As eleições presidenciais no Brasil, disputadíssimas, numa segunda volta que deu a vitória a Dilma Rousseff, embora sofrida, reportaram-me às eleições presidenciais portuguesas que se realizarão a menos de dois anos a contar desta data. Por terras de Vera Cruz, Dilma ganhou por uma margem mínima. O descontentamento dos brasileiros face ao abrandar da economia e ao despesismo público que o Partido dos Trabalhadores (PT) promoveu, levou a que muitos abandonassem o tradicional apoio às políticas trabalhistas, ou petistas, como dizem, procurando em Marina Silva, primeiro, e em Aécio Neves, depois, uma fuga a esta realidade desconfortante, uma paz de gritos.
Aécio não convenceu pelas suas características pessoais, pelo seu percurso enquanto político, governador do Estado de Minas Gerais, e por estar conotado com o PSDB e a designada fórmula FMI, que nós, portugueses, tão bem conhecemos de três períodos distintos da nossa história mais recente.
Dilma recebeu um cartão amarelo, transfigurado de verde à última hora e por escassos votos (três ou quatro milhões, pouco, inseridos num universo eleitoral de mais de cem milhões de almas). No seu discurso pós-vitória, Dilma apelou ao diálogo, um diálogo necessário, vestindo-se o Congresso brasileiro de várias cores políticas. Aécio sabe do seu potencial político. Conquistou mais de cinquenta milhões de eleitores.
Estas eleições presidenciais no Brasil, as mais renhidas de que há memória, revelaram a outra face da política, negra, suja, caluniosa. Usaram-se todos os trunfos, incluindo os mais e menos imorais. Nada que nunca tenha sucedido do lado de cá do Atlântico. Quem se esquecerá da campanha suja empreendida por Pedro Santana Lopes, em 2005, frente a José Sócrates?
As eleições presidenciais brasileiras revestem-se de um carácter que as portuguesas não têm. O sistema brasileiro é presidencialista, inspirado no norte-americano, estadunidense, enquanto o sistema português é semipresidencialista, com influências francesas e alemãs, todavia com particularidades que o distinguem. No Brasil, o/a Presidente define a política interna e externa do país, sujeito, contudo, à vontade emanada do Congresso no processo legislativo. O Presidente da República português nada define; a sua política externa é a política do seu governo e quem governa é o Governo, passo a redundância. O Presidente da República Portuguesa não governa, mas é mais do que uma simples figura que ornamenta a hierarquia do Estado. O Presidente, além do seu poder informal, moderador, desempenha um papel na função legislativa do Estado ao sancionar, nomeadamente, os diplomas do Governo e da Assembleia da República. Também escolhe, com alguma discricionariedade, o Primeiro-Ministro, atendendo aos resultados eleitorais. Solicita ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas constantes de leis, decretos-leis e convenções internacionais, bem como a fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade das normas jurídicas, como ainda pode requerer a verificação de inconstitucionalidade por omissão de medidas do legislador necessárias na implementação de normas que constem na Constituição e não sejam exequíveis por si só. No limite, pode ainda dissolver a Assembleia da República, e nem carece de o fundamentar com um cenário de crise governamental. Como se verifica, o legislador constituinte de 1975 não quis relegar o Presidente a um "corta fitas", como o eram, na prática, os Presidentes da República do Estado Novo.
À medida em que o tempo passa, as movimentações nos partidos e na sociedade civil intensificam-se. Teremos as legislativas pelo meio, no ano que vem, que não diminuem, em caso algum, a importância das presidenciais. Fala-se em nomes. No Partido Socialista, avança-se com António Guterres, o candidato natural, a mais numa liderança claramente guterrista. Há quem fale em Jaime Gama, ofuscado por Guterres, pessoa sensivelmente consensual, tido como homem fiel às causas sociais, pese embora o seu percurso político, enquanto Primeiro-Ministro, acidentado. Talvez surja Sócrates no seu caminho.
No Partido Social Democrata, a instabilidade é maior. Durão Barroso pisca o olho ao seu partido e vem galvanizado dos anos à frente da Comissão Europeia. Deixou uma impressão favorável na Europa porque remeteu-se àquilo que se esperava dele: que fosse pouco interventivo, dando ampla margem de controlo a Angela Merkel. Terá pela frente Marcelo Rebelo de Sousa e ainda Pedro Santana Lopes, que não morreu para a política. Marcelo não convenceu na política activa e a sobre-exposição poderá prejudicá-lo no escrutínio. Santana, com a vida mediática, cor de rosa por anos, ficou mais conhecido por figura do social do que por político credível. Passou ainda anos a lastimar-se da decisão de Jorge Sampaio em dissolver o Parlamento. Nos cargos que desempenhou, excluindo-se como Primeiro-Ministro, um golpe de sorte, qual presente dos céus, não demonstrou especiais atributos. A juntar a estes nomes, Marinho e Pinto surgirá, inevitavelmente, depois de passar pelas próximas legislativas. A ânsia de poder, ou muito me engano, não o deixará tranquilo. E, claro, os tradicionais candidatos da esquerda. Jerónimo de Sousa, o clássico, e ainda algum do Bloco. Outro clássico é Garcia Pereira.
Muito nos entreterá nos dois anos que se seguem. Não tarda e o espectáculo começa. Com o povo a assistir, que se erga o pano.