As lembranças. Elas trespassam-me como a luz no vidro. O eterno paralelismo com a pessoa que era imediatamente antes da separação dos pais e após. As imagens, que eram nítidas, começam a ficar esbatidas, como aquelas velhas fotos que passam de mão em mão. Os pormenores fogem à minha concentração. Ainda assim, e nove anos volvidos desde o início das hostilidades, vejo roupas, refeições, semblantes, dor. Indiferença. Consigo sentir a desconstrução do que julgava sólido. E não exagerarei se disser que perdi o pé.
Era novo, demasiado ingénuo para perceber o que se passava. Julgava uma fase, como outras, de maior animosidade. Ou tampouco tinha opinião formada. Limitava-me a viver nesse manto de abstracção que me proporcionava a idade. O pouco conforto que conseguia extrair do que me rodeava provinha daí e de alguns sonhos que pairavam como uma nuvem branca, isolada, no meio do céu carregado.
Não me questionaram acerca das minhas necessidades, dos receios. Do impacto que o turbilhão teria na frágil estabilidade emocional. Que nunca pedi sacrifícios de maior. Só cautela e cuidado. Foram céleres em desatar os laços. E, aí, tenho a agradecer. Um golpe único, certeiro, consegue ser um acto de misericórdia.
Desconheço o que me leva a manter algumas tradições que já não farão sentido. O espírito de época, não tendo ainda esse soçobrado diante da realidade. Uma luta em vão, a de cultivar a aparência de normalidade, de comunhão, que não existe mais. Que, porventura, haverá cada vez menos.
A hora dos silêncios, perturbados pelo som dos meus passos. Da casa vazia, inabitada. Imaculada e disfuncionalmente arrumada. Pelos corredores ecoam as vozes do passado. Onde fiquei.
Desconheço o que me leva a manter algumas tradições que já não farão sentido. O espírito de época, não tendo ainda esse soçobrado diante da realidade. Uma luta em vão, a de cultivar a aparência de normalidade, de comunhão, que não existe mais. Que, porventura, haverá cada vez menos.
A hora dos silêncios, perturbados pelo som dos meus passos. Da casa vazia, inabitada. Imaculada e disfuncionalmente arrumada. Pelos corredores ecoam as vozes do passado. Onde fiquei.