Mais uma falha, quiçá. O 1984 é um daqueles clássicos que devemos ler logo assim, à primeira, quando nos iniciamos nas leituras sérias do período pós-adolescência, no entanto, no meu caso, provavelmente pelas convulsões de dito período e pelo assédio das redes sociais mais tarde, acabou por não acontecer.
Orwell cria uma sociedade distópica e totalitária que, julgamos, já não faz muito sentido com o fim da União Soviética. Mas faz. A Rússia continua um autoritarismo, temos a China, e temos tantas outras sociedades espalhadas pelo mundo onde se desrespeitam os direitos humanos mais elementares. Na Oceânia de Winston, o indivíduo não existe como tal. Ou é força de trabalho (prole), ou trabalha na máquina do estado. Ainda assim, o que me perturbou mais de todo aquele terror não foram, curiosamente, as torturas e assassinatos políticos, senão a eliminação da História e de todos os factos embaraçosos para o Partido. Eliminava-se e já está. Não se limitavam a, suponhamos, eliminar uma pessoa; eliminavam tudo o que lhe dissesse respeito, toda a memória histórica, e era como se nunca tivesse pisado a Terra. Manipulavam todos os factos históricos, destruíam os que não serviam os propósitos do Partido. Foram além disso, criando uma língua tão primitiva que, no limite (e aí sim vi a sátira de Orwell), os levaria, àquelas gentes do superestado, a emitir simples grunhidos. Eliminando-se palavras, eliminava-se o que elas significavam; reduzia-se o pensar ao máximo. A própria ideia de transgressão deixava de fazer sentido, ao se perderem os instrumentos que nos podem levar a maquinar, engendrar, a transgressão. Entrava-se, como nunca se fez, no último recôndito intransponível do indivíduo: a sua consciência do seu estado e entorno.
Só não direi que ler esta obra-prima teria quase que ser obrigatório porque não - devemos ter a liberdade de escolher o que queremos e não queremos fazer.