Meses após ter dedicado dois artigos ao processo de destituição, ou de impeachment, da ainda Presidente da República Federativa do Brasil, dar-se-á, hoje, o último passo que poderá levar, no limite, ao afastamento de Dilma Rousseff ou à sua reabilitação, reassumindo esta a Presidência da República confirmando-se a última hipótese. O processo, que foi previamente desencadeado pela Câmara dos Deputados, será decidido pela câmara alta do ordenamento constitucional brasileiro, o Senado Federal, onde oitenta e um senadores votarão em consciência.
A minha experiência com este assunto não tem sido a melhor. Felizmente, tenho um leque apreciável de amigos brasileiros: alguns apoiantes de Dilma, para os quais tudo configura um golpe perpetrado pelos inimigos de Lula e da Presidente e por uma classe social que vê no governo do PT a perda dos seus privilégios, e outros que vêem na Presidente uma mulher corrupta, culpada do crime de responsabilidade, que abordei previamente, tendo incumprido com a lei orçamentária e tendo praticado as designadas pedaladas fiscais, que tanto burburinho têm gerado, e que consistem, sucinta e brevemente, numa operação em que se prorroga o prazo das verbas devidas às instituições de crédito, vulgo bancos, públicos, por forma a apresentar um quadro positivo nos indicadores económicos.
Procurei manter a devida equidistância por não ser brasileiro e por não querer transmitir a ideia de que pretendo imiscuir-me nos assuntos internos do Brasil ou afrontar a sensibilidade dos meus amigos de além-mar. A verdade é que, no meio de uma calorosa discussão, perdi um, que demonstrou ser deveras intransigente, e tenho a sorte de contar com o bom senso dos demais.
Convém deixar assente que não ganho e nem perco nada se Dilma for destituída ou reabilitada. Enquanto estrangeiro, mas sendo lusófono e mantendo laços afectivos, alguns familiares, com o Brasil, não consigo ficar indiferente a toda a crise política que tem afectado a credibilidade do país irmão. O clima de falta de transparência e teatralidade, com episódios que, ainda que considerando o facto de a política latino-americana ser mais intensa e acesa, me reportaram a uma comédia circense, não conferem qualquer margem para que se confie na pertinência deste processo. E não me alongarei. Os trâmites estão a ser cumpridos e, aparentemente, tudo está a processar-se na normalidade constitucional e legal. A última palavra caberá aos senadores.
Seja qual for o desenlace, importa referir que o Brasil, em menos de trinta anos, passou por dois processos de impeachment: com Collor de Mello, no início dos anos noventa do século passado, e agora com Dilma Rouseff. Antevejo a necessidade de uma reflexão profunda no país, pelos brasileiros, e de uma reforma estrutural que recupere a confiança do povo nos seus dirigentes políticos, porquanto a corrupção e o clima de impunidade são comuns e transversais aos variados quadrantes partidários.
* Às 18, hora de Lisboa, soubemos que o Senado aprovou a destituição de Dilma Rousseff.
* Às 18, hora de Lisboa, soubemos que o Senado aprovou a destituição de Dilma Rousseff.