que vive o futuro do país.

29 de março de 2011

Troca de Experiências...


A situação que aconteceu hoje, na faculdade, não deixa de ser insólita, apesar de não ser propriamente uma novidade. A boa - boa - novidade é que, pela primeiríssima vez, baldei-me a uma aula. Considero uma boa novidade? Que tristeza... É preciso chegar ao Ensino Superior para baldar-me a uma aula. Sabem, eu sou muito certinho em determinadas matérias. Em algumas sou mesmo pragmático. Uma das minhas (melhores) características é o facto de ser muito responsável. Compromissos são compromissos e se estou na faculdade, onde os pais gastam tanto dinheiro, é para estudar, tirar boas notas e ser, de futuro, uma alta individualidade do nosso país. Por enquanto, contento-me em ser dos melhores por lá. :)
Conseguiram me seduzir e lá me levaram para o (péssimo) bar universitário, cheio de cerveja ronhosa e cheiro impregnado de fritos. Como já vos disse uma vez, na faculdade estamos "divididos", e coloco entre  aspas porque é uma divisão simbólica, em grupos. Bom, já no liceu é assim e quem estuda sabe do que falo. Há sempre os chamados grupinhos. É inevitável! O meu, vá lá, grupo, é aquele que é considerado como o «clube dos tios do primeiro ano». Enfim, partilhamos gostos e interesses recíprocos. Todavia, há lá alguns que se andam a aproximar e, aos poucos, vão influenciando certos membros do nosso grupinho.. Hoje tive a plena confirmação dessas nefastas influências...
Convenceram-nos a ir ao bar universitário mais horroroso, faltando à aula, e o que se segue quase que me traumatizou... Esses alguns, dos quais falei em cima, são do pior. Bebem cerveja como quem bebe água, falam alto, dizem milhentas asneiras, comem de uma forma grosseira, arrotam - sim, arrotam alto! - entre variadas e indescritíveis coisas... Foi uma hora para esquecer. Claro que não bebi - sou abstémio convicto - e pouco falei, mas estar naquele ambiente não me agradou nem um pouco. Para piorar, algumas das minhas colegas, apesar de parecerem outra coisa, renderam-se completamente àquele ambiente pouco sadio... Algumas, nunca pensei!... Bem diz o povo que as que «não partem um prato, partem a louça toda...».
Escapei eu e mais alguns. Uma razia total. Até fiquei agoniado com tanta baixeza! Nunca ouvi tanto palavrão em toda a minha vida...
Nem será preciso referir que o R. estava nas suas sete quintas, de tal modo que me deu uma palmada nas costas e disse-me:
- "Diverte-te, pá!"
Sublinho o "pá", que considero de extrema importância...
Tive a minha dose de convivência com as massas para todo o ano!

27 de março de 2011

Happy Anniversary!





Parabéns, minha querida!

És - e serás sempre - a minha maior fonte de       inspiração, Mariah... ^^





Lots of Love,
Mark

25 de março de 2011

A Vida É Feita de Surpresas (inesperadas...)


Aula de Direito Civil. À partida uma enorme seca, para mais tratando-se de uma sexta-feira, que é como quem diz que-é-o-dia-mais-cansativo-por-excelência. Eu acho. As aulas nas salas mais pequenas, para mim, têm uma dupla vertente: por um lado, aborrecem-me; pelo outro, são um enorme desafio, uma vez que tenho a oportunidade de mostrar os meus conhecimentos. E se há coisa que detesto é quando um / a colega responde mais do que eu. Fico possesso. Vá lá, confesso, gosto de ser o centro das atenções até nas aulas. Enfim, é o meu lado mediático que nunca me abandonará.
A aula de hoje estava particularmente aborrecida. O R. estava ao meu lado esquerdo e do meu lado direito estava uma colega muito querida que identificarei como L. Ela é assim meio desleixada com o estudo, no entanto, tem um lado meio rebelde e afável que me leva a gostar de si. A um dado momento, dou com ela a fazer comparações entre dois Códigos Civis, o dela e o de uma terceira colega.

-"L., o que é que estás a fazer? Estás a comparar os Códigos Civis? São iguais! Só tu!" - disse, baixinho.

-"Não é isso... Estou à procura do diploma que aprovou o casamento civil entre as pessoas do mesmo sexo. O da (...) tem e o meu não!" - retorquiu, igualmente baixinho, embora não tanto quanto eu.

O R. estava atento à aula. Todavia, não evitei em olhar para si. Fala-se em homossexualidade e eu tenho a tendência em olhar para ele, não fosse surgir qualquer reação...

-"Oh, e o que é que isso interessa agora?" - perguntei - "Não me digas que és lésbica?" - continuei, rindo baixinho e na mais pura das brincadeiras.

A reação é que me surpreendeu...

-"Por acaso não sou bem isso. Sou parecida..." - disse-me.

Fiquei perplexo porque senti veracidade e seriedade nas suas palavras. Agora não podia parar.

-"O quê? Parecida? Tu não me digas que és bissexual?!!!" - questionei-a, exclamando.

-"Sim, sou. Quero dizer, mais ou menos. Gosto de estar com raparigas, mas não me vejo a estar com uma a sério como com um homem..." - afirmou.

A esta altura estava atónito. Não a via como algo não heterossexual, sei lá!

-"A... A... E já estiveste com mulheres, assim... tu percebes..." - continuei, sempre baixinho.

-"Já... É muita bom. Gosto mesmo..." - mostrou firmeza nas suas palavras.

-"A... Okay..." - foi o máximo que consegui dizer.

Quando pensava que o diálogo estava dado por concluído...

-"Desculpa, escuta, ficaste incomodado ou assim?" - perguntou-me.

-"Claro que não... A... apenas não estava à espera..." - disse-lhe.

-"Humm, 'tá, mas não és homofóbico nem nada disso, pois não?" - interrogou-me, algo preocupada.

Fiquei ainda mais perplexo. Agora sim!...

-"Eu? Não! Claro que não! Sou super aberto..." - afirmei.

-"Ah, ainda bem. Sabes, não lido muito com a comunidade gay e bi, mas haja um hetero com quem possa desabafar. Vi que podia confiar em ti. Só te peço uma coisa: não comentes com ninguém, 'tá?" -  pediu-me.

Já estava completamente sem palavras.

-"Não, fica descansada..." - terminei.

Olhei para o R. e ele fez-me sinal com a cabeça do género: O que é que estavam para aí a falar? Acenei-lhe, dizendo que nada de importante.
Mas acontece-me cada uma! Esta agora foi o máximo...
Para concluir o fantástico dia, no Saldanha, e pela primeira vez num espaço aberto, vi dois gays a passearem junto ao Atrium, de mãos dadas, com o povo todo a olhar e eles nem aí...
Que dia...






P.S.: Tentei reproduzir o diálogo com o máximo de semelhança possível. Claro que era impossível lembrar-me de cada palavra que foi dita, contudo, e dado à minha boa memória, foi mais ou menos assim.

23 de março de 2011

A Morte, Essa Selvagem Demolidora...


A morte chega e leva, nada traz. 
Traz, até, retifico: traz dor, solidão, apatia e um sentimento estranho de perda.
O mais incrível é o poder que a morte toma na mente fraca do Homem. Somos perecíveis, ponto final. Morremos, como algo que se extingue e - verdade das verdades - somos o único animal que tem plena consciência do seu caráter finito.
Afinal, o que somos senão uma matéria disforme unida segundo critérios biológicos? Um pedaço de carne, racional, é certo, mas mesmo assim um mero pedaço de carne. O que nos distingue de um qualquer animal, tal como um grande primata ou uma formiga, é precisamente a nossa racionalidade.
Num critério mais social, a morte tem uma carga sentimental fortíssima em todos nós. Excluindo o evidente quando se trata da morte de um familiar, questiono por que motivo sentimos perdas distantes como se fossem nossas? Estarei a extrapolar o que sinto para um nível quase universal? Talvez. Falemos em mim, então.
Eu fico abalado quando sei que alguém morreu. Até aqui nada demais. Todavia, por que motivo sinto algumas perdas como se fossem minhas, pessoais, abalando verdadeiramente a minha estrutura quando, de facto, não o são?
Morreu a Elizabeth Taylor. Morreu. Foi uma excelente atriz e uma das maiores deusas de Hollywood. Deveria sentir a sua perda a um nível meramente formal. 
"Oh, que pena, morreu a Liz Taylor!" - e, já agora - "Deus lhe tenha a alma em descanso..."
Mas não. Hoje morreu a Elizabeth Taylor e amanhã será como se tivesse morrido hoje e depois de amanhã será menos do que amanhã mas ainda assim como se tivesse sido hoje e assim sucessivamente.
Por que razão sou diferente das outras pessoas? Por que motivo não morreu e ponto final?
Não, amanhã, quando acordar, a Liz Taylor já não estará viva. Ontem ainda estava, assim como no ano passado. Amanhã já não estará viva, não estará.
Quando olhar para o céu, saberei que a Liz Taylor não o estará a fazer porque é cientificamente impossível.
Ela morreu.
Morreu mesmo.
Sinto-me pobre, oco, vazio e impotente. Perdi algo e sinto que todos perdemos.
O grande - grande - problema é que é assim com todas as mortes.
Continuo a querer as pessoas como se as conhecesse, como se gostassem muito de mim e eu muito delas.
Pensava na Liz Taylor todos os dias? Nunca pensei nela. Mas queria-a ali, nos E.U.A, viva. E agora ela obrigou-me a pensar nela e eu não queria. Porque, no fundo, pensar nela significa que algo aconteceu. Algo de mau. E se ela era velhinha e estava doente é porque morreu. E eu não quero.
Sou parvo? Talvez seja. Sou eu.
E a Liz Taylor morreu.

21 de março de 2011

As Aventuras... no Metro!


É raro ir de metro para a faculdade. A mãe leva-me de carro, ou a Ana, ou mesmo eu, que me meto no carro e vou. Porém, esta última hipótese é a mais rara devido aos problemas em estacionar o veículo e à camada de nervos que apanho quando sou eu a conduzir no meio de filas de trânsito infernais. Para além de todas estas modalidades, por vezes vou de táxi ou metro. Odeio. O metro, de manhã, é a coisa mais horrorosa que já vi. Vai apinhado de gente. As pessoas não têm o mínimo civismo. Vêem que não entra nem mais uma alma, mas mesmo assim enfiam-se até o ar ficar irrespirável de tanta compressão no diafragma. Já para não falar das pisadelas, dos empurrões, etc. É uma saga! Agora, imaginem-me a mim no meio daquilo...
Hoje foi um desses dias. Apanhei o metro e nem foi dos piores dias. Estava, digamos, aceitável em termos numéricos. Claro que lugar para sentar é melhor esquecer... Fui em pé, como de costume sempre que vou de metro, de preferência bem encostado à porta que não se abre. Aconteceu-me algo que nunca esperei. Um homem, novo, entrou na estação seguinte com uma rapariga e ficaram perto de mim a conversar. Tinha tão mau hálito que eu ia morrendo. Eu estava precisamente no meio dos dois. A sua boca era enorme e tinha os dentes feios, amarelos e com um aspeto nojento. Cheirava tão mal, mas tão mal da boca, que eu juro: fiquei agoniado. Tive de baixar a cabeça e afastá-la para o lado esquerdo. No entanto, continuava a sentir aquele cheiro fétido a entrar pelas minhas narinas e a revolver o meu café da manhã. Estava impossibilitado de me mover porque, entretanto, foram entrando mais passageiros. Quando saí, aquela coisa mal-cheirosa ainda lá ficou. O homem morreu por dentro e não deu por isso!...
Pensam que acabou? Era bom... Saí da carruagem e dirigi-me para a saída. Senti um vulto atrás de mim, mas, como é natural, não dei importância. Continuei a sentir aquela estranha presença e, quando olhei para trás, constatei que um indiano me seguia desde a saída do metro. Quando viu que olhei para ele, mexeu no pénis, por cima das calças. SIM, É VERDADE! Entrei em choque e acelerei o passo. O indiano também acelerou e quando passou por mim, disse: "Bô diá...", naquele português mal falado e piscou-me o olho. Cheirava mal, àquele cheiro deles. Para quem não sabe, Lisboa está cheia de indianos. Não lhe respondi e continuei a andar. Entrei num café, pedi uma bica, esperei cinco minutos e quando saí ele estava à minha espera!!! Continuei a andar e ele atrás de mim. Continuei e voltei a acelerar o passo quando, de repente, estão dois polícias bem lá à frente. SALVO! O indiano não sabia português, mas adivinhou a minha intenção. Virou e seguiu caminho.
Que raio de dia. Sinto-me enojado. As minhas colegas até repararam que eu não estava bem. Claro que não lhes contei o sucedido. Morreria de vergonha. Já me aconteceu ser assediado por africanos e indianos, mas nunca desta forma explícita. Quem me manda a mim sair assim por essas ruas fora? Misturar-me desta maneira absurda, sujeitando-me a situações destas. Qualquer dia violam-me!
Já contei à mãe o sucedido e querem saber o resultado? Acabaram-se os metros. Agora, quando não puder de outra forma, vou de táxi.
Detesto misturas.

19 de março de 2011

Carta ao Papá



Lisboa, 19 de Março de 2011,

Papá,


Em primeiro lugar, espero que estejas bem. Espero que a vida te sorria a cada momento. Estivemos juntos há pouco tempo, no Porto, precisamente no mês passado quando me convidaste para ir ver um jogo de futebol ao Dragão.
Papá, sei que nos últimos anos não tens sido o pai mais presente, mais amigo, mas no fundo sei que ainda me amas, apesar de estares separado da mãe há seis anos e, dessa forma, separado de mim.
Ainda me recordo dos bons momentos que vivemos durante a minha infância. Sabes, tive uma infância muito feliz. Recordo-me dos nossos passeios pela Avenida da Liberdade, quando me levavas às tuas cavalitas; lembro-me dos nossos passeios em casa da tua mãe, na Ericeira; recordo-me de quando me levavas ao Jardim Zoológico e me compravas um balão. Lembras-te de como eu gostava de balões? Também me recordo de quando me ajudavas nos trabalhos do colégio, de quando chegava a casa e ia ao escritório. Lá estavas tu, alto e moreno, sentado à secretária a preparar relatórios.
Guardo com todo o carinho as coleções de livros que me fazias, da Rua Sésamo, do Corpo Humano, dos Pokémon, etc. Também mantenho as recordações que me trazias das tuas viagens de negócios, bem como todos os brinquedos. Lembras-te de um dia chegares a casa e teres gasto mais de duzentos "contos" no Toys 'R' Us só de uma vez?
Sempre foste um papá amigo e compreensivo. Tratavas-me como eu gostava de ser tratado e nunca por nunca me impuseste uma forma de ser ou agir. Pude viver como era, sem quaisquer condicionalismos externos. Podia brincar, correr, até fazer de borboleta, lembras-te?, que tu nada dizias ou fazias para me repreender. Se queria uma Barbie, tinha uma Barbie; se queria algo menos "comum", tinha algo menos "comum". Era EU. Sabes ao que me refiro...
És, nesse e noutros aspetos, o papá que todos queriam ter, o papá que todos desejavam nos seus sonhos mais profundos.
Contigo aprendi a gostar de gravatas - e hoje posso dizer que são parte integrante do meu ser. Contigo aprendi a ser mais razoável e até mais sociável, apesar de sempre me teres mimado muito.
Tudo corria tão bem até 2006 - o meu annus horribilis.
Separaste-te da mãe e tudo mudou. Foste para longe e quase te esqueceste de mim.
Hoje em dia, já não estamos juntos como outrora, já não me tratas como antigamente, arrisco a dizer que o teu amor mudou. Tens uma nova esposa e - quem sabe - um dia destes, um novo filho. A tua voz já não tem o mesmo calor. Tenho a certeza de que já não gostas tanto de mim. Mesmo no mês passado, notei essa tua ausência de espírito. O corpo estava comigo; a alma não estava ali. Hoje, tens outras prioridades e outros ocupam o lugar que já foi meu.
Se sofro? Sim, sofro, mas sofro para mim.
Não te vou incomodar mais. Continuo a amar-te como dantes. Da minha parte nada mudou. Continuas e continuarás a ser o meu doce e querido papá. Sempre.
Peço-te, contudo, que guardes um pouquinho de mim no teu coração e que nunca esqueças o que de bom vivemos.
Sabes, não te vou enviar esta carta pelo correio. Nunca a lerás e talvez por isso a esteja a escrever. Escrevo-a para mim. São as palavras que ficam por te dizer, sentimentos que ficam por partilhar, memórias que o tempo teima em não levar.

Amo-te,

M.

18 de março de 2011

Páginas de Um Diário (4 de Outubro de 2005)


"Olá Querido Diário,


Bem sei que já não escrevo há uns dias, mas sabes, tenho tido muito que fazer e pensar. Coisas relativas ao colégio, mas não só: relativas, também, ao Luís. Desde que ele me acertou com a bola que eu não sou o mesmo. Não sei o que se passa. Já nem me importo com o facto do livro ter ficado cheio de sangue (contei-te tudo há uns tempos!). Não foi propriamente uma boa maneira de se conhecer alguém, mas aconteceu. Continuo a vê-lo jogar à bola mesmo que tenha de mentir à mãe para me ir buscar ao colégio mais tarde. Imagino que ele poderia tirar a t-shirt e atirá-la à bancada. Seria divertido, não achas?
Hoje de tarde fui com os pais a um restaurante. A mãe até me foi buscar mais cedo ao colégio. Eles andam a discutir às minhas escondidas e eu não sei o que fazer. Já mal se falam com delicadeza como o faziam antigamente. A mãe trata o pai com uma indiferença enorme e ele parece não se importar. Acho que a minha família está a morrer aos poucos e eu nada posso fazer para o evitar. Já falei com a avó sobre isto e com a tia (nome da tia - suprimido), mas elas dizem que é uma fase e que todos os casais passam por isso. Será? Hoje foi tudo tão mecânico, tão programado. Pareceu-me que estavam a fazer um esforço enorme para me mostrarem: "ok, está tudo bem"...
De resto, hoje não aconteceu assim mais nada de especial. Fiz uma ficha a Português e até me correu bem. Passei a aula a olhar para o Luís, mas isso já é habitual... Acho que gosto dele...
Shiuuuuuu! Não contes a ninguém.. Não contas que eu sei.... :)
Adoro-te.

Beijinhos mil,
M."

17 de março de 2011

Páginas de Um Diário (16 de Março de 2001)


"Olá querido diário, tudo bem? Comigo está tudo bem e espero que contigo também. Hoje o dia no colégio foi muito giro. As aulas não foram muitas giras mas giro foi o tempo que passei com o Fábio. Ele hoje estava tão mágico. Gostei mesmo de o ver. Ele hoje foi mais querido para mim e deu-me mais atenção. Lembras-te que no outro dia contei-te que ele não tirava os olhos da Ana Margarida e isso pôs-me furioso. Falaram todo o dia e até os vi na escada a falarem assim como se fossem namorados. Odeio-a tanto!!! Ela é uma estúpida, odeio-a, odeio-a, odeio-a. Tem a mania que é bonita mas é feia e eles só gostam dela porque ela é loira e tem os olhos claros mas eu odeio-a. E ela também é burra porque teve negativa a Matemática. AHAHAHAHAHA Mas eu acho que o Fábio gosta um bocado de mim porque ele apalpou-me no outro dia quando mais ninguém estava a ver e eu dei-lhe um beijo na cara e ele gostou porque eu perguntei se ele gostava e ele disse que sim. Ele não gosta é de fazer o mesmo que eu. Joga á bola e eu não ligo nada a isso. A Ana Margarida é uma estúpida. Eu apanhei flores num jardim no dia do passeio a Sintra e ela gozou comigo e disse que eu era uma menina mas eu sou rapaz só que gosto de flores. Amanhã vou falar com o Fábio e vou chamar a Ana Margarida de estúpida que é o que ela é e agora vou jantar porque a mãe está a chamar-me para descer.
Beijinhos
Amo-te muito M."

Como já o referi, escrevi durante muitos anos num diário, ou, para ser mais rigoroso, em vários, uma vez que, devido à escrita ser quase diária, comprei vários "diários" ao longo do tempo.
Esta página do meu diário remete-me a 2001. Enfim, não deixo de recordar esta época com nostalgia, mas também com um sentimento de profunda ingenuidade como é facilmente verificável. Era mesmo criancinha inocente e mimada.
Decidi publicar esta página do diário e irei fazê-lo regularmente. Não alterei uma única vírgula do texto ou uma única palavra. Limitei-me a transcrever tal e qual como o escrevi há dez anos atrás. Só assim manterei a pureza do texto. Tal como o passado é inalterável, assim o é em todas as suas vertentes.
Perdoem a inocência. :)

15 de março de 2011

O Ideal


Lembram-se da tardinha de estudo que eu e o colega do terceiro ano combinámos? Pois bem, foi esta tarde e não na segunda-feira como inicialmente estava previsto.
Só vos digo: ele é um charme de pessoa! Uma verdadeira pérola no meio da selvajaria e da vulgaridade.
Da parte da manhã, enviou-me uma sms para acertarmos a hora. Respondi-lhe, dizendo que preferia da parte da tarde. Para além disso, almoçámos juntos, sendo que o estudo (estudo... ahahahah....) começou depois. Durante o almoço pude testemunhar em primeira mão o seu cavalheirismo. Lá passámos por entre a fila dos tabuleiros até chegarmos ao balcão do pagamento. Como é habitual, tirei uma salada de frutas para sobremesa, porém, desta vez, esqueci-me de levar a respetiva colher. Não é que já depois de estarmos sentados e, ao dar pela falta da minha colher, ele disponibilizou-se para a ir buscar? Isto, sim, é um homem!
O almoço correu da melhor forma. Ele é educadíssimo. Fala num tom muito aprazível e tem uma voz calma, que transmite confiança. Hoje vestia uma camisa azul e uns jeans brancos que contrastavam muito bem com o relógio. O cabelo, preto, com gel, confere-lhe um ar jovem, mas, ao mesmo tempo, elegante. Sabem aquele olhar penetrante, cativante? É o dele.
Se algumas dúvidas me restavam sobre a sua perfeição inegável, as mesmas foram dissipadas quando me cedeu a passagem à saída da cantina universitária. *.*
«És o homem perfeito!» - pensei.
As conversas ao almoço não tiveram grande substância. Durante a sessão da tarde, aí sim, falámos mais sobre nós. Então, e já na biblioteca da faculdade, soube que tem um irmão mais novo e que é de Lisboa (como eu), os pais estão casados (ao contrário dos meus), ambos são advogados, aliás, a família dele é uma família de juristas. Gosta de praia (como eu), faz surf e bodyboard (e teve a paciência de me explicar as devidas diferenças existentes entre as duas modalidades), gosta de animais e tem vários cães na quinta da família (só por acaso não é perto da quinta da avó), etc...
Houve uma altura em que apoiei a cabeça no braço de tão agradável que estava a ser a conversa. O seu riso é discreto, subtil, mas revela um sentido de humor apurado. Adorei, também, a sua carteira preta e o seu telemóvel. Leva-os na mão, o que sublinha e reafirma o seu lado mais, direi, sóbrio.
Foi uma tarde (na realidade duas horas, só...) f-a-n-t-á-s-t-i-c-a. Não estudei nada, mas «isso agora não interessa nada», como diria a Teresa Guilherme. :)
Por momentos, abstraí-me do mundo e dos livros.
Foquei-me no meu princípe encantado do terceiro ano...

13 de março de 2011

力、日本!(Força, Japão)


Que os japoneses são um povo empreendedor e empenhado creio que não existem muitas dúvidas.
Apesar da sua má opção estratégica durante o século passado, nomeadamente a aliança com a Alemanha que os conduziu ao sonho imperialista e à II Guerra Mundial, o Japão soube recuperar das cinzas provocadas pelo armistício e pela derrota na Guerra. O lançamento de duas bombas atómicas sobre Hiroxima e Nagasaki e o desastre económico que sofreram, foram rapidamente ultrapassados pela árdua tarefa que levou todo um povo a lutar diariamente por dias melhores. O sucesso desta empreitada foi tal que mereceu - e bem - o nome de Milagre Japonês - e assim ficou para a História.
Atualmente, o Japão enfrenta uma das mais duras provas desde o final da Guerra, um terrível terramoto que atingiu toda a sua costa oriental e provocou uma das maiores tragédias da história do país. Um terrível tsunami, curiosamente um nome japonês, destruiu tudo à sua passagem deixando um rasto de morte, dor e sofrimento. O número de vítimas mortais e de desaparecidos é incerto, mas seguramente ultrapassa a casa dos muitos milhares.
Tenho a certeza de que esta grande prova será ultrapassada pelo povo japonês. Confio na sua sabedoria e na sua capacidade de sobrevivência. O Japão tem revelado ao mundo uma extraordinária capacidade de enfrentar o perigo e as adversidades do destino. Outrora foram os homens; desta vez a implacável mãe Natureza.
O Japão mostrará, de novo, que é capaz, que tem coragem, que aprende e fica mais forte a cada desafio.
Pergunto-me o que seria de Portugal se tivesse o mesmo trilho de luta pela frente...
Força, Japão!

Tarde de Compras (II)


Hoje fui fazer mais umas comprinhas. Fui com uma prima. Precisava de arejar. A faculdade tem que se lhe diga. É tão cansativo... São trabalhos, livros para ler, casos práticos para resolver, resumindo, um sem número de tarefas chatas e enfadonhas.
Lá me arrastou para a Baixa (como se eu não quisesse ir...), não sem antes passarmos no - até me custa dizer - Colombo. Foi horrível. Bom, aguentou-se... A minha prima é daquelas pessoas que se não fizermos o que ela quer, digamos que se torna verdadeiramente insuportável, mesmo sabendo que já não tem idade para isso. Está naquela fase da adolescência tardia. Eu não tenho nada disso.
Por um lado foi bom. O shopping tinha menos pessoas do que o habitual. Estava tudo, suponho eu, na bendita manifestação. Manifestem-se! Cada um relaxa como quer.
Comprei algumas coisas com um toque primaveril, afinal, a nova estação está aí (eu queria escrever Primavera com "p" minúsculo, como manda o Acordo Ortográfico, mas ainda não consigo habituar-me à ideia; mil perdões A.O, LOL). Comprei umas t-shirts leves e frescas, um casaquinho levezinho e algumas calças, entre as quais umas skinny amarelas na Pull. Adoro calças de cor. Acho espontâneo e jovial. Pode não ser uma indumentária muito habitual no meio universitário, mas enfim, há que ser diferente. São mais umas a juntar à minha coleção colorida. Remanescências de colégio. :)
Depois fomos para a Baixa. Passeámos um pouco. O tempo não estava muito convidativo. Apesar de ser um dos ex-libris de Lisboa, confesso que não acho especial interesse à Baixa Pombalina. Talvez porque me reporte a um tempo diferente. Como sei o que ali existia antes do Terramoto de 1755, não consigo deixar de pensar em tudo o que se perdeu. Olho para a Praça do Comércio como uma substituição de algo.
Ao voltar para casa, ainda passei pela casa da tia - e ouvi Justin Bieber.
Para terminar o dia, falei com o tal rapaz que conheci no bar da faculdade. Ele ligou-me. Já combinámos estudar na segunda-feira.
Surgiram umas dúvidas repentinas. :)

10 de março de 2011

Um Almoço Interessante


Se há coisa que detesto é almoçar sozinho. Aliás, é extensível a todas as refeições. Não sei, acho deprimente...
Hoje, depois das aulas, todas as minhas colegas saíram. Uma tinha de ir ali, outra acolá, etc. Resultado: tinha de almoçar sozinho. Sempre podia ir a casa, mas de certeza que (como vim a confirmar) não havia nada para almoçar.
Passo a explicar: a mãe está na empresa, o mano no atelier, eu na faculdade, logo, a Ana não faz nada para o almoço porque sabe que ninguém estará em casa a essa hora. Ela aproveita e almoça com a irmã e os sobrinhos.
Não havia alternativa. Lá fui para a fila (ou bicha, mas a palavra soa-me mal, LOL), peguei no tabuleiro (q'horror!) e escolhi uma daquelas saladas light. É basicamente o seguinte: temos três ingredientes base e depois escolhemos mais alguns. É naquela do «faça você mesmo»... Os pratos também eram horríveis. Desde frangos gordurosos, a massadas ultra-mega-hiper calóricas...
Dirigi-me até às mesas e, por acaso, vi uma rapariga que nem é da minha turma, não temos grande intimidade (tipo, «bom dia», «boa tarde» e «'tás boa?»...), mas pensei: «Vou já encostar-me aqui....». Sempre almoçava acompanhado. Perguntei se podia sentar-me, ela também estava sozinha e assim foi. Falámos e tal e, de repente, vêm duas pessoas ao nosso encontro. Cumprimentam-nos e sentam-se. É quando ela me avisa que estava à espera de dois amigos, uma vez que é repetente, ou seja, já deveria estar no segundo ano.
Uma rapariga e um rapaz. Ela é do segundo ano, magrinha, meio esquelética e desengonçada, mas ele é giríssimo. Moreno de olhos azuis, magro, estatura média, culto, educado, do terceiro ano, enfim, deu para tirar todas essas conclusões durante o almoço. E gay, na certa, não porque tenha trejeitos, mas porque me deu uma bola descomunal. Todo simpatia e «estás a gostar da faculdade?» e «como está a correr?» e «fizeste as cadeiras todas do primeiro semestre?» e «és de Lisboa?» e «costumas estudar aqui à tarde?» e «vivo aqui perto» e «tenho apontamentos ótimos para a cadeira "x"» e «dou sessões de cinema em casa de filmes que saco» e...
Bom, todo aquele lamiré que já conhecemos. Como eu não sou parvo nem nada que se pareça, mas até simpatizei com ele, deixei-me levar na conversa. Ele é discreto, disse tudo de forma muito soft, como quem não quer a coisa... Elas nem toparam, na certa.
Ele almoçou de uma forma educada. Aposto que é de boas famílias. Reparei na forma como segurou nos talheres, no copo, no guardanapo (de papel, mas enfim, faculdade, é o que há...), como falou, pausadamente. Só se me imitou. LOL É pouco plausível. Também reparei no tecido da camisa (LOL), no relógio, nos ténis, nos óculos de sol...
É mesmo interessante. E não me refiro à beleza física (que também o é), mas sim à forma de ser e estar. Falámos de política, de História, de Direito, de Teologia, da atualidade informativa e de mais um sem número de temas... Até que enfim alguém com quem possa falar de coisas úteis e com quem me identifique!
Claro que a precocidade da situação (conheci-o há umas horas, LOL) não deu para mais intimidade. Mas trocámos de número (boa!), a seu pedido, para «esclarecimentos nas matérias e se precisares de qualquer coisa...».
Acho que vou precisar de qualquer coisa. :)

8 de março de 2011

Amor d'Água Fresca



Quando eu vi olhos de ameixa e a boca de amora silvestre,
Tanto mel, tanto sol, nessa tua madeixa, perfil sumarento e agreste.


Foi a certeza que eras tu, o meu doce de uva,
E noz sobre a mesa, o amor de morango e cajú.


Peguei, trinquei e meti-te na cesta, ris e dás-me a volta à cabeça,
Vem cá, tenho sede, quero o teu amor de água fresca.


Tens na pele travo a laranja e no beijo três gomos de riso,
Tanto mel, tanto sol, fruta, sumo, água fresca, provei e perdi o juízo.


Foi, na manhã acesa em ti, abacate, abrunho,
E a pêra francesa, romã, framboesa, kiwi.





Rosa Lobato de Faria (1932 - 2010)

6 de março de 2011

Eu Quero Ir ao Jardim Zoológico


Há imensos anos que não vou ao Zoológico de Lisboa. E aqui tão perto!...
Estou a pensar em ir ao Zoo nesta semana. O Zoológico é aquele lugar por excelência. Será sempre um dia bem passado junto dos animais e do cheiro a natureza possível numa metrópole europeia. Recordo-me de ir ao Zoológico quando os pais estavam juntos. Uma dessas ocasiões coincidiu justamente com o Carnaval, pois lembro-me de estar mascarado de morango. Sim, eu tive uma fantasia de morango (o fruto), muito gira por sinal. :)
Apetece-me mesmo. Eu sou muito chegado a estes programas de dia. Não troco uma ida ao Zoológico, a um museu, a um teatro por uma noitada! Há coisas bem mais importantes e interessantes do que um bar cheio de gente embriagada e vulgar.
O Zoológico consegue aproximar-nos mais do mundo animal. Temos acesso a espécies que de outra forma veríamos apenas na televisão. Nem todas as pessoas têm a sorte, como o pai, de nascer em Moçambique e de viver grande parte da vida rodeadas de vida animal e vegetal completamente selvagens. Ele, às vezes, contava-me coisas que me deixavam encantado pela beleza e, ao mesmo tempo, pelo perigo. Estivemos para voltar em turismo, na década de noventa do século passado, mas a mãe e o pai, temendo por mim, resolveram cancelar a viagem. Na época, Moçambique vivia uma guerra civil horrorosa e na agência de viagens alertaram-nos para diversos perigos, nomeadamente de eu ser raptado para extração de órgãos. A mãe ficou apavorada. Hoje as coisas seriam diferentes. O país está em paz e eu cresci.
Para além de todos os motivos, quero ver algumas espécies que nunca tive a oportunidade de ver. Gostava, se possível, de rever um espetáculo com golfinhos que era habitual no Zoo.
Isto também é um pouco de inveja, sim, porque uma amiga minha foi ao Zoo não há muito tempo. E eu geralmente sou assim. Quando vejo algo que os outros têm ou que fizeram, quero ter ou fazer o mesmo. Hábitos de mimado. ;)

4 de março de 2011

Sentes a Diferença?


Há bastante tempo que não falo do R. aqui, provavelmente porque não há muito para dizer. Ele continua lá na vidinha dele e eu na minha. Somos colegas como dantes, nesse aspeto nada mudou. No outro dia ficámos a estudar na biblioteca com mais uma colega, continuamos a almoçar juntos quando se proporciona, continuo a sentar-me ao seu lado nas aulas, enfim, não deixei de fazer absolutamente nada do que fazia.
Da sua parte noto alguma aproximação, talvez como reação à minha indiferença. Quando me refiro a indiferença, falo especificamente de uma atenção que lhe despendia e que retirei. Digamos que se tratava de uma inclinação natural para si. Ele notou, claro, assim como notou quando deixei de lhe dar atenção e passei a tratá-lo como qualquer colega rapaz.
Hoje, num dos intervalos, viu-me a comer qualquer coisa a meio da manhã e perguntou se podia sentar-se na minha mesa. Sentou-se e, aproveitando que estávamos sozinhos, perguntou-me se «andava chateado com ele», ao que eu respondi prontamente que «não». Lá avançou na conversa, dizendo que tinha reparado que eu já não era «o mesmo», que o evitava em determinadas situações, que já não brincava tanto consigo, etc. Não tive quaisquer problemas em perguntar-lhe qual era o modo que ele achava que eu deveria utilizar para me comportar com ele. Ele percebeu perfeitamente o cariz da minha pergunta e toda a mensagem implícita que lhe estava subjacente. Tive essa confirmação na expressão do seu rosto. Entretanto chegou uma amiga minha e a conversa extinguiu-se automaticamente. Ele continuou na mesa a brincar com o guardanapeiro nas mãos, mas a cabeça estava baixa e a expressão mantinha-se pensativa e distante. Ficámos os três na mesa até à hora da aula. Eu e a minha amiga falámos daquelas conversas típicas que não agradam a homens heterossexuais (roupa, moda, dietas, praia, etc) e ele continuava sentado à nossa frente, de pernas abertas, com os pés de fora e ligeiramente afundado na cadeira (tem mesmo aquele sentar masculino). Por vezes erguia a cabeça e olhava sorrateiramente para mim, como se estivesse a meditar sobre algo, mas nada nos disse para além de alguns acenos e de umas expressões enfadonhas.
Nada fiz com o propósito de chamar a sua atenção, todavia, foi ele que se deu conta de que agira mal comigo e foi isso que o levou a abordar-me daquela forma.
Há males que vêm por bem.

3 de março de 2011

Da Monarquia Limitada ao Absolutismo Régio


A concentração ilimitada de poderes nas mãos dos monarcas europeus não foi um acontecimento inesperado e repentino. O apogeu dos absolutismos régios do século XVIII foi o culminar de séculos de transição política e ideológica que levou ao poder ilimitado dos reis.
Na Europa medieval, bastante fragmentada pelas guerras, pestes e fomes, era fisicamente impossível para um monarca a expansão do seu imperium por todo o território no qual reinava. O feudalismo era caracterizado essencialmente por essa troca entre senhores e servos, nos quais em troca de segurança nas imediações dos seus castelos, os servos vinculavam-se a essa obrigação de cultivar a terra e entregar a respetiva quota de produção ao senhor feudal, o seu senhor. Aconteceu um pouco por todo o continente e teve uma concretização efetiva em França. O feudalismo foi de tal forma importante que podemos falar de verdadeiras sociedades feudais. Nestas sociedades medievais, os senhores feudais disputavam o poder ao próprio monarca, tendo muitas vezes exércitos maiores, mais riqueza, jurisdição própria e, em alguns casos, o cunho de moeda autónoma.
Apenas na Idade Moderna, a situação feudal conheceu um outro rumo. É importante salientar que o moderno conceito de Estado surgiu pela primeira vez com Maquiavel, na sua obra O Príncipe. A palavra «Estado» surge, então, associada à ideia de território. Uma vez que o rei significava em si a união do território, seria natural que representasse o Estado e, para o fazer, tornou-se necessária a concentração progressiva de poderes na figura régia. Também com Jean Bodin surgiu o conceito de Soberania. Estado e Soberania seriam transpostos para a figura do rei. O Estado Unitário passou a ser o sujeito da comunidade internacional. As situações de profundas fragmentações internas não eram mais admissíveis. Todos os poderes de soberania pertenciam ao Estado e quem os personificava era o rei e não um conjunto de senhores soberanos espalhados pelas suas terras. Estava a germinar a semente do Absolutismo.
Estas teorizações do século XVI teriam a sua concretização histórica nos séculos XVII e, sobretudo, XVIII, com as monarquias absolutas em vários países europeus, incluindo Portugal. O caso inglês distingue-se do resto da Europa continental por uma afirmação do Parlamento sobre o monarca.
Luís XIV foi a maior expressão do absolutismo régio com a sua famosa expressão: "L'État c'est moi!"