28 de setembro de 2015

Semana Eleitoral.


   Aproxima-se a data das eleições legislativas. Para muitos tratando-se de mais um acto eleitoral. Deve salientar-se, porém, o carácter prioritário de que estas eleições se revestem. Não é, por assim dizer, uma ida às urnas, ou ao futebol, fazendo subir os índices da abstenção. Votar marca a diferença. Se cada um dos eleitores recenseados votasse conscientemente, atingiríamos um ápice de legitimidade no Parlamento nunca antes visto (exceptuando nas eleições para a Constituinte, em 1975). Não farei, como muitos se propõem, a apologia do voto, ainda menos do útil ou do menos útil. Eu irei votar, sobretudo porque exerço um direito, que a meu ver é também um dever, adquirindo outro em contrapartida: criticar o que me parece errado na condução dos destinos do país. Quem se divorcia da política enquanto cidadão, abdica voluntariamente do direito à revolta, à indignação.

   Claro está, respeito os abstencionistas e, de certa forma, compreendo os argumentos que invocam. Demagogias à parte, o sistema partidário desilude e está viciado. Representar a Nação, o ideal, é uma plataforma para outros vôos: uma carreira, prestígio, dinheiro... A miríade de partidos pequenos, segundo as sondagens que nos dão conta das intenções de voto, não atinge, somada, dois por cento. Alguns assumem-se como verdadeiras alternativas, pretendendo dignificar a carreira política, empunhando a bandeira de credibilidade, da seriedade, da honestidade. Tenho dificuldade em acreditar nos propósitos de determinados partidos que surgem como cogumelos por aí. Não tendo intenções de ganhar, seria irrealista pensá-lo, creio que almejam um lugar como digna minoria ruidosa. Eu vejo o Parlamento como um local onde se discute o país, a governabilidade. Não como um espaço de diversão, qual circo. Assim sendo, as cores que se fazem representar, no meu entendimento (como em tudo, "cada cabeça, sua sentença"), são as suficientes. O BE, que apoiei com pouca expressão no início da adolescência, principalmente devido a certas causas que defendiam e com as quais me identificava, não me parece credível; a coligação CDU, sim, com um núcleo histórico composto pelo PCP, que me merece o maior respeito, o PEV, partido simpático, e a ID, quase desconhecida. Pouco tenho a dizer quanto ao PS e à coligação. Não escondo a minha preferência relativa pelo primeiro e a minha repugnância pela segunda, mas não sou político ou filiado, portanto escuso-me a considerações dessa ordem.

     Preocupa-me, sim, embora respeite a soberania popular e qualquer resultado que saia do escrutínio do próximo dia 4 de Outubro, que milhões se queixem de políticas que consideram ofensivas dos seus direitos e depois, ao que parece, dêem a preferência à continuidade dos mesmos projectos para o país, à prossecução de uma linha ideológica, que é ideológica (a justificação Troika não me convence, nunca convenceu), que destruiu o tecido social de Portugal. Estes inquéritos a parcelas da população valem o que valem. Alguma base sustentável terão e, antecipando as percentagens, não dissimulo a estupefacção. Parece nitidamente incompreensível. O bom sendo diz-nos para mudar quando algo corre mal, a menos que se acredite, e aí o caso muda de figura, numa recuperação económica tão apregoada e que surge agora, séculos depois de a esperarmos (que o atraso estrutural de Portugal não vem de ontem, nem do mês passado, nem, imagine-se, do tempo de Oliveira Salazar).

      Posto isto, seria importante que as pessoas tomassem consciência do quão relevantes serão as próximas eleições, conquanto se pense que nada muda. Nada mudará, decerto, se não prescindirmos de uma tarde reconfortante no sofá, com todo o respeito por quem indiferença sente quanto a estes assuntos.

24 de setembro de 2015

Outono.


    O ano caminha rapidamente para o seu último trimestre. Os últimos vestígios de um Verão que não encantou, pouco agradou, dão lugar à apatia no regresso ao trabalho, às aulas. À rotina, claramente. Em criança, e já crescidinho, nos tempos de estudante, o regresso era um problema, um caso sério. Após meses de ócio, caríssima inércia, a tarefa fatigante e dispendiosa de comprar o material, entre amuos e repreendas, muita vontade de contornar as obrigações decorrentes de se ser pequeno. Nessas idades, pouca margem há para escapar aos comandos maternos.

      A vida era bem mais fácil. Sempre o é quando temos quem nos encaminhe. Acima de cuidar, mimar, o propósito de passarmos tantos anos sob a protecção dos pais é o de adquirirmos as ferramentas que nos possibilitarão a capacidade de zelarmos pelo nosso bem-estar. Somos animais, e no mais das vezes o esquecemos. Os anos no leito materno são proporcionais às necessidades que temos, somente. O desígnio é sair, ser autónomo.

       Na senda de Orson Welles, de Voltaire, séculos antes, nascemos e morremos sós. Ainda que vivamos em sociedade, somos o nosso único garante, e no individualismo que tem pautado, sobretudo, a última metade do século XX para cá, podemos esperar dos que nos rodeiam tão-só palavras de circunstância, demonstrações de afecto mais ou menos preocupadas, que ninguém se interessa ou prescinde da sua comodidade, das suas certezas, para atender a quem se encontra debilitado física ou psicologicamente. Salvo raras excepções de abnegação.

      Estarei, estaremos, na lógica desse egoísmo crónico, doentio, até sermos confrontados com aquela solidão angustiante, os silêncios que magoam o ouvido, que o único ruído provém do tiquetaquear do relógio. Os sorrisos dos miúdos que brincam às escondidas no jardim de infância, debaixo da nossa janela entreaberta, de cortinas semicerradas, com os feixes de luz solar a incidirem sobre a cómoda gasta, adornada de velhos retratos.

        O arresto da esperança, que há muito se rendeu, não é a última a morrer. Os que morrem por último somos nós, prostrados diante da pequenez que nos caracteriza. 
           Não será o Outono um ocaso do Verão?

19 de setembro de 2015

Do Direito Penal.


      Na sociedade portuguesa, regra geral, defende-se, legislatura em legislatura, um maior peso do direito penal. Mais intervencionismo, maior regulação. Na imprensa demagógica e populista, depois de determinado facto consumado, exige-se que o poder legislativo crie uma norma incriminadora que regule tal comportamento. As reformas, como sabemos (as boas, se tanto), não são feitas a quente. Os penalistas sabem-no e sabem, ademais, que o direito penal é um ramo subsidiário (ou deve ser, idealmente...) dos outros ramos do Direito. É um direito de ultima ratio, chamado apenas quando determinada situação não pode ser mitigada pelo direito civil ou pelo direito administrativo, por exemplo. Nesse sentido, o direito penal deve intervir o mínimo na vida dos cidadãos. Temos aqui a expressão do Princípio da Intervenção Mínima. E só deve regular certos aspectos. Princípio da Fragmentariedade.

    Há, e é saudável que haja, os chamados espaços livres de direito. Um famoso exemplo doutrinário é corrente entre os penalistas. Dois náufragos estão agarrados a uma tábua, que todavia só suporta o peso de um. De outro modo, morrerão os dois. Um atira o outro à água, que sucumbe. Matou? Deve ser punido? Samuel Pufendorf pronunciou-se sobre isto. E Kant também, que concluiu que «A necessidade não tem lei.». Contudo, nenhuma necessidade pode justificar o injusto. Houve, igualmente, autores que defenderam que certos casos dramáticos e desesperantes podem escapar à regulação jurídica. Uma situação destas, à luz do actual Código Penal português, poderia encontrar previsão no artigo 35.º, número 1. Um estado de necessidade desculpante.

     Por outro lado, um caso real, o Caso Mignonette, ocorrido em 1884, demonstra que no ordenamento inglês houve um entendimento diferente num caso com contornos distintos, mas cuja lógica será a mesma. Um navio naufragou e, sem alimentação e passados dias a beberem da própria urina, os sobreviventes sortearam qual seria sacrificado para que os restantes se pudessem alimentar. Um caso de antropofagia, portanto. Assim fizeram. O que lhes aconteceu quando vieram a ser resgatados? Foram condenados à morte por homicídio. Posteriormente foram indultados em pena de prisão. A que conclusão chegou o tribunal inglês? A vida do sacrificado não vale menos do que a de nenhum dos tripulantes.

       Cesare Beccaria, ilustre penalista italiano, escreveu um livrinho que a todos recomendo, "Dos Delitos e das Penas" [há uma tradução muito boa (premiada, inclusive) da Gulbenkian, pelo Professor José de Faria e Costa], onde defendia uma ideia do direito penal fundada no Contrato Social, já remontando a Locke. O direito penal seria, assim, um depósito de liberdade dos cidadãos no Estado, ideia propagada no Iluminismo. Nós, cidadãos, prescindimos de um pouco da nossa liberdade ao Estado para que este nos proteja, proteja os nossos direitos fundamentais. O direito penal é, por conseguinte, um direito das pessoas; não um direito do Estado.

        É bom sabermos que o mundo do Direito é um mundo limitado e não deve regular tudo. Mais limitado ainda é o mundo do direito penal. É preciso dizer que o direito penal é o único ramo do Direito que castiga pessoas adultas. É um direito com características muito particulares. Intrusivo. Interfere na liberdade dos cidadãos. Costuma-se dizer, entre os penalistas, "que não há penalista que não deva ser pessoa de má consciência". Porque o direito penal é uma casa má. Não é bom, e devemos usá-lo com muita parcimónia.

14 de setembro de 2015

A Tese.


   Meados de Setembro. Regressei à faculdade. Um silêncio perturbador. É tão estranho percorrer aqueles corredores sem ouvir o menor ruído. Acostumamo-nos ao reboliço, à algazarra, aos alunos de código na mão, correndo, sorrindo, chorando...; outros, imprimem casos práticos, tiram fotocópias, compram, sabe-se lá, livros disto e daquilo (a propósito, a minha biblioteca jurídica está bem apreciável; se alguém precisar de um livrinho, desde que eu o tenha, já sabe).

   A minha especialização é em Direito Penal. Foi, como disse há tempos, o ramo da extensa família do Direito que melhor despertou o meu instinto jurídico. Até então, ao terceiro ano, apenas Direito Constitucional tinha conseguido efeito semelhante, não o suficiente para dar a escolha que fiz no final do Secundário como a mais acertada. Tinha, se tanto, o pendor de tornar aquelas horas minimamente suportáveis. Ao dar-me conta dos meandros que Penal tem, fiquei (não direi apaixonado) mais interessado, participando, intervindo nas aulas. Parece que o demais vem por acréscimo e, a páginas tantas, já tudo tinha outra cor. Entre indecisões e conflitos, resolvi seguir no mestrado, e a tese que viria, evidentemente, seria na área em que me licenciei.

    Os livros que leio, de Direito, são de Penal. Como é de calcular, tenho dezenas de livros de outros ramos, dadas as disciplinas que tive. Alguns de direito público continuam a despertar o meu interesse, como de Constitucional, Administrativo. Assim pudesse eu escrever sobre Penal, aqui, e fá-lo-ia. Não se proporciona, a menos que haja um crime qualquer por aí e sinta apelo tal nesse sentido. Faço-o, sim, pensando na tese que terei de elaborar, tarde ou cedo, e o tempo não se demora na passagem. Pretendo conversar com a orientadora. A preguiça tem sido uma das mais acérrimas inimigas. Os temas que gosto estão dissecados à exaustão; os temas que sobram, ou são extenuantes demais, ou não suscitam tanto interesse da parte de quem avalia. Não esquecer, claro, a defesa da tese (falar em público não é, como quem me conhece sabe, o meu ponto forte; baralho-me todo, para não falar de uma troca de sílabas e de palavras, no discurso oral, que tenho percebido - será dislexia? - e de um pouquinho de disfemia (gaguez) ao pronunciar certas palavras, sobretudo quando começo a falar ou quando retomo após ter estado algum tempo calado). É provável que seja uma reacção fisiológica qualquer por estar nervoso.

    O meu raciocínio escrito é mais profuso. De sempre prefiro escrever a falar, inversamente à maioria. Passei anos brincando sozinho. Conversava sozinho. Creio que a falta de interacção com os meus pares, exceptuando-se no colégio, ajudou ao incremento desta barreira. Ou não terá nada a ver. Teria de consultar um especialista. Não me apoquenta.

     Estou crente de que ano algum quis uma dinâmica como agora. Sou dado ao tédio, facilmente me aborreço. Nunca tanto quanto neste momento em particular da minha vida.
      Um dia de cada vez.

10 de setembro de 2015

Deturpações políticas.


   A vida partidária portuguesa, à semelhança do que sucede um pouco por todos os países assentes em democracias multipartidárias, encontra-se bipolarizada em torno dos dois maiores partidos políticos, o PPD/PSD e o PS. Essa bipolarização é comum noutros quadrantes, inclusive culturais: a dicotomia bem / mal, pobreza / riqueza, em assomos de a tudo remeter para um extremo, ignorando que há meios termos. No caso dos partidos políticos, entendemos esta característica como uma necessidade de assegurar a governabilidade de uma Nação. Seria pouco plausível, carecendo qualquer Estado de uma liderança forte, à esquerda ou à direita, dividir o poder por uma miríade de entidades. Em democracias ideais, sim; não nas democracias imperfeitas que temos, às quais já Churchill aludia há mais de sessenta anos.

    O debate entre Pedros Passos Coelho, actual Chefe de Governo cessante, e o líder do maior partido da oposição, António Costa, demonstrou, uma vez mais, a tendência que existe, perversa, até na Comunicação Social, de assumir que um dos dois será o próximo Primeiro-Ministro. Dir-me-ão, sim, à partida, esperando-se que qualquer dos dois partidos obtenha o número de votos suficiente que lhe permita governar, maioritariamente ou através de acordos parlamentares, coligações. Não é aceitável, contudo, que se dê como garantido qualquer resultado antes do escrutínio eleitoral, sabendo-se que o povo é quem dita a última palavra e que há outros partidos que se apresentarão ao eleitorado no próximo dia 4 de Outubro. Trata-se de um empobrecimento intolerável de um acto eleitoral e de uma deturpação do sistema democrático. Por outro lado, não há nenhum mecanismo, sequer constitucional, que obrigue o Presidente da República a nomear Pedro Passos Coelho ou António Costa apenas por serem os líderes da coligação e do partido, respectivamente, melhor posicionados que se propõem às eleições, aceitando-se que um dos dois sairá vitorioso. Teremos uma eleição legislativa da qual resultará a composição da Assembleia da República. O partido mais votado será convidado a formar um Governo. O normal será o Presidente da República nomear como Primeiro-Ministro o líder do partido mais votado. Porém, num cenário de instabilidade política, suponhamos, em que seja necessário um acordo com outro partido, por razão de o partido político mais votado não ter obtido uma maioria suficiente para governar por si só, e em que a figura proposta ante o Presidente da República não consiga reunir esse consenso, poderá o Chefe de Estado nomear outra pessoa. Ao que o Presidente da República está obrigado, por dispositivo constitucional, o artigo 187.º, número 1, é a nomear o Primeiro-Ministro ouvindo os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais. Mas para assegurar a governabilidade do país, e respeitando sempre os resultados eleitorais, pode resultar uma outra figura como Chefe de Governo, inclusive de partidos menos votados. Há, isso sim, o costume constitucional de nomear o líder do partido mais votado. É o ideal que venha a acontecer, respeitando-se a vontade soberana do povo. Não sendo possível qualquer entendimento, do espectro que resultou do acto eleitoral, o Presidente pode ver-se obrigado a chegar a outra solução.

       As eleições legislativas têm conhecido outro efeito indesejado: transformaram-se em eleições de Primeiros-Ministros, havendo que lhes chame até, como o insigne Professor Paulo Otero, em "Presidencialismo de Primeiro-Ministro". O Chefe de Governo revestiu-se de uma relevância desmesurada e tal, talvez pela prática que se herdou do Presidente do Conselho de Ministros do Estado Novo, que quem será o próximo Primeiro-Ministro ultrapassa, em importância e teoria, que partidos estarão representados no Parlamento e até, pouco falta, que partido será o mais votado. O cidadão não vota no partido; vota no seu líder, esperando-o como Primeiro-Ministro. Os políticos já vão obedecendo a essa lógica, autodenominando-se "candidatos a Primeiro-Ministro". Nos debates, regra geral, fala-se pouco em partidos, em assembleia, e muito em pessoas - na pessoa, neste caso do Primeiro-Ministro.

   Vícios a que uma democracia de quarenta anos não está imune. Difíceis de ultrapassar, quando não impossíveis, pela implantação que vão tendo junto do eleitorado.

7 de setembro de 2015

A missão de informar.


   O jornalismo cumpre um papel social de relevo, exigindo-se a ponderação de valores, de interesses, de bens que, eventualmente, possam estar em causa. Nesse sentido, por várias vezes os tribunais são chamados a decidir qual leva primazia: a liberdade de informação ou o direito ao bom nome, à reputação. E em Portugal, maioritariamente, os magistrados decidem-se pelo último, ao contrário do que se passa noutros países. Disso mesmo nos dá conta a longa jurisprudência que temos nesta matéria.

    Tempos houve em que o jornalismo, encapotado, trazia as notícias do que se passava lá fora. Jornais eram lidos às escondidas, quantas edições à margem da lei. Através de tais publicações, sabia-se o que se passava quanto aos horrores do regime na África colonial. A preocupação era apenas uma: levar a informação, passar a palavra, a palavra verdadeira e não aquela que o censor consentia.
    Em sociedades plurais, o jornalismo não perde, por isso, a sua valia. O poder, regra geral, tende a mascarar a realidade, truncando os factos. Compete aos jornalistas, respondendo perante a sua consciência e cumprindo com os preceitos do seu código deontológico, fazer chegar às massas, ao povo, o seu último destinatário, a verdade sem rodeios, sem farsas.

      Um dia, ouvi uma jornalista da TVI - e mais à frente entender-se-á o itálico - referindo-se ao jornalismo como «necessariamente contrapoder». Não tendo formação na área, eu diria que lhe faltaram os conhecimentos básicos que evitariam tal afirmação incorrecta. A meu ver, que também não a tenho, não vejo o jornalismo como contrapoder. O jornalismo não deve ser contra ou a favor do poder. O jornalismo deve ser imparcial. Alertar no sentido do que está mal e deve ser corrigido, dar a conhecer as injustiças que se cometam, informar sobre a vida pública, política, e dizer o bem quando nada de mal há a ser dito. A jornalista supracitada é Manuela Moura Guedes, jurista.

       Entretanto, com a evolução natural que atingiu, outrossim, a classe jornalística, surgiram publicações especializadas. Cada uma dedica-se à sua vertente, e isso é de salutar. Aquelas há cujo foco de interesse recai na vida social, outras preferem o desporto, a economia, o automobilismo, enfim, um sem-número de áreas abrangidas. Todas, todavia, devem pautar a sua conduta pela seriedade, pela manifesta vontade de informar, respeitando os limites impostos, primeiramente, pela consciência de cada um, de cada jornalista; de seguida, pela boa fé, não esquecendo a lei, última barreira verdadeiramente intransponível. E chego onde comecei: aos limites.

      Determinado jornalismo estendeu esses limites, originando uma imprensa sensacionalista que se dedica a tarefas menores, a invadir esferas pessoais que suscitam apenas a curiosidade mórbida e doentia das pessoas. Chegámos ao campo da informação não-útil. Da pura coscuvilhice ardilosa. Com tal teor, vários jornais granjearam popularidade, alguns dos quais chegando ao pequeno ecrã, inaugurando canais, mantendo o mesmo registo invasivo.

      Os últimos dias têm-nos revelado situações em que facilmente atestamos a autenticidade do que foi dito. Jornalistas - que presumo que o sejam - marcando o domicílio de cidadãos, inquirindo terceiros, ocupando-se de detalhes que em nada contribuem para o esclarecimento comum. Não é difícil, aqui, ver a fronteira entre o admissível, o socialmente relevante e tolerável, e a devassa da vida privada. Não interessa ao cidadão médio saber, por exemplo, se eu prefiro cogumelos ou azeitonas na pizza que encomendo. Uma sociedade big brother, em que uns são carrascos e outros espectadores da vida alheia, faz esgotar o conteúdo útil do direito à reserva da vida privada, existindo este ou não ao sabor do interesse que depositam. Isto não pode acontecer, nem estando perante figuras que pela sua notoriedade se tornam mais atractivas.

3 de setembro de 2015

Uma tarde.


    Quarta. Uma manhã agradável. Sabendo da visita do Miguel, a Margarida fez-me o convite prévio: almoçar com ela, a Lídia e o Miguel algures por Lisboa. A escolha recaiu sobre um restaurante simpático, pequeno, perto da Marquês de Fronteira (Rua).

    Diria, ao estar na companhia de pessoas cujo percurso profissional supera, inclusive, os anos de vida que tenho, que era manifestamente a incorporação da inexperiência. Pressa, não a tenho. A vida encarregar-se-á de me ensinar o que ainda me falta aprender. Ninguém nasce sabendo que atribulações terá de fintar, com que problemas se deparará. De certa forma, tomando conhecimento de algumas peripécias suas, senti-me ligeiramente privilegiado. Somos de gerações diferentes. Tive outras oportunidades; ainda assim, ninguém sai daqui - deste mundo - sem a sua dose de sofrimento. Tarde ou cedo, ele chega. Quem sabe e não o terei em doses moderadas, como o veneno, insidioso, que mata lentamente.

     Depois do almoço, um prato simples mas saboroso, bebemos café e pusemos a conversa em dia. Falou-se dos empregos, dos estudos, de dissabores vários. Maleitas... Um encontro em estilo de catarse.
     Conta paga, seguimos em direcção ao jardim que se encontra mais próximo. Subimos o trilho de pedras, a escada, e sentámo-nos à beira da fonte artificial. Umas águas, um bolo de sobremesa, mais conversa, algumas constatações, umas fotos, risadas, muitas.

    Mal dei pelo tempo passar. Senti o Miguel a erguer-se. Aproximava-se a hora do comboio. Acompanhámo-lo até Santa Apolónia. Despedidas feitas, foi a vez de deixar a Margarida e a Lídia às suas vidas. E eu fui à minha.


      Não foi um encontro de bloggers. A senhora que conheci nem utiliza estas plataformas. Foi um encontro de pessoas que se conheceram, um dia, e que gostam de, pontualmente, reencontrar-se, conversar, trocar uns livros. E gostei. Sem algazarra, com respeito pela intimidade, pela reserva da vida pessoal de cada um e com discrição. Elementos que considero imprescindíveis para conseguir conviver com quem me rodeia. Para conseguir dar-me a conhecer, no limite.