30 de maio de 2014

The End (or not...).


   E pronto, hoje terminaram as aulas. Oficialmente, se tanto. Recebi um teste e a respectiva nota: dispensei o exame final. Boa. Ontem, recebi duas notas. Também dispensei. De cinco disciplinas, falta-me saber os resultados de duas. Oportunamente, os professores marcarão uma aula para que se proceda à entrega. Entretanto, acredito que as notas irão sendo lançadas na plataforma virtual.

   A sensação de dever quase cumprido é maravilhosa. A verdade é que a manutenção da minha estadia naquela faculdade apenas depende de mim. Chegou a altura dos palpites. A mãe avança para o mestrado científico ou profissionalizante, dentro da área, claro está. Invoca um argumento plausível, é facto: em equipa vencedora não se mexe, logo, continua. O senão é a minha felicidade pessoal, como lhe fiz chegar. A avó acha que devo me meter em algo relacionado com jornalismo, decidindo-se pelas, segundo ela, "aptidões como orador". É, com efeito, a visão de uma avó babada, porque sou sobejamente melhor na parte escrita do que na oral. O avô ainda vem com a História!... O pai ligou-me, há dias, e pelo meio lá me disse que advogar seria excelente. Realmente, cada um pensa de um modo distinto. Não ajudam em nada. A última palavra cabe-me, mas não rejeito, de todo, opiniões que me ajudem a decidir ou, pelo menos, a reflectir melhor. Sou inexperiente e péssimo - como referi inúmeras vezes - a tomar decisões. Preciso sempre de um empurrão.

   Às duas cadeiras que ainda estão em aberto, um dos professores fez uma análise individual à situação de cada um. Disse que tem os testes corrigidos, no entanto, mantém as dúvidas no que diz respeito a alguns alunos, onde me inclui. Salientou o elemento escrito, bom, com o revés da participação oral, quantitativamente medíocre. Falo pouco nas aulas, o que me prejudica, a mais neste regulamento de avaliação que majora a importância das intervenções. Vai "pensar", palavra sua. Espero que pense bem e com celeridade - esta indecisão, vai não vai, é um suplício!

   Inscrevi-me a todos os exames, por procedimento protocolar, vá, e garantia - não sabia se os contornaria. Terminando esta etapa, há que estudar para as orais de melhoria. Quero dar o melhor pela média, o que puder, e o que não puder peço um milagre. Como nunca deixei uma disciplina para trás, recebo umas bonificações percentuais que dão sempre jeito. Para o mercado de trabalho, o diploma será impecável, posso dizê-lo com segurança. Uma opção seria parar e fazer algo com a mãe ou seus conhecidos... Ganhar experiência, descansar um ano, desgastado que estou cognitivamente, assumo.

    Os meus colegas querem marcar um jantar de fim de curso. Não, não! Não os posso ver mais (risos). Muitos acompanham-me desde Setembro de dois e mil e dez. Preciso de dar um tempo à relação, visto que estou a um passo de me ver livre do cheiro pestilento a cerveja entranhada - ontem realizaram mais uma edição da inominável festa da cerveja. No dia seguinte, o cheiro é indescritível. Foi a última vez que o senti, yay!

27 de maio de 2014

Rescaldo.


   Terminado o acto eleitoral e analisados os resultados deste plebiscito europeu, retiramos, desde logo, duas ilações evidentes: a abstenção, que se supunha elevada, foi a maior de sempre, demonstrando, inequivocamente, por um lado a normal relativização, errada, das eleições para o parlamento europeu e, pelo outro, o descrédito acentuado na classe política portuguesa. Não estamos no Verão, não havia qualquer competição desportiva, finda que está a época, logo não há causas de justificação.

    Em segundo lugar, a inércia do centrão favoreceu o recrudescimento dos fenómenos extremistas na Europa, seja da extrema direita, mais visível, ou da extrema esquerda, como sucedeu na Grécia. Pela primeira vez, uma parte do parlamento europeu estará confiada a eurocépticos convictos, o que compromete os desígnios das instituições europeias no sentido do reforço da União. A abstenção verificou-se por todos os Estados-membros.

    A nível interno, retira-se uma conclusão: a penalização da direita, tão invocada, foi uma miragem. De facto, a vitória do PS neste escrutínio é tudo menos confortável, daí que não entenda a urgência de António José Seguro quando clama por eleições legislativas antecipadas. Pretende governar sem maioria parlamentar ou crê que teria maioria absoluta ou relativa? Parece-me insensato. Temerá que o país recupere de alguma forma, o que prejudicaria o discurso fatalista do PS? O problema do Partido Socialista, ou os problemas, na minha humilde opinião, resumem-se a: falta de carisma do seu líder; insuficiência das alternativas credíveis ao programa da direita e o estigma do memorando do triunvirato que remonta aos tempos de Sócrates. É um grande partido, com uma conjuntura que lhe é favorável, e não consegue conquistar o eleitorado, aumentando, por essa via, a vantagem nas intenções de voto. Uma das soluções, a meu ver, seria o avanço de António Costa, socratista, para a liderança, que Sócrates, embora seja um estadista, estará preocupado com outros vôos...

    Nos partidos mais pequenos, destaca-se um bom resultado para o PCP / PEV, e uma surpresa: Marinho Pinto capitalizou o seu discurso populista, convertendo-o em votos para o MPT, que ganhou assim dois eurodeputados. O Bloco de Esquerda foi um dos derrotados da noite, na senda do que já vai acontecendo. O partido começa a desvanecer-se. Não tem uma massa de apoio sólida como o PCP. Os portugueses continuam a demonstrar um bom senso surpreendente que, aliado à tradicional tolerância, não deixa crescer os movimentos radicais, representados, à extrema direita, pelo PNR, uma nulidade política.

   É precipitado falar-se de legislativas. O povo está descontente e rejeita o programa da coligação governamental, mas não o faz categoricamente. Fá-lo por meias palavras. E o governo não está moribundo. É maior o demérito do próprio Partido Socialista do que o empenho do governo em agradar ao eleitorado. Não ficaria admirado se nas próximas legislativas o PSD ficasse bem colocado.
     Cavaco Silva não dissolverá a Assembleia da República e aqui devo concordar com a decisão do Presidente da República. A derrota da Aliança Portugal não foi expressiva e, sendo-o, há que separar as águas. Este governo cumpre um mandato legitimado e longe vão os tempos em que os governos careciam da confiança política do Presidente da República, afastando-se assim a demissão do governo, além de que as eleições para o parlamento europeu são uma realidade distinta das legislativas. Passos Coelho poderia interpretar estes resultados como uma derrota pessoal e das suas políticas e pedir voluntariamente a demissão. Não o fará. O regular funcionamento das instituições democráticas, conceito amplo e indeterminado, que dá azo a especulações de toda a ordem, não está ameaçado.

    A oposição deve esmerar-se para que se apresente como força antagónica que mereça a confiança das pessoas. Continuando neste caminho, fenómenos como o abstencionismo manter-se-ão, enfraquecendo a representatividade parlamentar que emana dos cidadãos.

25 de maio de 2014

O dia de Espanha.


   Um amigo convidou-me para sair. Estive para recusar, antevendo a confusão. Combinámos nos Restauradores, junto ao obelisco. Fui de metro, podendo ir a pé. Não o fiz já supondo que as ruas estivessem intransitáveis de tanto espanhol. Felizmente, podia-se estar nas carruagens do metro. Nada que a hora de ponta não produza. Nas Picoas, entrou uma professora que tive no ano passado. Viu-me, cumprimentou, e disse-me que há dias estivera reunida com a regente, ex-juíza do Constitucional, falando-lhe de mim, entre outros, em relação às notas dos testes dos seus actuais alunos. Foi uma das minhas cadeiras preferidas do curso. Tenho saudades.

  Sentámo-nos no degrau do memorial e ficámos à conversa. Grupos de espanhóis dirigiam-se na nossa direcção, rumando ao Rossio e à Praça do Comércio. Barulhentos e rudes como os portugueses. Merecem-se. Deus, que me puseste num país incivilizado!

    A maior surpresa do dia viria, contudo, do próprio metro. Os letreiros que anunciam a chegada do comboio estavam em castelhano. Dei uma valente gargalhada cá para mim! Os portugueses continuam a confundir cordialidade com subserviência. Por que cargas d'água colocaram a informação em castelhano? É assim tão díspar do português que leve os espanhóis a não entenderem a mensagem? Numa final da Liga dos Campeões Sport Lisboa e Benfica e Futebol Clube do Porto, em Madrid, tenho quase a certeza de que não teriam essa atenção em língua portuguesa. Não sei, digo eu...

   Pusemos os assuntos em dia. Falámos nos meus estudos, nos dele. Já está licenciado e com mestrado. À pergunta sobre o que pretendia fazer pós-licenciatura, respondi-lhe com um assertivo não sei. Começa a ser preocupante, isto sou eu que penso. O Verão servirá para esclarecer as dúvidas. Em dois mil e dez, por esta data, também não sabia o que escolher. Quando a hora chegar, eu decidirei.

    A meio, dois espanhóis sentam-se ao nosso lado, à direita do meu amigo. Depois de comerem e fazerem aqueles ruídos pré-históricos com a boca, um deles olha para mim e pisca-me o olho. De imediato, disse ao meu amigo. "O que queres que faça?" - riu-se. Pedi-lhe para sairmos. Bom, descemos a Augusta em direcção à praça. Montaram umas tendas para que eles pudessem ver o jogo. É incrível como uma cidade se movimenta em torno de uma competição desportiva. Fico fora de mim. O relevo que se dá a... isto! Conseguimos entrar na Ribeira das Naus, descobrindo que aquilo até está agradável. Terminaram as infindáveis obras de requalificação. Há uns espaços com relva, onde nos detivemos por instantes. Adoro sentar-me na relva fresca.

    Depressa esfriou. Como se fazia horas de jantar, decidimos voltar para casa. A estação do Rossio estava nojenta, com um cheiro nauseabundo a urina e cerveja, pavoroso. Ele fez questão de me acompanhar até à minha estação de metro, que é noutra linha, sentindo a relutância em ir sozinho até casa. Iria, claro, mas aqueles espanhóis bêbados não me inspiravam qualquer confiança. São estas atitudes que valem por mil palavras. Caiu-me mesmo bem. Dois rapazes intimidam mais do que um, além de que ele é dos Anjos, nascido e criado, logo, deve ter experiência em enfrentar gente de aspecto duvidoso (risos). Estou sempre a gozar por ele ser de lá. Na brincadeira, naturalmente. É uma zona péssima, Almirante Reis, medo!

    Hoje, já cumpri o meu dever cívico, em itálico porque estou a ser irónico. Votei em consciência. Dei o contributo que considero importante neste momento. A Aliança Portugal está cá para baixo. Espero que os penalize (risos). Agora há um LIVRE, que não faço a menor ideia do que seja. Mais um partido da esquerda. A esquerda tanto se fragmentou no passado e continua. Só ajuda à direita, una, coesa.

       Veremos o que sai daqui. Mais do mesmo.

21 de maio de 2014

Testes.


   Ontem, tive uma avaliação escrita. Extensa e controvertida. Há professores que têm o dom de complicar. Não se espera facilidades, ainda assim, saberiam colocar a matéria leccionada de forma a que conseguimos tudo resolver em noventa minutos, sem pressões.

  Leio o teste com atenção, sublinho a caneta ou a marcador amarelo fluorescente as partes importantes. Começo, desde logo, a escrever tópicos e artigos ao lado de cada período ou parágrafo que considero relevante. Nisto, é natural que perca uns vinte minutos. Tento encontrar as questões e esquematizá-las, poupando o máximo de tempo possível. Nem sempre é evidente o que pedem. Rasuras na folha de ponto, medito, artigos que desaparecem dando lugar a outros, minutos que passam... Por norma, deixo o telemóvel na prateleira imediatamente por baixo da parte superior da bancada. Os testes têm lugar, regra geral, nos anfiteatros.

   Quarenta minutos antes do fim, dou início à tarefa de transpor os esboços para a folha. Escrevo sem parar. São exigentes com o português jurídico. Atribuem um, dois valores de ponderação global. Avisam o tempo que falta. Aumenta o nervosismo. A meio, percebe-se que algo está mal. O raciocínio revela alguma falta de lógica. Volta-se atrás para se detectar o problema. Quando os casos práticos não têm perguntas dirigidas, um erro destes pode ser fatal, comprometendo a resolução correcta. Os códigos e leis avulsas avolumam-se. Volta e meia, a confusão de papéis é mais que muita, dificultando o que se quer encontrar.


   Na hora de entregar, a balbúrdia. Atropelam-se. Alguns professores ameaçam não receber mais se a demora persistir. Incomoda-me aqueles colegas que ficam a comentar o que fizeram e deixaram de fazer. Foi o que aconteceu. Acabara, estava com uma dor de cabeça monumental, só queria pegar nas minhas coisas, arrumá-las na mala e desaparecer. Como temos de pedir licença para passar e uma rapariga não se despachava a assinar o cabeçalho, ouvi o que não queria. Pela unanimidade em torno, confirma-se o que temia. A nota será tudo menos razoável. Dificilmente conseguimos resultados altos nas provas escritas. É nas orais que provamos o que sabemos. Uma nota elevada neste elemento é meio caminho.

  Não sofro por antecipação. A verdade é que me correu mal. E sempre há a possibilidade de elas estarem redondamente equivocadas. Cá fora, uma veio me perguntar o que colocara aqui e ali. Ficou a falar para "o boneco", em sentido literal, porque continuei a andar e deixei-a para trás. Não suporto. O que ganham ao saber o que outros fizeram? Angústia?

   Gosto de estudar, mas odeio as avaliações, a carga emocional inerente. Lido mal com esse factor. Desta sexta a oito, tudo saberei. Medo.

18 de maio de 2014

O futuro.


   A direita regozija-se pelo final do programa de assistência do triunvirato, vulgo troika, que tanto atormentou os portugueses nos últimos anos. Só um irrealista acreditará que entraremos numa era de bonança. Efectivamente, os sacrifícios continuarão, mais ou menos ostensivos, incluídos num discurso oficial de cautela. Em boa verdade, Portugal viveu acima das suas possibilidades durante décadas. Os fundos comunitários com a adesão à então CEE promoveram o quadro ilusório de pertença ao clube dos ricos. A década de noventa do século passado evidenciou o desenvolvimento do país, mas também o despesismo. Portugal é dependente de quase tudo. Os poucos sectores estratégicos que tem, como a pesca, a agricultura e as não tão recentes energias renováveis, são pouco rentabilizados. Acrescenta-se ainda o turismo como fonte de receita. O país é bem visto pelos estrangeiros. Elogia-se a calma e pacatez do povo, a hospitalidade.

   Imputar responsabilidades pela situação actual do país a único partido ou quadrante político seria, mais do que injusto, ilegítimo. Tanto o Partido Social Democrata quanto o Partido Socialista têm fortes responsabilidades, procurando eximir-se em vão delas. O Centro Democrático Social, idem. Portugal não tem uma direita oficialmente conservadora. Assumidamente. Tem um partido nacionalista na extrema-direita, com pouca representatividade a nível nacional, felizmente, e partidos liberais semi-conservadores, onde se incluem o PSD e o CDS-PP. Tem ainda um PS que pende para a direita (ninguém se esquece do socialismo que Mário Soares botou na gaveta) e para a esquerda em algumas áreas estruturantes. Completa-se o quadro com uma miríade de partidos de extrema-esquerda.

   As próximas eleições para o Parlamento Europeu, as europeias, são importantíssimas. Longe vão os tempos em que as decisões se tomavam internamente. Posta que está uma parcela significativa da nossa soberania em Bruxelas, participar neste acto eleitoral assume um relevo próximo ao que verificamos na legislativas. Como é evidente, e já o expressei por aqui, defendo que cada um só deve votar querendo. Sou irascivelmente contra o voto obrigatório, até o voto por dever. O direito à indiferença é válido e um pressuposto do princípio da liberdade. Quanto a mim, lá estarei à boca das urnas para votar, de hoje a uma semana. O voto é secreto, não sou pago para fazer campanha política. Votem em consciência. 
   Tenho me manifestado favoravelmente em relação ao voto útil, em situações específicas. É uma estratégia como qualquer outra quando se pretende atingir determinado resultado prático. No meu caso, não é assim tão táctico quanto isso. Abarca a minha cor política.

   Por tempos, fui um acérrimo opositor da União Europeia, embora nunca tenha perdido a razão. Há quem defenda a saída de Portugal das instituições europeias. Um cenário utópico e, diria, tenebroso. A sobrevivência de Portugal seria uma ilusão. A saída do euro é já discutível. O euro fará todo o sentido em economias fortes e pujantes como a alemã. Em países com parco poder de compra e pouco competitivos, é um chapéu de três quilos. Aí, aproximo-me das forças políticas que defendem uma reestruturação do papel de Portugal no seio da UE. A solidariedade europeia, tão presente no espírito da organização, há muito se perdeu. A igualdade entre os Estados é letra morta. Soube que a Suiça se prepara para votar um limite de salário mínimo que ronda os três mil e quinhentos euros mensais - bom, parece que irão rejeitar, mas é um factor que evidencia o dinamismo da economia suíça. A Suiça não pertence à UE. De igual modo, poderia aludir à Noruega, que rejeitou por diversas vezes a adesão à União Europeia, ou o caso da Dinamarca, que se mantém fora da zona euro, seguida de perto pela vizinha Suécia, ainda que façam parte da organização.

   Entretanto, parece que há por aí uma final desportiva a disputar, e o Mundial de Futebol, evento decisivo para os índices de felicidade do povo. Vislumbro as bandeirinhas, os cachecóis em vermelho e verde, a euforia que nunca dá em nada. Haja ânimo.

15 de maio de 2014

O Ensaio da Existência.


   As duas semanas que se aproximam serão bastante complicadas. Terei quatro provas, duas por semana, o que à partida poderá parecer pouco, ou confortável, mas na verdade é terrível. Não estou aterrorizado como em anos anteriores. Vamos ganhando uma experiência que traz certa tranquilidade consigo. Ainda assim, há muito que estudar, nunca se sabendo tudo. Começar a procurar mais informação é uma aventura infrutífera, percebendo-se rapidamente de que não é possível assimilar o que se quer. Há limites, se tanto temporais. Procuro, então, absorver o que posso para manter a média - que é bastante boa, devo dizer, quando comparo à dificuldade da instituição e à exigência dos docentes.

   No início do ensino superior, disse que seria incapaz de "congelar" a minha vida por quatro anos. Não tive noção, à época, de que ela está "congelada" desde que nasci, de sempre, tendo custos, claro, a vida em si é uma sucessão de caminhos sinuosos que se têm de escolher em detrimento de outros. A idade, exceptuando-se o processo de envelhecimento, doloroso, faz-nos ver a realidade de outro modo. Não nascemos todos para o mesmo. Eu não vim ao mundo para ser um rapaz casual. Existo a ler, a aprofundar conhecimentos incessantemente. Em todo o caso, poderia sê-lo, com o devido preço que pagaria tarde ou cedo. Talvez nem fosse... feliz. Encarar com objectividade e clareza torna os dias mais suportáveis e dá um sentido lógico à vida. Cada um tem um papel. O sofrimento existe quando pensamos que o nosso é igual ao do primo, do amigo, do mero conhecido. Deverá ser distinto, igualmente válido, completando-se nos demais. Se Fleming andasse a passear sem cuidar das suas funções, provavelmente muito teríamos de esperar até que outro descobrisse a penicilina. Se Edison não tivesse passado horas, dias, semanas a fio no seu laboratório, a lâmpada surgiria ou não. Claro que alguns a aproveitaram (terão?), no conceito social do que é desfrutar de uma vida de prazer, oferecendo à humanidade obras-primas - recordo-me de Pessoa. Nem todos os génios são tão geniais assim, passo a redundância. 

   Não sou um génio - estou a anos-luz disso - e nem o quis insinuar ainda que com subtileza. Palavra que não o acho, quanta presunção seria!, mas pode ser que tenha um contributo qualquer a dar, por insignificante que seja, uma doutrina que falta descobrir, uma biografia histórica inexistente ou incipiente, incompleta, ou quem sabe em outros ramos de actividade. Sei apenas que faço sentido a exercitar o melhor músculo que tenho - o mais trabalhado e desenvolto. Na verdade, é o meu melhor trunfo, nunca me deixou mal. Chega para o gasto, como se diz vulgarmente.

    É por aí que tenho de ir, não perdendo tempo e energias em procurar respostas que já conheço. Apesar de não parecer, também me coloco questões sobre mim, o futuro e o que quero. Às vezes com angústia. Quando se é novo, não há paciência para aguardar. O que vier, terá de ser no imediato. Ora, o acumular dos anos, a maturidade, é indispensável na etapa dos "porquês" que se repete até ao ocaso. É reconfortante quando se dá o "clic".

   Isto para dizer que as provas estão aí - espero dispensar os exames de Junho. Depois, orais de melhoria... Venham elas!

12 de maio de 2014

De Paris com... amor (?)


   Um amigo voltou há dias de Paris. Não sei se amigo será o melhor substantivo para designar o que significa para mim. Será mais um conhecido. Não um qualquer; de outra forma não teria saído com ele. Conhecemo-nos através dos nossos pais. É filho de um amigo da mãe. Por curiosidade, é gay, mas, como diz a outra, "isso agora não interessa nada". Não escolho as amizades em função de orientações.

  Telefonou-me na quinta à noite, perguntando-me se estava disponível para tomarmos um café. Aceitei de imediato. As frequências estão aí e não se nega um bom momento. Assim foi. Sexta, à hora marcada, envia-me uma sms a dizer que está prestes a sair de casa. Eu, que me esquecera, estava a estudar quando ouço o "bip" das mensagens. Dou um jeito no cabelo, reforço o perfume e saio.

   Fomos a um barzinho muito simpático, daqueles típicos para amigos. Escolhemos uma bebida. Segui a sua sugestão e, pela primeiríssima vez, bebi um cocktail light, creio que com álcool, não posso assegurar. Isto porque não estava na lista das bebidas sem álcool. Por acaso, nem era mau. Tinha morango e tal. Bebeu-se, mas senti aquele travozinho. Bah, ridículo, tive de sujeitar o meu fígado a essas porcarias, abrindo o precedente. Bom, podia ter escolhido um batido ou outra bebida. Aceitei porque não quis introduzir o elemento do "sou abstémio" à conversa. Senti que seria weird e que cortaria o clima divertido e noctívago - só isso, que não sinto nada pelo rapaz.


    Foi engraçado. Estivemos à conversa. Falámos mais de estudos que de outro assunto. Para o final, lá puxou o tema relacionamentos, que prontamente refutei, e pouco mais. Teceu-me aqueles elogios ostensivos que não me deixam as faces rubras, de facto, mas que são constrangedores. Odeio que me façam sentir um ser de outra galáxia. Disse que era pelo meu discurso fluente. Por favor, tenha dó (risos).
   Pouco passava da meia-noite quando saímos. Ainda me desafiou para ir "ao Bairro beber uns shots", que recusei de imediato, mesmo tendo me dito que não teria de beber álcool. Pois, isso eu sei, só faço o que quero. Achei, humm - falta o adjectivo correcto - demasiado (na falta de melhor). Perguntou-me se conhecia. De noite, não, e nem quero. Ao longe. De dia, claro, há por lá um restaurante ao qual ia imenso com os pais.

   Levou-me a casa. Ainda ficámos a falar no carro. Senti-me à vontade. Sei que não abusaria. Aludiu a um possível mestrado em Paris. Estadia teria - a sua casa. Mais uma dose colossal de risos. Não tenho vontade nenhuma sequer de conhecer Paris e, decididamente, não ficaria hospedado na sua casa por melhores que fossem as intenções. Volta e meia lá vinha o engatezinho mal dissimulado e, por esse motivo, mais ridículo. Não sairemos esta semana, não, que deixei bem claro - até pelas frequências que estão prestes a começar, roubando-me toda a atenção.

    Despedimo-nos informalmente, sem intimidades. Não é fácil marcar a fronteira. Envolve alguma astúcia, que vou aprendendo, passo a passo. A tal da... experiência, dizem. Antes assim.

8 de maio de 2014

A Queda do Império Romano e as suas consequências.


   O Império Romano surgiu com o fim da República, no século I a. C. As conquistas territoriais alcançadas por Roma, mais do que planeadas à exaustão, resultaram de felizes acasos. Os romanos não tinham consciência do importante papel que desempenhavam até às guerras com Cartago, entre 264 e 146 a. C., quando Roma se torna a senhora do Mediterrâneo ocidental. O objectivo, posto isto, direccionou-se para o Mediterrâneo oriental. Um dos grandes trunfos de Roma residiu, primordialmente, na generosidade das suas leis que previam a extensão da cidadania romana aos outros povos do Império, conferindo-lhes assim um sentimento de lealdade e de pertença. Aos poucos, esta realidade foi se estendendo a todas as partes do território do grandioso império. Aliás, o Império Romano foi original ao se expandir primeiro e só depois se organizar politicamente. Concediam a sua cidadania consoante  o grau de aceitação e integração dos novos espaços no seio do império. A palavra "império" deriva da congénere latina imperium, que designava o poder supremo de comandar o exército e administrar a justiça. Durante a vigência da República, esse poder era confiado pelo Senado a um magistrado, por seis meses, de modo a que resolvesse graves crises políticas ou guerras internas, civis. Daí se explica que Júlio César tenha atingindo uma enorme importância, abrindo portas a que o seu sobrinho, Octávio César Augusto, se tornasse o primeiro imperador de facto.

   A ordenação do espaço imperial é feita através do modelo urbanístico. Com as necessidades que surgiam pelo facto de ser a capital de um império, Roma cresceu e tornou-se urgente adaptá-la às novas circunstâncias, reformando-se os templos, os fóruns, os locais de lazer. No apogeu, Roma chegou a ter um milhão de habitantes, o que, com a queda do Império, só aconteceria de novo no século XIX, com a Revolução Industrial e a importância de Londres. Problemas de abastecimento de água, de construção de vias, de esgotos, são prontamente resolvidos pelos romanos. Roma torna-se, com efeito, na primeira cidade cosmopolita global, exportando o seu modelo para as restantes cidades imperiais que se espelham no seu sucesso e procuram imitar.
  Para manter e unir o Império, a construção de vias calcetadas foi uma prioridade, trazendo mais-valias económicas, simplificando as trocas comerciais e permitindo uma melhor circulação do exército e dos delegados que transmitiam as ordens do imperador. Augusto, percebendo estas vantagens, aposta no crescimento da rede viária, procedendo ainda à ordenação do território, sujeitando as províncias de mais difícil obediência a si mesmo - as províncias imperais - que requeriam a permanência do exército. Uma dessas províncias era a Lusitânia. As pacificadas são entregues ao Senado, que progressivamente vai perdendo o seu ascendente no exército. Octávio fez questão de manter as instituições republicanas, dando-lhes, porém, um modo mais eficaz de governação - surge o Principado. Augusto obteve assim o que Júlio César sempre quis mas não conseguiu - autoridade suprema. Augusto torna-se o Princeps Senatus, podendo convocar o Senado e vetar as suas leis. Tem a tribunicia potestas, que torna a sua pessoa sagrada e inviolável, e a auctoritas, que lhe permite convocar Comícios, anular decisões do Senado e propor novas leis.

   Roma atingiu tal grau de sucesso e ventura graças à eficácia do disciplinado exército, sem dúvida (que propiciaria a queda, séculos depois...), mas também devido às oportunidades que cada povo subjugado percebeu que teria ao sujeitar-se a Roma. Os romanos foram pioneiros com o seu direito codificado, lógico, formal. Duas auras sagradas eram objecto de culto: a cidade-mãe e o próprio Imperador (o carácter sagrado do imperador vivo era algo estranho aos romanos; foi importado pelos políticos romanos das realidades persa e egípcia, sobretudo). A extensão da cidadania, gradualmente concedida, foi outro dos factores que explicam a aventura bem sucedida de Roma - a romanização. A cidadania plena permitia participar na vida política, quer através dos diversos cargos públicos, quer através das magistraturas, somando-se vantagens de cariz fiscal (adquirir e alienar bens), a capacidade de ser sujeito de direito privado e, assim, apresentar-se em juízo, evitando as penas mais degradantes como a crucificação, e ainda o acesso ao casamento. Já na nossa era, em 212 d. C., o imperador Caracala concede a cidadania a todos os homens livres do Império.

  Os romanos foram sensíveis a outras culturas. Não podemos falar de total originalidade. Dos etruscos, herdaram as suas ideias de urbanismo, o célebre arco de volta perfeita, o realismo das suas esculturas; dos gregos, os modelos literários, a filosofia, os deuses, os ideais estéticos, o racionalismo; do Oriente, onde entraram, o luxo, a monumentalidade e até mesmo o Cristianismo. A construção de estradas permitiu divulgar o modo de vida romano, o latim, o direito e os seus valores, que os soldados levavam por todos os perímetros do gigantesco espaço imperial. A assimilação do mundo grego, a principal fonte de inspiração dos romanos, é facilitada pelos escravos gregos que desempenhavam o papel de pedagogos das crianças das famílias com mais posses. Houve uma helenização das elites, que não tinham quaisquer problemas em entender o grego antigo.
   Eram pragmáticos, o que é visível nas suas pontes, aquedutos e vias terrestres. Criaram redes de esgotos e de abastecimento de água, canalizada nas domus (casas da elite), que dispunham de latrinas privadas. Gostavam de termas e de espectáculos, dos quais é testemunha o que ainda resta do Coliseu de Roma. Teatros, anfiteatros, circos e estádios eram comuns. Uma das suas preocupações incidia ainda na uniformização da rede escolar. Os vários imperadores foram exigindo que todos os municípios e cidades providenciassem escolas e professores. Daqui se afere a importância da literatura na sociedade romana.


  Como todos os impérios, Roma haveria de cair. O Cristianismo tem sido apontado como um dos factores determinantes na queda do maravilhoso Império Romano. A palavra de Cristo, na acção evangelizadora de S. Paulo, defendia que o Homem foi criado à imagem e semelhança de Deus Único, Pai, Criador de toda a alma vivente, o que era incompatível com a mística sagrada e adorada dos imperadores. Mais. A palavra de Jesus chegou a todos que se sentiam oprimidos. Eles existiam e eram importantes aos olhos do Pai. A esperança na vida eterna alimentou o desejo dos mais desfavorecidos e dos escravos a um tratamento igualitário e justo. As vias romanas, bem apetrechadas, ajudariam na difusão das palavras dos apóstolos. O Cristianismo difundiu-se de tal modo que, paulatinamente, chegou à elite e se apoderou do Império, a ponto de os imperadores se converterem. Era o princípio do fim. No ano 330, Constantino transferiu a capital do Império para Constantinopla. A parte ocidental do Império fica vulnerável e desprotegida. Após o Édito de Milão, que concedera liberdade religiosa aos cristãos, em 313, Teodósio I oficializa o Cristianismo como religião oficial, já no ano de 391. Quatro anos depois, não conseguindo administrar tão grande império, divide-o em dois pelos seus dois filhos: Honório com o Império Romano do Ocidente; Arcádio com o Império Romano do Oriente. Em 476, a parte ocidental cairia com a tomada de Roma pelos bárbaros Ostrogodos. Ainda assim, cada rei bárbaro que se apossava de pedaços do extinto Império Romano do Ocidente haveria de se converter ao Cristianismo. Resultava a Igreja como única representante e entidade sobrevivente da ordem romana deposta.

   Com o fim da Antiguidade Clássica, assistiríamos ao desmembramento das instituições romanas. A sociedade antiga desagregou-se, formando-se o sistema feudal sob a tutela da omnipresente Igreja Católica. Dá-se a ruralização. As cidades decrescem quase ao ponto de desaparecerem. A sociedade divide-se tripartidamente entre nobreza, clero e povo. O espaço uno, com boas vias de comunicação, estradas, comércio dinâmico, dá lugar a uma miríade de entidades políticas que se guerreiam entre si. Os hábitos de higiene e de culto do corpo são terminantemente proibidos pela moral cristã, favorecendo o aparecimento de graves epidemias que serão frequentes ao longo de toda a Idade Média, a verdadeira Idade das Trevas, tempo de gárgulas e animais assustadores que povoavam o imaginário colectivo, de superstições alimentadas pela Igreja. Um retrocesso histórico-cultural.

   Os historiadores não são unânimes quando se referem a este período da história mundial. Há quem defenda a Idade Média, encontrando-lhe benefícios. Houve avanços, seguramente, o Homem tende à evolução, mas o embate fortíssimo da queda de Roma verificar-se-ia por séculos. Parece-me que se perdeu imensuravelmente mais do que se ganhou. Imaginar o que teria sido caso Roma se mantivesse ad aeternum é um puro juízo hipotético. Suponho que estaríamos melhor. O hiato de mil anos ou mais atrasou o desenvolvimento da humanidade. Só na Idade Moderna, com o Renascimento, começaríamos a vislumbrar alguma luz, ténue. Muito ainda se teria de percorrer até chegarmos à Revolução Industrial que, efectivamente, iniciaria uma nova página, não esquecendo a Glorious Revolution (1688), a Revolução Francesa (1789) e a Independência dos Estados Unidos da América (1776) como ponto de partida para o que temos hoje.

   Facilmente se constata de que teríamos chegado ao Novo Mundo muito antes do século XV. A Europa estaria unida numa única realidade política, talvez com a mesma língua. As inovações tecnológicas teriam surgido mais cedo. Veneraríamos uma imensidão de deuses. A homossexualidade não teria sido punida. Não saberíamos o que foi a Inquisição, tampouco o que é a missa e os sacramentos cristãos. A moral religiosa não teria toldado o espírito dos homens. Não nos esqueçamos, contudo, de que os romanos escravizavam, inferiorizavam a mulher, faziam guerras. Mas isso está na essência humana (ainda bem que Rousseau que não me lê).

    Está em causa se ganhámos com o aparecimento de Cristo ou se, por sua vez, perdemos. Um misto de ambos, quem sabe. Pudéssemos fazer a História de "ses".

5 de maio de 2014

Dias e pensamentos.


   Aproximando-se o fim das aulas, que não é necessariamente o encerrar do ano lectivo, que termina a trinta e um de Julho, findas as orais e demais elementos de avaliação, aumentou o ritmo incessante. Algo até então inédito nestes quatro anos que já levo de ensino superior. Há um costume de ser marcar aulas suplementares, sim, é verdade, defraudando-se, de momento, o regulamento de avaliação de forma nunca antes vista - pelo menos que tenha percebido.

   O que se passa é que temos aulas-extras todas as segundas e quartas das treze às catorze, lembrando-se uma assistente de preencher as terças com também uma aula no mesmo horário. São mais três horas de aulas semanais por semana, o que, a meu ver, é manifestamente excessivo. No fundo, é do nosso interesse, se bem que não tenhamos culpa alguma de que não consigam dar os conteúdos programáticos no tempo devido. Vendo provas de anos anteriores, em que não saía toda a matéria prevista, e analisando estas aulas e o seu propósito, facilmente se constata a intenção: incluir tudo aquilo a que se propõem dar, ficando nós em desvantagem comparativamente a quem fez a disciplina em outros anos. Sim, que esta situação caricata é a uma única cadeira.

  As aulas em questão são pouco dinâmicas. Passo os cinquenta minutos a olhar para o relógio do telemóvel. Cinquenta, digo, sessenta, que no horário normal subtrai-nos (isto para usar um simpático eufemismo) dez minutos de intervalo em vinte. Nas suplementares, são sessenta sem mais conversa.

   Mal consigo sair naquela estação de metro, tal é a agonia que o lugar me provoca.
  De tarde, sentei-me num dos banquinhos do jardim das traseiras e dou com o professor Marcelo Rebelo de Sousa, sentado, a ler um jornal, de boné branco na cabeça. Sim, boné. É tão informal e querido. Adoro-o. Ao ver-me, perguntou-me como é que ia o curso. Disse-lhe que estava prestes a terminar, se tudo corresse bem.

"Muito bem, muito bem!" - com o seu conhecido timbre e jeito expressivos.

  Lá o deixei a ler as suas notícias e fui ouvir música, com os headphones, à sombra de uma árvore. Já penso no Verão e nos mergulhos a dar. Uma viagem de finalistas - minha - vinha em boa altura. Também mereço... 
  A temperatura que se regista já permite t-shirts e camisas de manga curta, estreando-me hoje com as mangas curtas. Preciso de calções de ganga. Cansei-me dos que tenho. Quero outras cores. 
   É provável que dê um giro pelas lojas neste fim de semana, assim os trabalhos me deixem...

3 de maio de 2014

VI Aniversário.


  A saga começou há exactamente seis anos, a três de Maio de dois mil e oito, frequentava eu o secundário e tinha horas mortas a mais. Creio que já o disse noutra efeméride de aniversário. Na altura, não imaginava o mundo em que estava a entrar. Escrevia para mim, mantinha-me alheio de terceiros, por ignorância das possibilidades que advinham de frequentar uma rede social diferente, mais intimista e pessoal, resguardada do fast food que existe na internet.

  Hoje, olhando para o passado, e não raramente o faço, excepto no blogue, vejo que cresci. Apurei a minha escrita, tornando-a mais adulta, menos espontânea. Afinal, amadurecemos, mudamos com os anos e com as experiências, desilusões, vivências que somamos.

  Mentiria se dissesse que este espaço me é indiferente. Cuido dele. Zelo para que não morra - perigo que não corre. Jamais me passou pela ideia abandoná-lo, até porque giro bem o tempo que lhe despendo. Tenho absoluta noção de que, considerando a minha faixa etária, é um blogue antigo ou perto disso. Talvez porque eu seja de fixar raízes, precisando de segurança, de estabilidade. Tudo o que envolve areias movediças me perturba. Se preciso for, passo horas a contemplar uma formiga que sobe um muro, o sol a pôr-se no horizonte, um cantoneiro que arranja o jardim. Sou monótono, sei lá. Aborrecido. E se nunca lutei contra qualquer característica pessoal, assumindo a todas, esta, confesso, já me levou a reflectir se devia ou não fazer um esforço para mudar. Cheguei à conclusão de que não. O sossego protege-me e permite-me que pense. Nunca quis ser y porque todos o são. Nada me esforço para ser eu próprio em todas as minhas actuações, em todas as áreas a que me dedico - rigorosamente todas.

  O blogue é o reflexo do que sou. Um pouco refinado. Serei mais efusivo ao vivo do que demonstro aqui. Conviver com os demais envolve, necessariamente, que sejamos condescendentes, solícitos, agradáveis. Por aí, vê-se que rio, brinco - embora só o faça quando me apetece e nunca para agradar. É consequência de conversas, momentos. No âmago, sou taciturno, com fases em que mergulho nos meus daydreams e é difícil sair. A genética fala mais alto.

  A conversa (confissão?) vai longa. Falei mais de mim que do blogue. Falar de mim é falar dele. São indissociáveis. Resta-me agradecer o vosso carinho, atenção e paciência em me acompanhar. Espero corresponder às expectativas (vá, também tenho direito a uma piada :D).

lots of love,

Mark

1 de maio de 2014

O Suicídio.


   A morte recente de uma figura pública, aos trinta e três anos, de suicídio, acendeu em mim uma discussão que venho alimentando desde há tempos. Filosófica e legalista. Debruçar-me sobre esta questão é o culminar de um processo que adio pelo carácter sombrio do tema. Negamos a morte. Quando provocada voluntariamente com o objectivo de fazer cessar a própria vida, o tabu impede-nos de meditar com a clareza e profundidade necessárias.

   O suicídio é um ilícito no direito português. A vida humana é inviolável e indisponível. Isso resulta do artigo 24º, número 1, da nossa Constituição. O titular não pode alienar a sua vida, dispor dela, seja directamente ou através de intermediários. No direito civil, nomeadamente, qualquer pessoa que pratique um acto com terceiro com vista a que este lhe suprima a vida, a figura do consentimento do lesado (art. 340º, número 2, do Código Civil), exerce uma prerrogativa nula. Atenta contra uma proibição legal, mesmo que a pedido, e, seguramente, os bons costumes. Para o direito penal, o consentimento do ofendido, uma das causas de exclusão da ilicitude, disposto no artigo 38º, número 1 do Código Penal, cessa quando o facto incidir sobre interesses juridicamente indisponíveis, a contrario, e, em semelhança ao direito civil, ofender os ditos bons costumes. O artigo 134º do Código Penal prevê a figura do homicídio a pedido da vítima e o artigo 135º do mesmo diploma pune de forma clara o incitamento ao suicídio. A intervenção de terceiros queda absolutamente proibida entre nós.

   Na hipótese de alguém, sem ajuda de outro interveniente, pôr termo à sua vida, o direito nada pode fazer. A personalidade jurídica extingue-se com a morte. Não seria humanamente possível responsabilizar um morto. Ainda que o fosse, não ajudaria à reabilitação emocional do suicida. A conduta é sempre ilícita. O bem suprimido não estava na disposição do seu titular. E isto é visível nos casos de tentativa frustrada. Não há responsabilidade penal quanto ao suicida tentado. Não se pune a auto-lesão. Haverá se, com a tentativa, ocorrer alguma lesão a terceiros, como o homicídio, e prejuízos. Por maioria de razão, não faria sentido incriminar a auto-lesão com fundamentos de prevenção geral ou especial. Punir a tentativa de suicídio não teria um efeito preventivo ou dissuasor no sentido do cumprimento da norma pela sociedade. Quem pretende terminar com a sua vida, não se motiva por nada mais. Não há perigosidade do agente que, desde o início, orientou a sua energia para a supressão da sua vida. Já não será assim se, com o suicídio, tiver como meta a atingir a morte de outras pessoas. Poder-se-ia falar da finalidade útil da pena como prevenção de reincidência, contudo, não me parece que condenar um suicida a pena de prisão seja a melhor maneira de cuidar dele e evitar futuras tentativas.

   Assim o é no direito civil. Mantém-se a ilicitude do acto, mas nada há a fazer. Não é possível sancionar um falecido e nem seria proveitoso. Todavia, importa ressalvar que, nas tentativas, todos os danos colaterais, despesas médicas e demais são imputados à pessoa em causa que tentou o suicídio. As indemnizações poderão ser especialmente reduzidas atendendo à perturbação, no momento do facto, que minimizará a culpa. Se, com o suicídio, o agente provocar vítimas inocentes, há ilícito civil que dá lugar a responsabilidade por danos patrimoniais e extrapatrimoniais.

   Seguindo a lógica, o titular do bem jurídico vida, cada um de nós, não pode expo-lo a riscos desnecessários que não decorrentes do quotidiano. Conduzir é um risco, como sabemos, mas faz parte do regular funcionamento da sociedade. Já não será assim se, por irresponsabilidade censurável, pusermos em risco a nossa integridade física ou vida, colocando-nos em situações de potencial perigo, como seja sentar no parapeito de uma varanda. Também o duelo é ilícito. Resumindo, cabe-nos proteger a nossa vida, reduzindo ao máximo o risco de a perder.


   Esta é a perspectiva do direito, que é elaborado por homens e mulheres, que é fruto do labor de séculos, de doutrinas e correntes de pensamento. É compreensível que o direito tutele a vida humana, considerando-a o mais valioso dos bens jurídicos, punindo quem atente contra a de terceiros, seja na forma tentada ou consumada. Mas será lícito ao direito impor a qualquer um de nós que suporte a vida sem o querer? Para o direito, o suicídio é um ilícito, não é um crime. Não há disposição legal que puna o suicídio, pelos motivos que acima enunciei. Ainda assim, é ilegal. O que fica é o seguinte: ao suicida, além da dor (ninguém tira a vida, deliberadamente, por capricho ou leviandade), do sofrimento, persegue post mortem, àquele que se suicidou, o peso do ilícito civil e criminal, o estigma do suicídio, aumentado exponencialmente pelo direito. Tempos houve em que se confiscava os bens do suicida e ainda se previa consequências para os seus familiares!

   A solução escolhida pelo ordenamento jurídico é a possível. Num Estado que se funda na dignidade da pessoa humana, permitir que o titular do bem jurídico vida pudesse dela dispor à sua vontade, não considerando o suicídio um ilícito, seria retirar-lhe valor. A vida menos valeria se o seu titular tivesse o assentimento do direito, ou o silêncio, quando contra ela age. Nada impede, porém, que cada um se suicide. É um impasse. Não sei até que ponto poderíamos admitir uma valoração neutra ou, quem sabe, liberdade de suicídio. 

  O que temos, actualmente, parece-me o suficiente. A última palavra, a vinculativa, para todos os efeitos, pertence a cada um.