30 de dezembro de 2020

O ano em revista.


   Já vem sendo um clássico. Desde 2015 que, no último dia do ano, faço um balanço do mesmo, particularmente naquilo que ao blogue implica. Dois mil e vinte (2020), venho-o dizendo, foi extremamente positivo. No blogue, inclusive. Deixou de ser um espaço que me escravizava, como por ainda por aí se vê. Há quem publique por publicar, só para dizer "estou sempre aqui", e isso nunca me fez sentido. Ainda assim, sentia a necessidade, que continuo a sentir, embora menos, de partilhar todos os meus momentos e o que pensava. Este ano que agora finda, ao ter sido o ano da minha emancipação pessoal, ajudou a que o blogue fosse exactamente aquilo que ele deve ser: uma plataforma de complemento, de publicações reflectidas, mais cuidadas e meticulosas. Teria de recuar doze anos, a 2008, para chegar ao ponto em que publiquei ainda menos do que em 2020. A título de curiosidade, 2019, em contrapartida, foi o ano em que mais publiquei desde 2012. O mês de Outubro desse ano (2019) foi aquele em que mais publiquei de sempre, desde que o blogue existe. Teria de voltar a Julho de 2010 para encontrar um mês (quase) tão concorrido. Fait-divers.


    Vamos então, para não perdermos mais tempo, dar início à sequência cronológica deste ano nos seus principais acontecimentos.


    Janeiro começou logo a dia 6 com uma crónica sobre o Presidente dos EUA, Donald Trump. Dois dias depois, achei por bem ir a Espanha e à solução governativa alcançada, em tudo semelhante à portuguesa de 2015. Portugal começa a assistir a uma criminalidade violenta atípica, e esse mesmo foi o tema da crónica de dia 15.

    No dia 17, iniciou-se um ciclo de visitas que me levou desde logo ao Convento de Cristo, ao Castelo dos Templários e ao Museu do Fósforo, em Tomar.


    Em Fevereiro, mas ainda relativo a Janeiro (dia 20), publiquei, no dia 1, a visita a Azenhas do Mar e respectiva revisita ao Palácio da Pena. No dia 2 de Fevereiro, publiquei sobre a visita de 21 de Janeiro a Cascais (praia, marina, Museu do Mar, Museu Paula Rego e Boca do Inferno), o mesmo dia do meu primeiro concerto para ver Madonna na Madame X Tour. No dia 4, sobre o dia 22 de Janeiro, dei conta da visita, adiada vezes sem conta, ao Jardim Zoológico de Lisboa e, no dia seguinte, a 5, publiquei sobre a visita de dia 23 de Janeiro a Óbidos e ao Mosteiro de Alcobaça. No dia 8, escrevi sobre a visita de dia 24 ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha). Pelo meio, surgiram-me os Óscares (a propósito, teremos filmes para premiar no ano que vem?). Quase a terminar, no dia 12 relembrei a visita de dia 25 de Janeiro ao Santuário de Fátima e ao Centro Histórico de Ourém e, para concluir o ciclo, no dia 14 publiquei acerca do último itinerário de dia 26 a Évora (centro histórico, Sé de Évora e Museu de Arte Sacra e Igreja de São Francisco, vulgo Capela dos Ossos). Ao longo dessa agitada semana, comprei vários livros, e falei deles aqui. Antes de sair de Portugal, discorri sobre a eutanásia, sucintamente, remetendo quase todas as considerações para uma anterior publicação de 2016.

    Março arruma-se facilmente. Publiquei apenas duas vezes, a 18 e a 24: a 18, justificando, por assim dizer, o silêncio de semanas (começávamos a sentir os efeitos da COVID e achei por bem deixar algumas palavras); a 24, dando início às minhas impressões sobre Espanha (Ourense, mais especificamente).

    Em Abril, seguiram-se essas impressões, desta feita a Santiago de Compostela. O Diesel entrou nas nossas vidas a meio do mês das chuvas (a propósito, está aqui ao meu lado, deitado no escritório, enquanto escrevo).

   Maio trouxe a efeméride da puberdade do blogue -12 anos-, com o XII Aniversário. No dia 5, assinalou-se o primeiro Dia Mundial da Língua Portuguesa instituído pela UNESCO. Para finalizar, mais um olhar sobre Portugal e os seus apregoados, mas mentirosos, brandos costumes.

    Em Junho, as redes sociais, o quinto poder, popularizaram a onda das "vidas negras importam", o que me levou a fazer uma comparação entre o racismo estrutural norte-americano e o português. A amena Primavera trouxe também a vontade de desbravar a Galiza selvagem e a fluvial. Foi aqui, na Galiza, que me banhei tão cedo no ano (em Maio), numa barragem, e, mais tarde, numa praia fluvial.

    Julho trouxe-me mais vezes ao blogue. Logo no dia 2, fiz uma pequena análise ao histerismo social causado por André Ventura. Cinco dias depois, creio que tive a primeira reflexão sobre os tempos que vivemos de pandemia. Conheci Allariz, uma vila galega que aconselho. Assinalei o centenário do nascimento de Amália Rodrigues. Falei-lhes de Sylvester, um nome da disco que se perdeu precocemente, e ainda destaquei os cinquentas anos da morte de Oliveira Salazar.

    No pico do Verão, em Agosto, retornei a Portugal para visitar a minha mãe, que não via há meio ano, e passei uma semana no Algarve. No blogue, apenas fiz menção aos duzentos anos da Revolução Liberal de 1820.

    Em Setembro, dei o meu parecer, por assim dizer, à segunda obra de Haruki Murakami que li, Kafka à beira-mar, e tornei abordar a situação criada pelo vírus, desta vez no medo que levantou junto das populações. 

   Entretanto, em Outubro, dei por terminado outro livro, Memórias de Adriano, que há dez anos decorava uma das minhas estantes. A meio do mês, dei conta das vantagens e desvantagens, porventura, de se adoptar um animal. Estive em Bilbao. O Miguel morreu há um ano.

    Na falta de cinemas, que aqui não os temos, passei a acompanhar séries, e houve uma que me prendeu a atenção da 1ª à 7ª temporadas (e ainda não vi a 8ª e a 9ª porque não estão disponíveis na Amazon Prime). Falo-lhes de American Horror Story. Tivemos, pelo meio, as renhidas eleições nos EUA. Deixei um relato sobre a minha experiência com o transtorno obsessivo-compulsivo.

   A quadra natalícia deste ano trouxe neve pela primeira vez. Mostrei-lhes as fotos lhe tirei e à minha decoração de Natal. Fatidicamente, a violência de alguma polícia portuguesa continua a ser notícia.


   As considerações do final ficaram no começo. Resta-me agradecer a todos os que passam por aqui. Espero que, no próximo ano, possamos continuar a trocar impressões sobre este e aquele assunto. Tudo o que escrevesse agora só iria alongar a publicação, que não necessita de todo de palavras vãs. Está suficientemente preenchida. 

    Imagino que a maioria fique por casa à meia-noite. Eu sairei. Não de festas, mas sairei. Curioso. Muito curioso. Tal como o ano...

     Deixem lá. São pensamentos aleatórios, em voz alta. Vemo-nos por aí. Um excelente 2021!


A vermelho, as hiperligações para os artigos correspondentes. Clicando sobre cada uma, serão redireccionados automaticamente.


24 de dezembro de 2020

Merry Christmas.

 

   Uma breve passagem para desejar-lhes um feliz e santo Natal. Imagino que para muitos não seja uma quadra igual às anteriores, em virtude de estarmos ainda em meio de uma pandemia. Ainda assim, podemos sempre encontrar a força de que necessitamos no exemplo de Nosso Senhor: na sua companhia, nunca estamos sós. Ele é uma muralha forte e um porto seguro, sempre.

      Fiquem na sua paz. 




19 de dezembro de 2020

It will be the best Christmas night ever.

 

   Neste momento que lhes escrevo, do meu iPad e desde o sofá da minha sala, o cão restafela-se ao meu lado. Observo a árvore de Natal e toda a decoração do espaço, a que se junta a das restantes divisões. Caramba, este Natal esmerei-me. Gastámos imenso dinheiro em adornos e no serviço de Natal, um para a Consoada e outro para o Dia de Natal. Louças distintas para dias distintos. Será, tudo o indica, a melhor quadra de sempre. Já o está a ser, em rigor. Com brilho, requinte e um toque de doce meninice e fantasia.

   Os doces, fá-los-emos nós. Já decidi os que iremos fazer (e comer). É bem provável que, depois, lhes passe fotos do resultado final. A priori, não inovaremos muito, excepto num doce tradicional galego, chamado bandullo. No demais, serão doces portugueses. Quanto às refeições, também decidi inovar. Nem tanto no Dia de Natal, com o tradicional anho, mas na véspera. Sim, comeremos bacalhau. Não o bacalhau com couves, não. Irei confeccionar um bacalhau mais elaborado, digamos assim, que mo merece o meu marido, a quadra e inclusive a envolvência. De que adianta decorar-se a casa a rigor, fazer os doces em vez de os comprar para depois apresentar-se um bacalhau deslavado com couves e batatas? 


  As luzes cintilam. O seu reflexo brilha nos papéis de embrulho dos vários presentes dispostos harmoniosamente ao pé da árvore. O cão olha para elas com indiferença, e eu orgulho-me de manter bem vivo o espírito de Natal em mim.


15 de dezembro de 2020

Da polícia portuguesa.


   “Quando um polícia passa na minha calçada, eu atravesso a estrada e passo para a outra”.


   A afirmação não é minha, senão do meu bisavô paterno, que não conheci, e que segundo me contaram o costumava dizer. As forças de segurança não são, regra geral, socialmente bem vistas. É uma actividade mal remunerada e estigmatizada. Excessivamente até. Não houvesse ordem e a sociedade deixaria de existir. Em todo o caso, os abusos cometidos por vários agentes, não só no presente como durante a vigência de regimes não-democráticos, levou a que a polícia esteja indelevelmente associada a violência e violação de direitos e garantias. Tudo o contrário do que deveria.

   Portugal, nesse domínio, tem sido particularmente infeliz, e há organismos internacionais atentos. Por lá, os casos são mais que muitos. Há uns anos, recordo-me de um espancamento absolutamente desproporcional de um cidadão diante de um idoso e uma criança. Uma maçã não faz o pomar, é certo, mas os casos vão-se repetindo e vão ajudando a criar a imagem que a opinião pública tem e que reproduzi acima.

  Tratando-se de um organismo que tem a tutela da segurança pública e da investigação criminal, o apuramento da verdade torna-se ainda mais difícil. O respeito rapidamente degenera em arbitrariedade.

   Esta publicação vem no seguimento do escandaloso caso do SEF e do cidadão ucraniano morto em circunstâncias misteriosas. Em caso algum, entrando ou não ilegal no país, se justifica privar a alguém dos direitos fundamentais que Portugal reconhece através das suas leis internas e dos convénios internacionais que assinou e ratificou. 

    Imagino que a fronteira entre a autoridade, a defesa e cumprimento da lei e o respeito dos direitos dos cidadãos seja um fio de navalha, daí que se espere o melhor daqueles que nos defendem. Sejam mais exigentes nos testes psicológicos, direi eu. Um/a agente policial tem de ser um indivíduo totalmente equilibrado, consciente da responsabilidade que acarreta qualquer uma daquelas fardas. Está em causa a credibilidade da instituição e a sua capacidade de proteger efectivamente os cidadãos, no cumprimento da lei e no respeito dos direitos. A ordem pública, no fundo.

11 de dezembro de 2020

Dear Jesus.


   Ourense, onze de dezembro de dois mil e vinte,


   A ti,


   O ano que se aproxima a passos largos do final foi bastante bom a título pessoal. De certo modo, quase que me sinto mal por o dizer assim, secamente, quando tantos sofreram horrores por esse mundo fora. Tivemos, e temos, a pandemia, que levou tantas vidas, deixou gente sem emprego, estragou negócios. Neste Natal, há quem nada tenha para pôr na mesa. Sempre o houve, se bem que este ano, pela conjuntura sanitária, são mais os que padecerão de carências, além de toda a incerteza sobre os meses que virão. 

   Eu sinto que finalmente me ouviste. Tudo o que te pedi por anos foi-me gentilmente concedido. Não mo deste pelo feito de ser uma pessoa do mais íntegro que há, senão, creio eu, para que o encare como um desafio e uma oportunidade. Há muitos anos que a minha vida não sofria uma mudança tão radical e abrupta, e seguramente que foi a primeira vez que o seu decurso se viu tão alterado. Saí de casa. Mudei de país. Construí uma família, que tenho de cuidar. Afastei-me da minha mãe. Deixei um passado de misérias morais e emocionais para trás. Que mais poderia eu pedir, quando tudo me foi dado assim, subtilmente, sem que me desse conta? E agora, olho para trás e nada o faria prever em Janeiro.

  Estando eu "arrumado", se mo permites, as minhas preces vão ao encontro da minha mãe, a quem quero que fortaleças para que continue a suportar a minha sentida ausência, e da humanidade, no geral. Foi um ano bom para mim, mas não o foi para a maioria. Atende, se possível, os seus pedidos de bonança e tranquilidade. Sei que tudo o que fazes tem um propósito que desconhecemos e ignoramos.

  Da minha parte, rogo para que me continues a guiar nos teus insondáveis caminhos. Agradeço o que me deste, a estabilidade que me proporcionaste. Está, finalmente, nas minhas mãos. A partir deste momento, é comigo, e há que honrar aquilo que Tu me fizeste chegar e me julgaste merecedor.




Obrigado por olhares por mim,
Mark

9 de dezembro de 2020

Snow and Christmas time.



    Na sexta-feira, pela primeira vez, vi neve. Imagino que para grande parte de vocês seja algo natural, contudo, para mim, não o era. Natural de Lisboa, não se proporcionara visitar a Serra da Estrela ou qualquer outra localidade portuguesa com altitude e frio suficientes para nevar. Até há dois dias, e foi mágico. Simultaneamente, creio que jamais havia sentido temperaturas inferiores a 0º C. Como vivo na montanha, a neve aqui é comum na estação fria.

  Caminhar sobre a neve, senti-la debaixo dos pés. Tocar-lhe. Não a necessitamos para ter uma boa quadra festiva, mas é inegável que torna tudo ainda mais especial.

   No dia 29, dei início às festas. Montei a árvore, a mais alta de sempre, e decorei a casa. Este ano, gastámos, eu e o meu marido, uma soma considerável em iluminação e adornos. Adquirimos cada artigo através das lojas oficiais da ZARA HOME e do El Corte Inglés. Dispõem de produtos originais, que realmente enchem a vista. Deixo-lhes algumas fotos, da minha moradia e da sala de estar.













3 de dezembro de 2020

Pra Cima de Puta.

 

   O título do livro de Cristina Ferreira é chamativo, e é-o mais ainda a problemática que a autora nele aborda. Devo dizer que nada me move a favor ou contra Cristina Ferreira. Não a conheço, não tenho por hábito seguir programas generalistas. Tão-pouco me suscita interesse o que faz na sua vida privada ou pública. Sei quem é, como todos, uma vez que se trata de uma figura mediática.

   Em contrapartida, o livro que lançou, sim, despertou-me o interesse, não o suficiente para o pedir desde Portugal, mas quanto baste para reflectir sobre estes meios virtuais que, efectivamente, estando numa área nebulosa de regulação, permitem que todos emitam as suas opiniões sem qualquer consideração pelo outro. Da mesma forma que temos de humanizar estes meios de comunicação, encarando a cada utilizador como uma pessoa, temos de pôr cobro ao clima de impunidade que atravessa as redes sociais.

  Cristina Ferreira disse, e com razão, que tudo o que vá além da crítica profissional não é lícito. Todos nós que por aqui andamos, e nem necessitamos de ser figuras públicas, já nos vimos confrontados com opiniões a nosso respeito que beiram a ofensa de cunho pessoal. Bom, não o poderei afirmar nos vossos casos; a mim, garantidamente que passou, e são anos de redes sociais. O que faço é bloquear a pessoa em questão. Agora, imagine-se o que será ler diariamente milhares de ofensas à nossa honra numa rede social, vindas de quem não nos conhece além da imagem que projectamos, construída, num canal de televisão?

   Há gente a morrer disto, das perseguições pelas redes. Nem todos terão a estrutura mental de Cristina Ferreira e menos ainda a possibilidade de activar meios legais acompanhados de bons defensores. 

   Não podemos afirmar que estamos perante um fenómeno recente. O que se passa é que há uma relativa desconsideração da ofensa virtual, como se o facto de não o ser cara a cara diminuísse o seu ânimo de diminuir, rebaixar, humilhar. Pelo contrário. A ofensa por detrás de um computador ou de um telefone inteligente é mais cobarde. Pode-se perpetuar ad infinitum. Pode ser copiada e divulgada impunemente.

  Foge ao âmbito desta crónica as motivações sexistas. Percebemos que a reacção ao sucesso de uma mulher não é igual tratando-se de um homem. É outra discussão e é um problema que já não compete somente ao legislador, que não muda estigmas como num passe de mágica. O mesmo se diga de características típicas de um determinado povo, como o português, que tem na inveja o seu mal nacional. São palavras minhas.

27 de novembro de 2020

Árvore de Natal, sim. Quando montar?

 

   A árvore de Natal já se tornou um símbolo indispensável entre aqueles que celebram o Natal na sua vertente mais festiva. Eu sou apologista das luzes, enfeites e adornos. O ser humano é atraído pelo belo, pela estética. Sendo o Natal a época em que os cristãos assinalam o nascimento da sua principal figura, Jesus Cristo, naturalmente fazem-no festejando. A decoração de Natal é uma expressão de júbilo pela vinda do Messias. Na Páscoa, se pensarmos bem, nada se faz. É que a Páscoa é a antítese do Natal.

  Fixada a árvore como elemento dos nossos lares, impõe-se a pergunta: quando montá-la. E é aí que surgem os primeiros equívocos. Não podemos dizer que haja uma data oficial para se proceder à iluminação das casas, mas há, isso sim, algumas que são de atender. O que lhes quero dizer é que, da mesma forma que temos os Reis como marco do fim das festas, tirar as caixas de enfeites do sótão não deve ser feito de forma arbitrária.

   Há, então, duas datas que dividem os cristãos: a primeira delas é o Primeiro Domingo do Advento (que este ano calha a 29 de Novembro). O Domingo do Advento assinala o primeiro de quatro domingos antes do Natal, e é uma data que convida à introspecção e à vigília, preparando-se os cristãos para o nascimento de Jesus. O primeiro domingo do advento é ainda o primeiro período do ano litúrgico. Em suma, os cristãos são convidados a orar, a entrar numa fase de maior contenção e recolhimento. Será o início do período santo.

   A segunda data é o dia 8 de Dezembro, Dia da Imaculada Conceição, estabelecido o dogma de que a Virgem Maria nasceu sem ter sido tocada pelo pecado original. Em virtude de ser feriado, este dia tem vindo a merecer mais destaque do que o primeiro domingo do advento, que cai no esquecimento da generalidade dos fiéis.

   Sem prejuízo de ser um dia solene para os católicos, não vejo uma correspondência directa entre o Natal e o Dia da Imaculada Conceição. Fará mais sentido, então, quanto a mim, tomar em consideração simbólica os quatro domingos que antecedem o Natal. Há ainda outro motivo a acrescer: o dogma da Imaculada Conceição não encontra acolhimento entre ortodoxos e protestantes, ou seja, não é uma data consensual; os quatro domingos não podem ser ignorados.

    Há uma terceira data, o 1 de Dezembro, meramente por ser o primeiro dia do mês, e ainda uma quarta: o terceiro domingo do Advento (este ano a 13), quando, regra geral, se recorda a proximidade da remissão dos pecados pela vinda do Salvador e se monta o presépio. Não devemos ignorar ainda as tradições de cada país: em Portugal e em Espanha, para citar estes dois casos, a árvore de Natal é montada no dia 8.

   Da minha parte, sempre montei a árvore no dia 8 de Dezembro. Entretanto, este ano é provável que o faça no Primeiro Domingo do Advento, por três principais motivos: alguma impaciência, necessidade de ter algo que me reporte ao Natal (que onde moro ainda nada está decorado) e a lógica que me parece existir então no primeiro domingo do advento. Algo é certo: tomemos em consideração uma ou outra data, não o devemos fazer de forma arbitrária. Se há uma tradição, e a decoração nela se inclui, é para se cumprir. Tudo o mais são caprichos.

    A propósito, e vocês, quando montam a sua árvore?

13 de novembro de 2020

Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC).

 

   Há uns anos, foi-me diagnosticada uma forma de TOC. O transtorno obsessivo-compulsivo está longe de ser uma doença romantizada, como frequentemente é retratado. Comporta imenso sofrimento aos que dele padecem e a quem com os seus portadores vive. Condiciona, como quaisquer transtornos, o dia-a-dia; provoca alterações comportamentais que assumem contornos de verdadeiros desvios à norma. De igual modo, o TOC não consiste apenas em lavar as mãos a todo o momento, ou em alinhar milimetricamente os lápis que estão dispostos sobre uma secretária. Pode englobar tudo isso, mas não apenas.

  No meu caso, comecei a manifestar os primeiros sintomas de TOC no início da adolescência. O que começou por ser um cuidado redobrado, acrescido, se quiserem, com os meus pertences, passou a ser um inimigo com o qual me debatia constantemente. Em mim, o TOC fez com que não conseguisse lidar com o desgaste normal dos pertences, aparelhos tecnológicos, etc, pelo uso. Passo a explicar com um exemplo: se um de nós deixar cair o telemóvel ao chão, naturalmente fica zangado. Apanha-o, verifica os estragos; se funcionar, ainda que com pequenos ou insignificantes riscos, amolgadelas, tanto melhor. Não se pensa mais nisso. Não em mim. O menor risco fazia com que tivesse de o fazer desaparecer, fosse como fosse. A páginas tantas, já nem utilizava os meus pertences com receio de os estragar; não folheava um livro para não correr o risco de rasgar uma página. Conseguem imaginá-lo? Provavelmente não.

   Um fio puxado na roupa, uma tinta que se desvanece pelo toque continuado dos dedos, uma sujidade inesperada nuns sapatos. Tudo me fazia reagir desproporcionalmente. Ver quaisquer objectos meus deteriorados era como atingir-me directamente.

    Procurei ajuda, que passa sobretudo pela terapia. Estou melhor, bem melhor do que no auge dos meus quinze anos. Recuei no tempo e consegui ao menos ter um vislumbre do episódio que poderá ter despoletado este transtorno em mim: quando teria quatro, cinco, seis anos, o neto de uma senhora em quem era confiado até os meus pais regressarem estragou-me deliberadamente um afia-lápis que a minha mãe me comprara. Aquele afia-lápis pertencia a um conjunto de três: um vermelho, um verde e um amarelo. Tinham o formato de baldinhos de tinta, em que o pincel, uma peça à parte, terminava numa borracha. Foi exactamente o cabo desse pincel que o miúdo inseriu no afia, fazendo-o rodar. Estragou-mo. Quando mo devolveu, lembro-me de os comparar, aquele, estragado, com os outros, e de ficar perturbado, a ponto de ainda subsistir na minha memória dito evento. Estará aí, direi eu, a génese deste meu, digamos, problema.

   Mais recentemente, passei a preocupar-me excessivamente com a limpeza da casa. Ver um pêlo do cão no chão é o suficiente para que corra a limpar. À custa de um cuidado constante, não há pêlo do meu cão no chão. Os meus cuidados com a limpeza da casa vão além do comum, sei-o; entretanto, não é algo que possa evitar, e atribuo-o logo à minha condição. 

  O TOC não tem cura. Aprendemos a viver com ele e a minorar os seus efeitos. Esta é a minha experiência. Não assumam que o têm sem um correcto diagnóstico médico. 

6 de novembro de 2020

As eleições estadunidenses.

 

   Os EUA configuram aquele país que não me cai nas boas-graças. Não aprecio nada que por lá haja. Consumo grande parte da sua cultura, como a maioria, mantendo, porém, uma postura crítica e distante. Desagrada-me a sua política externa, que se mantém a mesma desde praticamente o final da II Guerra Mundial; tão-pouco me agradam os costumes, que em determinados aspectos considero dignos de uma nação incivilizada. Vai do porte de armas, livre e consagrado como direito na constituição, à pena de morte, à brutalidade policial, às taxas extraordinariamente elevadas de criminalidade. Os EUA são o país com mais psicopatas. Explica muito.

   Compreendendo que qualquer assunto que diga respeito àquele país suscite enorme curiosidade, para mais umas eleições presidenciais, acompanhei este acto eleitoral com uma enorme indiferença. Creio que só ontem tomei conhecimento do nome do adversário de Donald Trump. Vi-o num comício qualquer, e não gostei da cara do indivíduo. Os estadunidenses têm um fenótipo peculiar.

   Independentemente de quem ganhe a corrida à Casa Branca, presumo que seja mais uma questão de estilo pessoal do que de verdadeiras linhas orientadoras, pelo menos quanto à política externa, que é essa que me preocupa. O que se passa dentro daquelas fronteiras, sendo sincero, não me interessa minimamente. Os EUA estão comprometidos com a hegemonia política, bélica, cultural, etc, de que dispõem. Há interesses que vão além das intenções manifestadas. Um desses interesses é indiscutivelmente o da indústria armamentista. Os EUA, como superpotência militar, fomentam conflitos. Fazem a guerra. Quando não a fazem, fomentam-na. Se nos detivermos somente nesta matéria, Trump foi menos interventivo do que Obama, por exemplo, ou (Bill) Clinton, dois presidentes do Partido Democrata. Prefiro, até nas relações pessoais, uma pessoa francamente rude, agressiva, do que uma de quem não saiba bem com o que contar. Biden, neste caso. Trump, no seu egocentrismo desmesurado, revelou-se um isolacionista, e meio a contra-gosto manteve a frente na Síria. Ele olha demasiadas vezes para o seu próprio umbigo, o que é bom, muito bom. Agora, naturalmente, pela sua personalidade, atrai muita gente que o detesta, sobretudo entre gente avessa ao conservadorismo: gays, socialistas, ambientalistas e por aí. Como eu prefiro contar com o que já conheço, e o apocalipse que vaticinavam com a sua eleição não se confirmou, não me desagradaria uma vitória da sua parte, que à data de hoje (6 de Novembro, pelas 19h20), parece cada vez mais difícil.


5 de novembro de 2020

American Horror Story.

 

   Comecei, sensivelmente há mês e meio, a acompanhar a série norte-americana American Horror Story. É bem verdade que já tem uns anos, e não a conhecia. Nunca fui de acompanhar séries. Dado que agora vivo no interior da Galiza, na falta de cinemas e teatros restam-me a televisão e as séries através dos canais de streaming.

    Devoro-a diariamente. É viciante. Aqui, é transmitida através da Amazon, que subscrevi, e parece que este ano ou no ano vindouro começarão a gravar e a emitir a nona temporada, imagine-se. Eu vou na quarta. A cada uma que encerro, reconheço ser a melhor. O meu marido dissera-me que a segunda e a terceira temporadas, sobretudo a segunda, eram as suas favoritas. De momento, a quarta vai sendo a minha eleita.

    Em American Horror Story, não há um seguimento, ou seja, não há uma continuidade lógica entre as temporadas. Cada temporada traz-nos uma estória nova. Os actores é que costumam ser os mesmos, com poucas mudanças. Revezam-se entre temporadas. Dentre eles, eu destacaria a inenarrável Jessica Lange, que em cada temporada interpreta sempre uma mulher fascinante, sensual, arrebatadora. Já sei que a sua participação ficará por aqui. Espero que tenham encontrado uma substituta à altura para as temporadas seguintes.

    Tal como o nome indica, horror story, é uma série de terror, entretanto, que não se espere o clássico terror que costumamos ver no cinema. American Horror Story vai da fantasia ao humor, ao drama. Estará aí, quem sabe, a fórmula do seu sucesso. Cada temporada é acompanhada por milhões de espectadores pelo globo. Eu, que detestava ficção, como o reafirmei vezes sem conta, rendi-me por completo.

      Está recomendadíssima.

28 de outubro de 2020

Miguel, um ano depois.

 

  O Miguel morreu perfaz um ano este mês. Na altura, publiquei aqui tudo o que me passava pela cabeça naquele momento. A incredulidade, disparatada até, uma vez que o Miguel estava gravemente doente havia muito tempo, deu lugar a um vazio enorme. O Miguel e eu já não éramos amigos como o fomos anos atrás, como na ocasião tive oportunidade de dizer, mas a sua partida foi quase como um confronto com a minha própria finitude. Afinal, não somos muito mais do que aquilo.

  Somos todos iguais em dignidade e direitos, contudo, há pessoas que fazem cá mais falta do que outras. O Miguel, julgo eu, era uma dessas pessoas. Era um homem atencioso, erudito, letrado. Morreu alguém das letras, da cultura, e é sempre de lamentar quando tal sucede.

  Nem eu e provavelmente nem o Miguel poderíamos imaginar que a sua morte me marcaria como marcou, e a verdade é que marcou. Um ano decorrido, evoco de novo o Miguel, a sua lembrança em mim, e sinto novamente o mesmo vazio, a mesma incredulidade. É realmente verdade que ele já cá não está?

   Querendo-o, poderão ler o seu blogue aqui.

26 de outubro de 2020

Bilbao.

   

   Finalmente, após marcações e desmarcações, o M. conseguiu a sua tão almejada (e merecida) semana de férias. Desde logo pensámos em Estocolmo, na Suécia, um plano que saiu gorado dadas as circunstâncias em que nos encontramos. Sair de Espanha poder-se-ia revelar perigoso, e tememos que fechassem o espaço aéreo e mais não-sei-o-quê; eu, por mim, teria ido, mas a situação profissional do M., de enormíssima responsabilidade, não lhe permitia dar-se ao luxo de ficar retido na Escandinávia.

   Decidimo-nos, então, por Bilbao (Bilbau em português), a capital de Euskal Herria, o mesmo que se dizer do País Basco. Indecisos entre esta cidade, Santander e San Sebastián, considerámos que melhor seria começar pela capital, que além do mais dispõe de um museu de reputação internacional, o Guggenheim de Bilbao. Assim foi.


A Ponte Zubizuri e a Ria de Bilbao

  Bilbao é uma cidade que tem muitíssimo para ver. Tivemos 5 dias e todos eles foram preenchidos. Chegámos na segunda-feira pelas 1h30 e, no dia seguinte, percorremos a cidade, o seu núcleo antigo, o Casco Viejo, com aquelas ruas tradicionais que nos fazem lembrar, em certa medida, Lisboa. Por lá, não deixem de entrar na Catedral de Santiago. Antes disso, e uma vez que o nosso hotel ficava defronte à ria de Bilbao, caminhámos pelas suas margens, apreciando as pontes que as unem. Fomos também ao Miradouro de Artxanda, com as melhores vistas sobre a cidade. Para lá chegar, apanha-se um funicular de percurso íngreme. No mesmo dia, visitámos a deslumbrante Basílica de Nuestra Señora de Begoña, de acesso difícil, ao alto de uma extensa escadaria, a Via Crucis, e o Museo Vasco.


A Basílica de Nuestra Señora de Begoña

   A terça-feira, reservámo-la para Portugalete e Getxo, duas localidades a norte de Bilbao, acessíveis por metro, e que são de visitar. Por lá, além do Museu da Indústria (Bilbao é uma região altamente industrializada, como de resto todo o País Basco), fizemos a travessia pela Ponte de Vizcaya, que une as duas localidades. A ponte é Património Mundial da Unesco. Em Getxo, visitámos o Moinho de Aixerrota e o respectivo miradouro, a Paróquia da Santíssima Trindade e todo o percurso do Paseo Muelle de las Arenas. Antes, em Portugalete, passámos pela Basílica de Santa Maria, pelo Ayuntamiento e pela Torre Salazar. Em Getxo, percorremos as ruas tradicionais, redutos do velho nacionalismo basco, a julgar pela quantidade de bandeiras da região e de símbolos independentistas que verificámos nas paredes das tradicionais casas bascas.


A Ponte Vizcaya

    Na quarta-feira, fomos conhecer a zona mais moderna da cidade, onde estão situados inúmeros museus. Desde logo, uma passagem pelo Parque Doña Casilda é obrigatória. Encontrámo-lo em remodelações, todavia, mantém grande parte das fontes de água activas. É conhecido também como o jardim dos patos. A meio, relativamente, está situado o Museo de Bellas Artes, que nos ocupou o resto do dia. À noite, como de costume, fomos comer os famosos pinchos espanhóis no Mercado de la Ribera. Não deixem também de visitar o edifício do Teatro Arriaga. Ao final da tarde, fomos até ao Azkuna Zentroa, um edifício cujos pilares, 43, têm todos eles formas e cores distintas. Curioso.


Vistas sobre a Torre Iberdrola desde o Parque Doña Casilda

    Acerca do museu de belas artes, reservem uma tarde inteira. Tem tanto para ver... Eu, como apreciador que sou de arte, gosto de me deter ante cada obra; apreciá-la, ler os informes, com serenidade. Consequentemente, levo tempo. Há quem prefira passear-se pelos museus como o faz numa avenida. São opções respeitáveis, claro, mas que não me servem.


O Outono em Bilbao

    Na recta final da nossa estadia em Bilbao, fomos ao Guggenheim, claro está, o grande ex-libris da cidade, que visitei desconfiado, por não gostar de arte moderna, regra geral, mas expectante, por se tratar do meu primeiro grande museu de reputação internacional. Adorei-o. Mil vezes adorei-o. Põe a um canto, passo a expressão, qualquer museu de arte moderna português. Quando lá forem, não se esqueçam de descarregar a aplicação à entrada, que lhes permite efectuar a visita recorrendo à ajuda de um áudio-guia indispensável à compreensão da história e estética do edifício e das obras de arte que alberga. Reservem igualmente uma tarde para ver tudo com a calma e a exigência que o museu merece.


O plátano morto e o Guggenheim atrás 

      Na sexta-feira, antes do regresso passámos pelo Museo Marítimo e despedimo-nos da cidade com uma última ronda.

    Gastronomicamente, degustei o bacalao al pil pil, basco, que deixou muito a desejar, o txipipulo encebollado, de que gostei, e a costilla de euskal txerri com duxelle de champiñones de Paris, estes últimos no galardoado (com estrela Michelin) e prestigiado restaurante Los Fueros. De sobremesa, é imperdoável sair-se do País Basco sem provar a deliciosa pantxineta.


Um pecado de calorias!

     Como tanto eu como o M. gostamos de arte, adquirimos alguns volumes: Picasso, Frida Kahlo, Lee Krasner, um livro de entrevistas de Andy Warhol e uma obra que nada tem que ver com arte, mas que comprámos igualmente no museu de belas artes, sobre Filipe II de Espanha (I de Portugal).

   Bilbao vale a pena conhecer. A cidade é bonita, e o Guggenheim é um daqueles museus que convêm visitar.


Todas as fotos foram captadas por mim. Uso sob permissão. 

16 de outubro de 2020

Adoptar um animal.

 

   Pus-me a reflectir acerca da decisão de se adoptar um animal, seja ele qual for. Aproximamo-nos a passos largos do Natal e, nesta altura, aumenta o número de animais resgatados dos canis. Pelo contrário, nas férias de Verão aumentam os abandonos. Como se as vidas dos animais dependessem das vontades sazonais das pessoas.

   Não devemos adoptar um animal porque o achamos bonito ou fofinho. Isso não implica que não o possamos achar bonito e fofinho. Explico. O principal motivo que nos deve levar a adoptar um animal deve ser a vontade de lhe dar uma família, um lar, cuidados de saúde, uma alimentação adequada, carinho e atenção. E devemos ponderar muitíssimo bem a nossa decisão.

   Os animais não nos dão apenas alegrias; dão trabalho, largam pêlo, fazem xixi e cocó onde não devem, têm de ir à rua pelo menos duas vezes ao dia, arranham móveis, sofás, cortinados, partem objectos, roem alcatifas... Um animal de estimação não é um brinquedo que desligamos quando nos cansamos. Daí regressar ao que referi acima: principal mote, salvar uma vida das ruas, dos canis. Se não estivermos absolutamente conscientes e convictos da decisão, melhor será adiá-la.

    Acredito francamente que há cinco tipos de pessoas relativamente aos animais: as que gostam deles e os querem adoptar/comprar; as que não gostam deles; as que gostam, mas não os querem ter; as que os veneram; as que os maltratam. E faria uma distinção entre o maltratador puro, que se compraz em fazer mal a um animal, e aquela pessoa que perde a paciência, sobretudo porque não ponderou bem todos aqueles inconvenientes. São estes últimos, em grande medida, que acabam por os deixar à sua sorte.

  Os animais são animais. São desprovidos de razão, ao menos daquilo que entendemos por razão. Movem-se pelo instinto de sobrevivência. Não devem ser tratados como pessoas, não devem ser humanizados. Tal levar-nos-ia a um tópico sobre a crise de valores, o individualismo, o isolamento social, entre outros fenómenos, que não convém aqui abordar. Os animais domésticos de companhia são isso mesmo: animais que nos acompanham, que estão connosco, humanidade, há milhares de anos, e que nos são úteis, seja porque pastoreiam o nosso gado, seja porque guardam a nossa casa, seja porque nos tornam a vida mais alegre e preenchida de afectos. Tendo nós um ascendente em razão da inteligência, da autodeterminação, da consciência, da moral, devemos cuidá-los e protegê-los, sabendo, porém, que são animais, que não os devemos substituir às pessoas e ao contacto com pessoas.

   Eu adoptei. Não sou nenhum herói, não sou uma excelente pessoa como vulgarmente se lê dirigido a quem adoptou. Adoptei porque quis ajudar um animal a ter uma melhor existência. Quando assim é, não olhamos à raça, às doenças, aos defeitos físicos. Importei-me com o tamanho porque moro num apartamento. Tão-só. Meio ano depois, foi a melhor decisão que tomei. O Diesel tornou a minha vida mais preenchida e fez-me ter mais responsabilidade. Mudou-me algumas rotina, sim, o que até agradeço. 

    Posto isto, e você, adoptou, quer adoptar, não quer adoptar?

6 de outubro de 2020

Memórias de Adriano.

 

   Ontem à noite, terminei um livro que me fora dado há dez anos pela minha professora de língua portuguesa do secundário: Memórias de Adriano. Ofertar um livro a alguém que está prestes a entrar no ensino superior, para mais em Direito, é o mesmo que assumir que esse livro ficará numa prateleira à espera de um momento oportuno. O bom dos livros é que nunca passam de moda. Foi o que aconteceu com este clássico da literatura mundial da escritora belga Marguerite Yourcenar.

   Memórias de Adriano consiste num desafio extraordinário de Yourcenar, procurando recuperar uma autobiografia perdida no tempo do imperador romano Adriano. É uma biografia ficcionada, não sabendo nós até que ponto Adriano nela se reveria caso a pudesse ler.

  Adriano, aqui, relata-nos a sua vida na primeira pessoa. É o narrador. Não há diálogos. É a retrospectiva de um homem que se aproxima do final e que faz um balanço sobretudo dos quase vinte anos que reinou em Roma, desde o início conturbado, com uma adopção polémica e a eliminação de dissidentes políticos, criando-se-lhe dissabores insanáveis com o Senado. Melhor dizendo, pouco em Roma. Adriano foi o imperador que mais tempo despendeu viajando e instalando-se pelas várias províncias do Império. Interessou-se mais por assegurar o que os romanos haviam conseguido do que em expandir as fronteiras, ao contrário do seu antecessor e pai adoptivo, Trajano. Foi o imperador das artes e do mundo helénico. Nascido na Hispânia, venerava como nenhum outro a Grécia e a sua cultura. Tentou o mais possível recuperar o prestígio de Atenas, tornando-a a capital cultural do Império. Era um homem letrado, poeta. Na sua personalidade, oscilava entre uma capacidade de fazer o bem, de pôr cobro a medidas e velhas leis que lhe pareciam injustas, como, em assomos de raiva, de vazar o olho a um secretário. Vejo-o como liberto de preconceitos. Já sabemos que os romanos aceitavam quaisquer religiões que não pusessem em perigo a sua autoridade (tal aconteceu com o judaísmo, nomeadamente), mas Trajano procurou mesmo conhecer mais acerca da seita que então alastrava no Império, o cristianismo. Desdenhou-a, claro. Um espírito romano não teria como perceber as motivações de um deus dos fracos e dos escravos.

   Yourcenar dedica grande parte da obra a relatar a aventura amorosa de Adriano com o efebo Antínoo, uma relação de pederastia tão comum na Antiguidade. A morte de Antínoo, o imberbe catamita, arrastou o imperador àquilo a que nós hoje designaríamos por depressão, provavelmente. Adriano consagrou-o aos deuses, estabeleceu o seu culto e mandou-lhe construir uma cidade, Antinoópolis. 



   

   Memórias de Adriano é de leitura indispensável em quem quer ter conhecimento do melhor que se escreveu lá fora, e é um dos melhores romances do século XX. Yourcenar recheou-o de inúmeras referências políticas, literárias e filosóficas da Antiguidade. Nesse sentido, é também uma belíssima fonte de informação sobre aquela época. Devo dizer que comecei a leitura desconfiado, mas determinado, e terminei-a com um sentimento de empatia pela figura de Adriano.

28 de setembro de 2020

Não deixar que o medo nos domine.

 

   Desde o início da actual conjuntura de pandemia que me recusei a ser tolhido pelo medo. Praticamente não fiz quarentena. Não incumpri com as recomendações (imposições) das autoridades, mas arranjei sempre uma forma de sair, nem que fosse ao supermercado da esquina para comprar pão. Pelo meio, adoptei o Diesel, passando a ter de o acompanhar nos passeios diários. Posso-lhes dizer que, se fiquei dois dias sem pôr o pé na rua, foi muito.

    De momento, em meio de uma, dizem eles, segunda vaga, pondero viajar até ao norte da Europa, e só não o farei se não mo permitirem, que é o mesmo que dizer se suspenderem os vôos, se encerrarem os serviços, se fecharem as cidades ou se surgir outro impedimento alheio à crise sanitária. Para mim, sempre foi ponto assente. Protejo-me e protejo os outros, entretanto, não deixarei de viver, de sair, de me divertir, se for caso, para ceder a um medo que me parece em tudo irracional. Pandemias, sempre as tivemos; de doenças respiratórias, sempre morremos. Mais, eu tenho sido bastante atormentado com síndromes respiratórias, sendo asmático, desde que me conheço. Teria um motivo acrescido para ceder completamente e, ao invés, longe de desafiar o vírus ou me expor inconsequentemente a uma infecção, procuro fazer uma gestão equilibrada de uma situação insólita a que não estamos acostumados.

   Temos ponderado as consequências que as nossas escolhas terão na vida das crianças e dos idosos, sobretudo? Enclausuramos pessoas que estão no ocaso das suas vidas dentro de suas casas, sob o pretexto de as proteger. É este o final de vida digno que lhes damos?

    Assim como me parece leviano e quiçá mesmo criminoso negar-se o vírus, e tem havido quem o faça, insisto, e isso tenho defendido, na gestão equilibrada, repito, da conjuntura de pandemia. Continuemos a viver. Façamo-lo com responsabilidade, precaução, realismo. Todos estamos expostos ao vírus. Quando se proporcionou viajar a Portugal no mês passado, ponderámos todas as possibilidades, e decidi-me a ir ver a minha mãe, com quem não estava há meio ano. Viajei de transportes, fiz transbordos, sozinho, e felizmente nada de mau ocorreu. A outra hipótese seria a de não a ver. Deixar de estar com ela, de aproveitarmos alguns momentos. Não permitam que o medo lhes roube vivências, experiências, qualidade de vida, vida.

10 de setembro de 2020

Kafka à beira-mar.

 

   Antes de viajar para Portugal de férias, dei por terminada a leitura de mais uma saga de Haruki Murakami, Kafka à beira-mar, que me ocupou por alguns dias. Este livro é o segundo do autor que leio, depois de, no ano passado, ter terminado O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo, que me vi necessariamente obrigado a conjugar com leituras jurídicas visto estar em época de exames. Este ano, não foi o caso.

   Kafka à beira-mar, à semelhança da obra que lera de Murakami, aborda estórias entrecruzadas, no universo surrealista que envolve o emaranhado de relações que se estabelecem nos seus romances. Desta feita, temos um jovem de quinze anos que foge de casa, afligido por um complexo de Édipo mal-ultrapassado, e um velho que sabe falar com gatos antropomorfizados. O que os une, nunca chegamos a perceber, intuindo, em contrapartida, que as suas vidas se cruzam no deslindar de segredos e suspeitas. O velho, Nakata, é das mais enternecedoras personagens que encontrei em ficção, pela candura e ingenuidade. É provável que tenha vindo preencher uma lacuna que guardo em mim; quiçá o ternurento avô que nunca tive, ou, pelo contrário, porque não mais é possível encontrar-se alguém assim, tomando como certo de que ainda subsistem pessoas como Nakata. No que respeita ao rapaz, a mãe, que desaparecera, é objecto de afeição e desejo, a que se soma uma culpa que lhe é imputada pelo pai, um sujeito vil e odioso. Um fardo pesado num rapaz de tenra idade, que se abstrai em leituras e no culto de um corpo forte, capaz de resistir a todas as intempéries pessoais.


    

    O que há, de resto, em todos é a solidão. Nos dois livros de Murakami que li, há uma solidão presente em cada personagem, nos seus momentos a sós e com terceiros. As existências conjugam-se, mas, no fim, o que resulta é a própria condição humana, o vaguear na incerteza e no infortúnio.

31 de agosto de 2020

Duzentos anos da Revolução Liberal de 1820.


   A Revolução Liberal teve lugar há exactamente 200 anos, que se cumpriram no passado dia 24 de Agosto. Com outros, foi dos momentos mais catastróficos, pelas consequências, da história portuguesa. A curto prazo, antecipou a independência do Brasil e arrastou Portugal para uma guerra civil que colocaria o país num quadro permanente de crises sociais e económicas cíclicas, aproveitadas por potências estrangeiras, como Reino Unido, que exerceram uma quase tutela sobre os nossos destinos. 

  Por forma a mitigar, atenuar, a sua influência devastadora, Pedro IV outorgou uma Carta Constitucional para o Reino, em 1826 -o mais longevo texto constitucional que vigorou em Portugal-, em tudo semelhante à Constituição brasileira de 1824. Aquela Carta assentava, então, num compromisso entre a legitimidade e soberanias do Rei e a da Nação. 


Alegoria à Revolução de 1820


   Não nos é possível explicar a Revolução Liberal sem empreender uma excursão pelo turbulento século XIX português. Portugal, sem o querer, viu-se compulsivamente obrigado a participar das investidas belicosas de franceses, espanhóis e ingleses, quando mais interessado estava em assentar as fundações da sua matriz transcontinental no Brasil. O Padre António Vieira já o sugerira no século XVII, e a Constituição de 1822, emanada da Revolução de 1820, estabelecia as regras que regiam o funcionamento do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Dado que tudo se precipitou para o fim do Reino Unido, nunca sequer chegou a vigorar em Terras de Vera-Cruz.

   Com a derrota de Napoleão e o advento da Revolução -ou golpe de estado no tradicionalismo, como prenunciara Dona Mariana Vitória, apercebendo-se de que a a execução da família Távora dava início a um tempo em que os homens não têm honra nem passado, valendo mais o dinheiro do que os serviços prestados à coroa-, ao longo de oitocentos verificamos uma tendência dos sucessivos governos de se procurarem aproximar dos modelos europeus. O seu expoente terá sido com Fontes Pereira de Melo durante o período da Regeneração, embora algumas das medidas remontassem já a Mouzinho da Silveira.

   A título de curiosidade, também aqui, na vizinha Espanha, companheira de sorte e de infortúnio, ocorreu uma revolução similar no ano de 1820, recuperando-se o espírito que presidiu à elaboração da Constituição de Cádiz, que viria a ter a maior das influências na feitura da Constituição Portuguesa de 1822, de efémera vigência. 

    No domínio da justiça e da previsibilidade, estabilidade e segurança da lei, o liberalismo, investido de um ânimo codificador, dotou o Reino de códigos (nomeadamente o primeiro código civil de 1867 e o código comercial de 1833, substituído pelo ainda em vigor, conquanto profundamente revisto, de 1888). A ressaltar ainda o não menos relevante código penal de 1852 (substituído pelo congénere de 1886), que veio pôr cobro à parca transparência e inclusive alguma iniquidade na aplicação da medida das penas. A existência de um poder judicial independente é um dos lados positivos do liberalismo. O uso da lei penal para favorecer vinganças pessoais era comum em Portugal. Pombal, um século antes, servira-se dela para levar a cabo os seus objectivos na prossecução de uma política de centralismo régio.

31 de julho de 2020

Salazar, cinquenta anos.

   No passado dia 27, completaram-se cinco décadas desde que Salazar morreu. A 27 de Julho de 1970, o homem que liderara os destinos de Portugal desde 1933 sucumbia, após dois anos de doença que o deixou profunda e irremediavelmente diminuído nas suas capacidades.

   Acerca de Salazar, há todo o tipo de literatura, de quem o detesta a quem o idolatra. Eu recomendaria as obras de Jaime Nogueira Pinto e Paulo Otero, designadamente, que procuram ter uma visão mais humana e íntima do homem. 

  Quando me deparo com grandes vultos, e Salazar encaixa-se plenamente na categoria, procuro sempre vê-los além da condição humana, como se a nossa vulnerabilidade os diminuísse. Como tal, é do Salazar estadista que gosto de lembrar, e é o líder que vou evocar.




 Salazar, de raízes humildes, vingou por mérito próprio, por ser um aluno de altíssimo gabarito, destacando-se como jurista e professor de Finanças. Chegou ao poder imbuído de uma visão para Portugal, que aplicou como soube e pôde, sujeito ao erro, evidentemente, que Salazar não se julgava a si próprio acima de Deus, muito embora Marcelo Caetano tenha dito, nas suas exéquias fúnebres, que estávamos acostumados a ser governados por um homem superior. Salazar foi-o.

  E como nunca é demais lembrar -e tanto incómodo causa porque vivemos entre gente desonesta, a quem a honestidade faz mossa-, Salazar representou, sim, a dedicação em prol da Nação sem qualquer interesse pessoal subjacente. Salazar serviu Portugal. Como o prelado dedica a sua vida às causas de Deus, Salazar descobriu a sua real vocação e dedicou-se às causas da Nação. 

  Há cinquenta anos, perdemos, sobretudo, um dos últimos grandes portugueses. A partir de Salazar, esfumou-se a dignidade na política. Tudo o que veio depois, e foi tão mau, apenas vem ajudar à exaltação -lúcida e esclarecida- deste homem. Homenagem lhe seja feita.

25 de julho de 2020

Sylvester (1947-1988).


   Sylvester James foi um cantor da disco sound e um activista pelos direitos da comunidade LGBT. Eu tê-lo-ei descoberto provavelmente nalguma das minhas incursões pelo Youtube. Sendo sincero, não me recordo. O que me atraiu na sua figura foi o pioneirismo que encabeçou, assumindo-se como homossexual muito antes de que outras figuras públicas o fizessem, e a morte trágica por que passou.
 
    Em 1987, no talk-show da comediante Joan Rivers, Sylvester anunciou que se iria casar com um homem. Uma revelação bombástica e ousada para a época, como se depreenderá. Por um terrível infortúnio, Sylvester viria a falecer no ano seguinte, em 1988, vitima de complicações decorrentes do VIH/SIDA.
 
   Sylvester, que se recusava a ver a si mesmo como drag queen (a Joan Rivers, quando confrontado com o rótulo, exclamou somente: "I'm not a drag queen. I'm Sylvester!"), será mais conhecido pelo seu sucesso musical de finais dos anos 70, que ainda hoje é um dos maiores êxitos das pistas de dança. Falo-lhes de You Make Me Feel (Mighty Real). A partir de então, a carreira de Sylvester não conheceria outro sucesso tão estrondoso, muito embora o cantor tenha gravado vários álbuns até ao final da sua vida. O último dos quais foi Mutual Attraction, de 1986, que justificou então a comparência do performer no programa de Rivers, por forma a promover o trabalho.
 
Sylvester, algures por 1986
 
    Não há muito material de Sylvester na internet. Tive imensa curiosidade em ver entrevistas suas no Youtube e nada encontrei. A única que há, a Joan Rivers, mostra uma pessoa feliz, delicada no trato e na postura, profundamente enamorada do seu companheiro, Rick Cranmer. Aliás, outro facto caricato é que Sylvester acabou por revelar, à nação americana, a sexualidade do seu parceiro, arrancando risadas da plateia e proporcionando uma brincadeira de Rivers. Por aqueles dias, estávamos na passagem de ano de 1986 para 1987, e Cranmer, o companheiro de Sylvester, já se sabia doente de VIH. Morreria ao largo de 1987. A Sylvester, entretanto, ao menos não parecia haver qualquer inquietude. Vislumbra-se apenas uma pessoa que se diverte em palco, confortável na sua pele e na sua sexualidade, vivendo uma história de amor.
 
    Sylvester, que foi uma das primeiras pessoas a falar do VIH e a actuar na recolha de fundos para a doença, sucumbiria dela. É fatídico. Foi a triste realidade de muitos homossexuais, transexuais, travestis e por aí fora naqueles tempos. Sem qualquer medicação realmente eficaz e sob um enorme preconceito social, o único caminho era a união de todos os que por aquela tormenta passavam. Recorde-se que Ronald Reagan só falara pela primeira vez da SIDA (AIDS, em inglês) um ano antes, em 1985, após a morte de Rock Hudson, um conhecido actor que inclusive pertencia ao núcleo de amigos do Presidente. O desconhecimento acerca da doença imperava.
 
    Julguei conveniente dar-lhes a conhecer um artista que não devia ser tão ignorado quanto presumo que seja.

23 de julho de 2020

Amália, o centenário.


   Assinala-se, hoje, o centenário de Amália Rodrigues. Desde o dia 1 de Julho, decorre um ciclo de espectáculos, iniciativas e encontros evocativos do legado da Rainha do Fado que, pelos próximos doze meses, dará a conhecer mais da faceta pessoal e artística do nome maior que Portugal, pelas artes musicais, exportou.

   Como se tal fosse determinante na avaliação do seu percurso, discute-se actualmente qual a verdadeira convicção política de Amália. Mais uma evidência de um país minúsculo (em todas as acepções) que ainda não está em paz com o seu passado. Certo e relevante é que Amália conseguia chegar aos corações de todos quantos a ouviam, independentemente de idiomas e proveniências. Foi assim com soviéticos e japoneses, emocionados sem entender nada daquilo que a cantora exprimia nas suas actuações. Dispensam-se atitudes redutoras, e nem Amália as merece.




   Por um tempo, houve quem se intitulasse herdeiro de Amália. Verdade se diga, muitas vezes o rótulo era-lhes atribuído sem qualquer manifestação de mera intenção das suas partes. Amália, entretanto, foi mais do que o género musical; Amália foi -é- a personificação do fado. Não deixou descendência. 

  Recordamo-la não apenas pela sua voz, única, como pela sua graciosidade espontânea e postura pública. Amália era toda uma persona singular, nos trejeitos, nas gargalhadas, nos trajes, sem nunca ter perdido a humildade e inclusive ingenuidade de menina que cantarolava e encantava os bairros de Lisboa enquanto vendia laranjas com a mãe e os irmãos.

   Da minha parte, descobri-a no dealbar de uma adolescência que se viria a verificar terrível, e, longe de enjeitar tudo o que fosse popular e nacional, deleitava-me ao som dos belíssimos poemas que entoava, alguns escritos por si. Seria injusto nomear canções. Nas palavras de um dos seus poetas favoritos, David Mourão-Ferreira, os mais belos versos cantados por Amália eram aqueles que haviam saído do seu punho. Uma faceta de cançonetista que muitos desconhecem.

   Amália, enfim, um nome irrepetível que soará para sempre nos nossos corações.

22 de julho de 2020

Um breve ponto de situação.


   A minha estadia em Espanha está prestes a completar cinco meses. Cidadãos comunitários, inclusive, necessitam de dar conta às autoridades espanholas de que passaram a residir em território nacional. Tal implica a emissão de um N.I.E -número de identificación de extranjero-, que já possuo.

  Gosto do meu apartamento aqui. É amplo, arejado, ensolarado. Disponho, aliás, de um escritório confortável e bem decorado (é subjectivo), do qual lhes escrevo. Comprámos dois móveis em bordeaux para os livros. Às paredes, que encontrámos de um verde-alface que nos desgostou, imprimimos uma cor cinzento-claro. O aparador e a mesa de escritório são em preto. Duas reproduções, uma de Sorolla e outra de Delaunay, conferem vida e cor ao espaço. Um antúrio e um apontamento de flores secas dão o toque final. Esta divisão foi completamente idealizada e decorada por nós. Era, com efeito, a única que considerámos mal-aproveitada e manifestamente feia. Não sendo um apartamento luxuoso, é moderno, bem apetrechado, com umas vistas lindíssimas sobre o maciço ourensano.

  A vizinhança é simpática. O lugarejo, como referi noutros momentos, é pequeno. Em todo o caso, há quatro supermercados, várias cafetarias (já sabemos que os espanhóis a levam melhor), duas papelarias-livrarias e algum outro comércio. Vive-se bem. Viver aqui, aliás, é um desafio para mim. Vindo de uma cidade como Lisboa, passar para o meio rural envolverá sempre um período de adaptação, facilitado na medida em que não possa afirmar que tenha sido propriamente feliz ao largo dos últimos anos, admitindo que alguma vez o fui. Para lhes ser sincero, experiencio uma tranquilidade como há muito não conhecia.

  Foi uma reviravolta, absolutamente. Inusitada, porque não programada. Há detalhes a acertar que se prendem ao meu percurso académico, nomeadamente, e a outros aspectos. Resquícios de coisas que deixei para trás, e algumas exigirão uma resposta pronta. Nada de muito difícil, acredito eu. Estou a ser lacónico de forma deliberada.

   O que aperta o meu coração, claro está, é a minha mãe, que ficou por lá. Gostaria de a ter comigo, o que não é possível por ora. Falamos várias vezes ao dia, às vezes por mais de uma hora. Ajuda a matar as saudades. E foi aí que se deu a outra mudança brusca: o corte do cordão umbilical. Está a ser mais fácil do que supus, também porque tenho um apoio bastante forte deste lado. O que não deixa de ser curioso é que a vida se encarrega de nós. Por tantas e tantas vezes me queixei aqui, neste mesmo espaço, de que precisava de um safanão, passo a expressão, e ele lá se deu. No fim de contas, foi bom para ambos, para mim e para ela.

  Desde que aqui estou, leio mais, passo menos tempo na internet. Tenho outras responsabilidades. O cãozinho. E é interessante ir tendo a percepção da mudança. Longe de passar despercebida, quase que a apalpo com os dedos. É uma sensação estranha e simultaneamente excitante, afinal, sou capaz de mais do que julgava. O meu eu virtual deu lugar ao meu eu real, e o eu virtual ocupa o tempo que saudavelmente deve ocupar. 
  É bastante provável que este processo todo tenha pouco de surpreendente e seja comum a muitos, contudo, é algo que me merece esta reflexão.

14 de julho de 2020

Allariz, ¡qué pueblo bonito!


   No domingo passado, a convite de um casal amigo, fomos a uma das vilas mais encantadoras que pude conhecer recentemente: Allariz. Não dista muito daqui, mas ainda exige um percurso razoavelmente moderado de carro para se chegar lá.

   O que mais me seduziu em Allariz foi a sua atmosfera vibrante, natural, com um rio que a atravessa - o Río Arnoia. Por lá, jovens e menos jovens aproveitavam a claridade daquelas águas e banhavam-se. 



  
  As ruas estão impecavelmente limpas. Vim a saber, a posteriori, que Allariz foi, durante anos, governada por nacionalistas galegos, pelo BNG. Compreende-se que o discurso nacionalista aluda ao caso bem sucedido da vila para fazer propaganda pela independência da Galiza.



  Após um mui simpático lanche numa esplanada de jardim, onde pudemos beber algo refrescante e comer gelados de fruta fresca, escolhemos um restaurante à beira-rio, convidativo. A comida, excepcional; o atendimento, bom... A um português, habituados que estamos ao nosso trato formal e distante, os jeitos espanhóis poderão parecer rudes, agressivos. Eu também sou levado, e mal, a pensar assim. São apenas e tão-só diferentes de nós.



  "Primeiro estranha-se, depois entranha-se", diz o povo e digo-o eu. Para o final, o empregado já se desfazia em simpatia, convidando-nos, até, a ficar um pouco mais, assim o quiséssemos, que ainda demorariam a fechar. Os seus derradeiros gestos de acolhimento tê-lo-ão salvado, provavelmente, de uma crítica minha mais contundente pelas redes sociais. Digamos que se redimiu bem.



    Chegámos bastante tarde a casa, contudo, o passeio mais que valeu a pena. Também o Diesel se divertiu com as suas orelhas ondeando ao sabor do vento. Na viagem de regresso, mal se mexia. O cansaço havia igualmente tomado conta de si.



   Se andarem pela província de Ourense, não deixem de conhecer Allariz. Garanto-lhes de que não se arrependerão.

7 de julho de 2020

Tempos difíceis.


     Andava eu perdido nas minhas memórias, hoje à tarde, e dei por mim a reflectir no quão dramático tem sido este século, logo desde 2001, com o ataque ao World Trade Center. No mesmo ano, mais tarde, a Guerra do Afeganistão. Em 2002, tivemos o desastre ecológico aqui na Galiza. No ano seguinte, a invasão do Iraque. Em 2004 e 2005, mais ataques jihadistas na Europa, em Londres e Madrid. Perdi-me. Sei que, pelos anos seguintes, tivemos a intervenção na Líbia, ataques em Paris, na Bélgica, uma crise económico-financeira global que nos levou à bancarrota e à intervenção externa... Um sem-número de peripécias. Não bastando, agora, uma pandemia de um vírus misterioso. Ontem mesmo, li sobre ameaças de surtos de peste negra na China, uma doença bacteriana que actualmente é facilmente curável. Aonde iremos parar?

    Há um ano por estes dias, imaginávamos que estaríamos assim? De máscaras sanitárias na cara e gel nas mãos (e que tanto pão têm dado a comer a quem vive disso)? Temos mais do que razões para temer o futuro próximo. O apocalipse, retratado na sétima arte e na literatura, cada vez mais é uma fantasia que assumimos como possível, vistas as coisas. Não querendo ser fatalista, que epidemias, crises e guerras houve muitas, o que temos, efectivamente, é a escalada galopante na sucessão de acontecimentos. E ainda só levamos vinte anos! Nas guerras, dispomos hoje de arsenal bélico capaz de destruir o planeta em menos de nada. As crises levam ao endividamento praticamente crónico das famílias, ao surgimento de bolsas de pobreza que torturam as pessoas e as impedem de competir num sistema tão exigente, impiedoso e avassalador. As doenças, bom, pense-se no globalismo e na facilidade com que qualquer vírus, à mercê da democratização no acesso às viagens, tem de se propagar de um continente para o outro e o outro em poucas horas.


  Acreditávamos -os que perdiam tempo com isso- que provavelmente desapareceríamos como os dinossauros, devido ao impacto de um meteorito; quiçá quando o Sol deixasse de consumir hidrogénio, aumentasse de tamanho e, por fim, explodisse e engolisse a Terra; ou ainda com o dito aquecimento global, que inviabilizaria a manutenção da vida tal qual a conhecemos. Afinal, a hipótese parcamente especulada de doença pandémica começa a ganhar forma. Quando surge uma doença nova, multiplicam-se as exigências de vacinas. E se elas nem sempre chegarem? Veja-se o VIH/SIDA, cuja cura foi dada como garantida durante anos, e que só ao fim de mais de 30 milhões de mortos conseguimos torná-la crónica, não obstante, com todos os condicionamentos.

   De um lado, gozamos de liberdade como nunca antes se vira. Saímos e gostamos de sair. Vivemos melhor, o que se traduz em férias que os nossos avós nem sonhariam, idas a restaurantes, bares, ginásios. Do outro, é bastante provável que tenhamos de aprender a viver com restrições, mais isolados. É nesse confronto e nessa contradição -liberdade e reclusão?- que se jogará a nossa sobrevivência.

5 de julho de 2020

Nintendo Switch.


   Em Março, ainda antes do confinamento forçado e forçoso, comprei uma Nintendo Switch, a última consola de jogos da Nintendo. A bem dizer, última porque é a mais recente, que a consola já tem uns anos. Recentemente (2017/2018), a Nintendo (re)lançou a Nintendo e a Super Nintendo Classic Mini. Adquiri ambas.

    As consolas de jogos da Nintendo fizeram parte da minha infância. Tive várias, desde as velhinhas NES e SNES até à (também velhinha já) Nintendo 64. Em 2003, por pouco não comprei a Nintendo GameCube. Acabei por não o fazer porque o funcionário do El Corte Inglés nos aconselhou, a mim e aos meus pais, a comprar a PlayStation 2. Uma escolha errada, como se viria a verificar. Nessa consola da Sony, apenas joguei um único jogo, o Ratchet e Clank 2. Comprei o terceiro jogo da saga, contudo, não o terminei. Adiante. Mais tarde, afastei-me das consolas, e perdi aquele período da Wii e da Wii U. Acredito francamente que a separação dos meus pais e toda a instabilidade  e turbulência emocional do período 2006/2010 para isso tenham contribuído. A faculdade e as novas exigências levaram a que, definitivamente, deixasse de me interessar por jogos. As redes sociais serão outro motivo.



  Interiorizei que, afinal, a minha cena, em linguagem juvenil, é a Nintendo e os seus jogos, particularmente, ou apenas, os do Super Mario. Adoro o universo do Mario e dos seus companheiros. Neste momento, desde Março porque acumulo o jogo com leituras, brincadeiras com Playmobil e outras actividades, ando a jogar o New Super Mario Bros U Deluxe, uma versão moderna do Super Mario Bros 3, considerado pela crítica especializada como um dos melhores jogos de sempre (da lista, entre mais um ou outro do Mario, consta ainda o Super Mario 64, que adorei igualmente). No New Super Mario Bros Deluxe, temos, como noutros jogos da saga Super Mario, de salvar a Princesa Cogumelo das garras do arqui-inimigo do Mario, o Bowser. Para isso, claro está, há que ultrapassar uma série de níveis inseridos num universo de mundos.

   O que me atrai tanto nos jogos do Mario é a continuidade que a saga mantém desde o primeiro jogo, lançado lá por 1985. Há as eternas semelhanças nos inimigos (os Goombas, entre tantos outros), nos itens que se ganham (os cogumelos, que nos permitem crescer; as flores, que nos conferem a capacidade de lançar bolas de fogo...), nos personagens, no design... Cada jogo parece -e é- uma versão refinada e nova dos antigos, o que à primeira vista pode parecer aborrecido, mas que para mim, no inverso, é altamente estimulador. 

   Logo que termine o NSMBD, tenho outros dois à minha espera, e são eles o Super Mario Maker 2 e o Super Mario Party.

   A avaliação que faço da Nintendo Switch é positiva. Foi excelente a ideia de tornar a consola num 2em1: fixa e portátil, ou seja, é tendencialmente portátil; quando a inserimos no carregador, torna-se fixa, e assim podemos ligá-la ao televisor. Apenas me aborrece a multiplicidade de comandos quando queremos jogar com mais um jogador. A parte do tira-comandos e põe-comandos é um tanto ou quanto stressante, uma vez que há que configurá-los. Claro, o lado bom é que, caso algum se estrague, podemos comprar outro sem que isso afecte a consola em si. O NSMBD é um jogo 2D. Temos mais um motivo que nos leva a regressar ao passado, isto para quem, como eu, tem uma estória com os jogos do Mario.

    Há mais fãs do universo Nintendo e, em particular, do Super Mario por aí?