Como previa, os últimos dias têm sido atribulados. O novo regulamento de avaliação, já por mim abordado aqui, introduziu alterações que a todos surpreenderam, com a possibilidade que conferiu de que possamos terminar as disciplinas já em Dezembro, contornando os típicos exames finais de Janeiro. Podendo estar repleto de boas intenções, há sempre vozes discordantes. Em rigor, o novo regulamento privilegia o designado método A, ou seja, o método da avaliação contínua, dos alunos que frequentam as aulas e têm um aproveitamento satisfatório. O meu caso. Reduziu a quantidade despropositada, eu diria, de testes, remetendo as últimas avaliações para o final deste mês. Num ápice, e em duas semanas, temos de realizar os ditos testes. Trata-se de avaliações do ensino superior, num último ano de licenciatura, em que o grau de exigência é máximo, procurando-se aglomerar um pouco de tudo o que foi leccionado nos anos anteriores. O que vulgarmente se chama de "apanhado". A par dos trabalhos que temos vindo a realizar, o mais engraçado deste ano são as audiências judiciais. A faculdade dispõe de uma sala de audiências onde nos introduzem ao que será o futuro de muitos, não o meu, seguramente.
Na quinta-feira tive um teste. Correu razoavelmente bem. Em vernáculo, espalhei-me ao comprido na resolução do último parágrafo do caso prático. É facto assente. Minutos após a entrega, apercebi-me do erro, que posso assegurar grosseiro. Nem quero imaginar as repercussões que terá na nota, mas é mais do que certo de que não evitarei o exame final. A prova era controvertida e o professor não agiu de boa-fé, devo dizer. Foi-nos comunicado de que sairiam dois casos práticos, sem perguntas teóricas; saiu um caso prático e duas perguntas teóricas, uma que incidia sobre matéria que não está no programa da cadeira. Um absurdo que já levou a uma espécie de petição contra.
Ontem tive mais uma avaliação. Substancialmente melhor do que a outra, não deixou de ser complicada. É difícil ajuizar quanto ao grau de dificuldade, sobejamente presente em ambas. Talvez estivesse melhor preparado. Por curiosidade, teve uma componente algo divertida e que me ajudou a relaxar. Por uma questão de estratégia, visto que o regulamento nos permite, decidi fazer a prova no horário nocturno. Fico com uma tarde livre que será de especial valor neste momento.
À noite, o ambiente é diferente. Há pessoas de alguma idade e imensos jovens, bem mais do que poderia supor antes de ter começado a frequentar também as aulas da noite, neste ano. Foi o primeiro teste que fiz com eles. Uma balbúrdia e muito copianço. Quando eu, na minha ingenuidade, não poderia imaginar que à noite conseguissem suplantar a ousadia dos alunos de dia, deparo-me com cenas indescritíveis que, não fosse o momento de especial fragilidade física e emocional por que ando a passar, levar-me-iam a críticas acérrimas e contundentes neste mesmo texto. Vi de tudo, de tudo. Desde livros abertos praticamente na cara dos assistentes, a papelinhos a circular, comentários, alunos voltados a fazer perguntas aos que estavam atrás. Vejam, minhas senhoras e meus senhores, os futuros juristas, procuradores, advogados, juízes, ministros, secretários de Estado de amanhã... Não se espantem com o célebre caso do CEJ (para os mais distraídos, o escândalo dos alunos do Centro de Estudos Judiciários - instituto que forma juízes - que foram literalmente apanhados a copiar); a tendência começa mais cedo, na licenciatura, e aprende-se ali.
Como referi, houve uma componente agradável. Um rapaz, aluno da noite, costuma sentar-se não muito afastado de mim nas aulas plenárias a que assisto. E às vezes olha e olha... Nunca liguei. Atentei na sua simpatia, que já nos cruzámos a saída do banheiro e cedeu-me a passagem, atitude que repetiu numa aula há tempos. Leva-me a crer que teve uma boa educação. Será da minha idade, porque mais novo é impossível, a menos que tenha entrado antes dos dezoito. O cabelo já está fraco. De tez clara, é loiro, baixo, não sendo um sex symbol para muitos. E para mim também não, que sinceramente não reparo em ninguém. Tenho um feitio muito peculiar no que diz respeito a estas questões.
Sentou-se ao meu lado. Bom, com um lugar de intervalo, como todos, imposição mais que compreensível. Cinco ou dez minutos depois, começou. Perguntou-me tudo, tudo. Baixava a cabeça e fazia-me perguntas, sussurrando. Achei um piadão. Relembrou-me imenso o R., o meu colega, estão recordados? E mais colegas que, ao longo do curso, me faziam perguntas durante os testes. Com o R., ficava incomodado. Era dois anos mais novo, psicologicamente mais forte, menos melancólico... Cheguei a chamá-lo à atenção. A este rapaz, olhem, disse tudo. Escrevi, inclusive, os artigos e alguma doutrina num papel e entreguei-lhe, podendo ser apanhado a fazê-lo. Os assistentes eram dois e estavam atentos. Não pensei. A minha consciência levou-me a proceder assim e não me arrependo. Provavelmente é um desleixado que não se aplica, não estuda, diverte-se e pouco se importa com aquilo, mas fiz e estou de bem comigo. O rapaz estava deliciado e feliz. Eu só sorria para o lado oposto. Lá acabámos e, com uns pós mágicos, entregou e saiu. Entreguei de seguida. O assistente tem-me em especial consideração. Participo muito nas aulas dele... O que não participo nas aulas do outro!
Cá fora, veio agradecer-me. Não o fiz com essa expectativa ou esperando que tivesse qualquer atitude de gratidão. Quando saiu, saiu, nem pensei mais no assunto. Não. Estava à minha espera. Apertei-lhe a mão, sorrimos e ele seguiu o seu caminho.
Na vinda para casa, pensei: "Tê-lo-ei ajudado porque me cedeu a passagem em algumas situações?" (...) "Terei, mesmo sem percepção disso, simpatizado com ele por manifestar alguma atenção para comigo?". Cheguei à simples conclusão de que não. No liceu, ou há dois anos, poderia fazer o mesmo e jamais o ajudaria. Talvez olhasse com desprezo e revolta.
Ainda terei mais dois testes. Só quero que a semana passe depressa. Entretanto, o P. perguntou se podemos estar juntos no sábado e ainda tenho de ir comprar os meus presentes e os de alguns familiares, aos quais, por simpatia, a outros por carinho, gosto de oferecer. E um presente para o P.
Depois desta maratona, a paciência e a vontade estão nos píncaros. Que época!