29 de janeiro de 2021

O descontrolo.

 

   O que temos assistido em Portugal enche-me de vergonha. As filas intermináveis de ambulâncias à porta dos centros hospitalares, doentes e profissionais de saúde sem comida nem água por horas a fio, casos de corrupção nas listas para a toma das vacinas, que envolvem autarcas e párocos, inclusive. Qualquer país está sujeito a um agudizar da situação, todavia, não deixo de me perguntar como é que um modelo na gestão da pandemia se torna no país com piores indicadores do planeta. Só vejo um responsável: o governo de António Costa, que falhou em toda a linha. 

   Recordo-me de ver o primeiro-ministro a brincar com as medidas de restrição em algumas freguesias de Lisboa; enquanto isso, o vírus preparava-se para o assalto final no início deste ano. No Natal, uma vez mais, permitiram-se as reuniões familiares e a circulação, medidas populares para não provocar o descontentamento. Há culpa do governo, sim, e das pessoas, que não se deram conta do que estava em causa; que são pouco exigentes consigo e com o que esperam de quem as governe, ou seja, nenhum azo a que pudesse haver um relaxamento, por assim dizer, nas medidas de controlo face à pandemia.

  A pandemia, como venho dizendo, só veio pôr (ainda mais) a descoberto as carências do Sistema Nacional de Saúde, que não é recente, que leva décadas, e que põe Portugal entre os piores países no que respeita à assistência sanitária na Europa.

   E como um mal nunca vem só e o descontrolo é total, ironia das ironias, vota-se hoje, em votação final global, a lei da eutanásia. Com tantos a morrer vitimados pela pandemia, o momento não podia ser pior. Daria vontade de rir se não fosse tão grave, se não estivéssemos prestes a ultrapassar um limite intransponível: a retirar dignidade à vida humana, a permitir que se matem pessoas alegando que aquelas vidas, por mais fragilizadas, por estarem no seu fim, valem menos. E tudo com a bênção do Estado, o maior assassino.

26 de janeiro de 2021

As Presidenciais - A análise.


   Sem grandes surpresas, Marcelo conseguiu ser eleito à primeira volta. A dúvida que se gerou ao longo da noite eleitoral prendeu-se sobretudo à possibilidade, que se não veio a verificar, de André Ventura conquistar um segundo lugar, colocando-se na dianteira face aos demais candidatos. Ana Gomes, entretanto, foi-lhe levando vantagem. Eu segui as emissões especiais em directo, mesmo estando fora do país, com bastante entusiasmo. Este acto eleitoral muniu-se de certas especificidades que o tornaram único, mas creio que não irrepetível, na política portuguesa. O elemento inovador foi André Ventura, que obrigara, já nos debates, os seus adversários a adoptar uma postura incomum na política portuguesa. O alarmismo que provocara levou a uma confluência de esforços da esquerda em Ana Gomes, para roubar, por assim dizer, o segundo lugar, esse patamar psicológico, a Ventura. Tiveram êxito. A maior prejudicada foi Marisa Matias, a quem nem o golpe de publicidade do batom salvou do desaire.

  Os números da abstenção não foram mais alarmantes do que geralmente são, atendendo à actual conjuntura. Os cidadãos até se mobilizaram. Pudemos ver filas intermináveis nas maiores freguesias do país. Foi a maior desde 76, em presidenciais, números que provavelmente encontraríamos  em circunstâncias normais.

   No Alentejo, tradicional bastião comunista, André Ventura ficou à frente do candidato apoiado pelo PCP. Curioso dado, digno de uma análise de sociólogos e politólogos. O discurso de Ventura será bem recebido pelas populações menos escolarizadas e rurais, mais susceptíveis ao populismo. Ventura que, no dia de hoje, tem um peso eleitoral bem mais significativo do que nas legislativas. Segundo a sondagem avançada pela Universidade Católica para a RTP, se tivéssemos eleições legislativas agora, o CHEGA seria a terceira força política com maior representatividade parlamentar.

  Mayan Gonçalves, numa tendência que vinha dos debates, teve, quanto a mim, o melhor discurso da noite a seguir ao do presidente reeleito. A inexperiência com as câmaras de televisão e a sinceridade das palavras aumentaram-lhe os votos e conquistaram-lhe ao menos a simpatia das pessoas. Gomes, sobranceira e arrogante, manteve o registo habitual, Ventura gritou, pronunciou treuze e intimidou o PSD, e  Marcelo, responsavelmente, começou com a pandemia, que praticamente lhe preencheu todo o discurso. Contido, sem qualquer manifestação de entusiasmo, foi o que se esperava dele. Venho-lhe sendo crítico, mas, quando há que dar o braço a torcer, não nos fica outra alternativa. Gostei de o ouvir.

  Salpicadas por alguns fait-divers que me animaram no Twitter, estou em crer que estas eleições acarretaram uma mudança no modo como se fazia política em Portugal. Pessoalmente, foram as primeiras eleições em que participei estando no estrangeiro. Votei no vice-consulado de Portugal em Vigo.

15 de janeiro de 2021

O descrédito e a descrença.

 

    Há dias, o Governo português e o Presidente da República anunciaram um novo confinamento da população portuguesa, com algumas características que o diferenciam do primeiro, no ano passado. A mais significativa delas é a manutenção das creches, das escolas e das universidades abertas. Um absurdo que inclusive foi manchete aqui em Espanha por isso mesmo, por ser um absurdo. Não está tanto em causa que os jovens sejam menos afectados pelos efeitos do vírus, mas a sua capacidade de continuar a infectar os mais velhos, isto é, pais, avós etc.

    A segunda estupefacção vem da data das eleições presidenciais. Houve quem a quisesse adiar, há quem a queira manter. Parece que se mantém por imposição constitucional. Agora, como é que se explica aos cidadãos um confinamento para travar o avanço da infecção com a excepção para o exercício do direito de voto? Valerá a pena correr riscos para votar? Espera-se uma abstenção ainda maior, ou talvez não, que a populaça pode aproveitar o acto eleitoral para esticar a perna.


    Portugal segue e seguirá no desnorte. Dos debates que não analisei aqui e do grande debate com todos os candidatos presentes, o que se extrai é o de sempre: promessas, manifestações de boa vontade e análises inúteis à situação do país, que de resto todos conhecem. Desta vez, entretanto, o populismo -de todos os lados- atingiu proporções estratosféricas. Tiago Mayan Gonçalves parece-me o mais lúcido na análise que faz de Portugal: uma economia estagnada pelo peso excessivo do Estado que castra completamente o investimento. Os países mais desenvolvidos são, efectivamente, os que promovem políticas mais liberais, e hoje, como no passado, Portugal viu-se ultrapassado pelo mesmo factor. Neerlandeses e ingleses, sobretudo, pelo dinamismo do seu comércio marítimo e pela liberdade das suas companhias comerciais deixaram para trás os atávicos Portugal e Espanha, dependentes excessivamente das respectivas coroas. É quase um lema liberal, que nunca é demais repetir: não é o Estado o motor da economia, não é o Estado que produz riqueza; são as empresas, as pessoas, e quem se quer estabelecer e produzir deve gozar de incentivos e benefícios. O peso dos impostos e das taxas nas empresas e nos cidadãos, em Portugal, é um cancro que destrói qualquer aparência de bem-estar. Não existe. Enquanto aquele país tiver um Estado omnipresente, terá níveis alarmantes de corrupção, uma burocracia fustigante e seguirá como o país mais pobre da Europa, e já se ultrapassou o ocidental; da Europa como um todo, continente.

12 de janeiro de 2021

Campanha de vacinação.

 

    Amanhã, começa a campanha de vacinação do pessoal sanitário na Galiza. Eu não sou médico, não sou enfermeiro, não trabalho na área da saúde, mas o meu marido sim. Ele vai-se vacinar, e eu respeito a sua decisão. Claro está, a decisão de tomar ou não a vacina é inteiramente pessoal. Quando chegar o momento de vacinar os cidadãos, eu não serei vacinado. Não nego o vírus, não nego o profissionalismo e a competência -a idoneidade- dos cientistas envolvidos na elaboração das vacinas, mas decidi, e a isso tenho direito, não administrar no meu corpo uma substância na qual não confio. Dizê-lo nas redes sociais é quase o mesmo que pôr a cabeça no cepo. As pessoas julgam que recebem a vacina e pronto, a vida volta à normalidade. A sua verdadeira preocupação não é o poder contagiar familiares e amigos, não, nem ser um potencial foco de infecção; daquilo que me apercebo, o que a maioria deseja é poder voltar à rotina de convívio e saídas. É o egoísmo a funcionar, como sempre. No fundo, com cada um a pensar em si, no limite estaríamos a pensar em todos, mas o raciocínio e a lógica não são esses.

   Pois que se vacinem, entretanto, respeitem quem não o quer fazer. Eu protejo-me, logo, protejo os outros. Conviver, pouco, que já de mim sou avesso ao contacto social. Da mesma forma que defendem a livre disposição do corpo para abortos e eutanásias, que a defendam também nesta matéria.

8 de janeiro de 2021

Os debates das presidenciais (II).


    Vêm-se sucedendo mais debates presidenciais. Algo que tem caracterizado este acto eleitoral, e que jamais acontecera até então, é a deterioração do espaço de opinião plural e democrático. Pelo menos em dois deles, assisti a insultos e provocações mais do que a uma troca de ideias que contribua para o esclarecimento dos eleitores.

    André Ventura tem sido o principal protagonista desta série de confrontos. Na minha perspectiva, conseguiu levar a melhor a Marisa Matias, e não fosse a esperteza política de Marcelo Rebelo de Sousa e ter-se-ia repetido o mesmo consigo. Marisa Matias, no cara a cara com Ventura, recorreu a algumas das armas do oponente, como a calúnia e os ditos e mexericos. Saiu-se mal. Não se trata de um estilo seu. Foi uma adaptação forçada em face do que aí viria. Repetiu-se praticamente o que havíamos visto no debate do líder do CHEGA com João Ferreira, porém, com menos gritaria. Debates assim, que não o são, não ajudam em nada o eleitorado e são sempre negativos para os políticos, a menos que vivam daquele estilo. Ventura vive dele. Está na sua praia. Naquele registo, ninguém lhe leva a melhor.

     Marcelo, por seu turno, e com as sondagens a garantir-lhe uma vitória folgada, tem-se passeado pelos debates, e só com Ventura se viu obrigado a pôr as garras de fora. Mais troca de acusações, mais casos e casinhos, parafraseando Marisa Matias, mas não se pode dizer que o professor tenha ganhado. Viu-se em esforço para não ser trucidado por um Ventura cada vez mais seguro de si.

    Num estilo radicalmente oposto, Tiago Mayan Gonçalves vem marcando pontos. Sereno, procura explicar as suas ideias, confronta os adversários e nunca o vemos perder a pose circunspecta. No confronto com Ana Gomes, de quem falarei adiante, pudemos assistir a um embate entre o socialismo e o liberalismo, cada um esgrimindo os seus argumentos. Foi dos debates mais interessantes do ponto de vista ideológico, a par daquele entre Mayan Gonçalves e João Ferreira. Nos dois casos, pesou mais a importância que cada um dava ao papel do Estado no sector económico, sobretudo.

     Ana Gomes mantém uma postura sobranceira que me repele. É ágil na argumentação e vê-se que se prepara bem. Há ali estudo feito. Quanto a mim, o que a prejudica é a impulsividade e a incerteza naquilo que viria a ser a sua actuação caso fosse eleita. Hoje mesmo, estará frente a frente com Ventura. Espero outro chorrilho de acusações e mais gritaria. Pode ser que me engane.


     Como  presumo ter dito na anterior publicação, não tenho visto todos os debates. É provável que o faça. Até lá, fica o essencial do que retive.

5 de janeiro de 2021

Os debates das presidenciais.

 

   Os debates das eleições presidenciais começaram há uns dias. Estas coisas costumam interessar-me, e este ano também, mesmo já não estando em Portugal. Volta e meia, forço uma indiferença que não existe. Há cinco anos, justamente quando Marcelo foi eleito, fiz uma extensiva análise aos debates que houve, e se bem me recordo foram muitos. Desta vez, não o farei exaustivamente, destacando apenas o que me parece relevante.

   O elefante na sala é André Ventura. Não nos estranha, quando se espera que o CHEGA aumente em muito a representatividade parlamentar numas futuras legislativas. Ora, não é isso que está em causa de momento, mas o CHEGA e André Ventura confundem-se. Espera-se igualmente que André Ventura tenha um resultado superior a Ana Gomes ou Marisa Matias. Todos os candidatos, excepto talvez Marcelo Rebelo de Sousa, sentem essa necessidade de recorrer ao medo para se demarcar e para diminuir o ex-militante do PSD junto do eleitorado. Eu tenho para mim que é uma faca de dois gumes...

    Vi o debate de Ventura com João Ferreira do PCP e fiquei mal impressionado. Com a moderadora, sobretudo, que foi um peso morto. Chamar àquilo debate é muita bonomia. Não considero sequer que tenha sido útil para o eleitorado. É, aliás, discutível se um debate entre um candidato do PCP e um do CHEGA fará sentido. São partidos e ideias diametralmente opostos. André Ventura disparou para todos os lados. Ferreira deu o corpo às balas.

   Vi também o debate entre Marcelo Rebelo de Sousa e Marisa Matias. Marcelo foi de um paternalismo exagerado, e Marisa Matias mais parecia uma aluna pouco à vontade com o charme do Senhor Professor.

     O terceiro debate a que assisti enquanto realizava outras actividades foi o de Marcelo com Tiago Mayan Gonçalves do Iniciativa Liberal, que foi impreparado e escorregou demasiado em temas atinentes ao poder executivo. Foi o debate, dos que vi, em que mais se falou de competências do Governo, quando está em causa uma eleição presidencial no quadro das valências que a Constituição Portuguesa quis atribuir à figura do Presidente da República. Esse será o maior óbice aos candidatos, porque a figura Presidente da República, em Portugal, tem uma área de actuação ainda relativamente cinzenta, em que tão-pouco há consenso entre os constitucionalistas. Se algumas competências são de fácil conformação porque resultam da letra da lei, há uma margem de actuação discutível, a mais num cargo altamente personalizado como o é o de Presidente da República. A constituição francesa, num exercício de direito comparado, não investe o chefe de estado de mais competências do que a nossa, mas a verdade é que a prática constitucional tem sido outra, e o presidente francês, no dia-a-dia da nação, tem mais poderes. Há por cá quem defenda que não resulta da nossa Lei Fundamental um Presidente substancialmente diferente do francês, ou seja, por outras palavras, que há margem para que o titular do cargo seja mais interventivo na condução da vida política do país.

     Para terminar, o debate entre Marisa Matias e Ana Gomes. Eu não gosto do estilo pessoal e da postura de Ana Gomes, que me parece de uma arrogância mal dissimulada. Pareceu-me melhor preparada do que Marisa Matias, pela idade, direi eu, pela experiência política, que ambas têm um percurso que se cruza nas instâncias europeias. Têm agendas parecidas, o que não abonará a favor de Matias. Sendo ambas do mesmo espectro político, a prioridade é ressaltar as diferenças, o que a candidata do Bloco de Esquerda desperdiçou. Foi displicente ou simplesmente incapaz.

     Os grandes debates ainda estão por vir. Refiro-me a Marcelo vs. Ventura, Marcelo vs. Ana Gomes, Ana Gomes vs. Ventura, os principais, e depois Matias vs. André Ventura e quiçá Mayan Gonçalves vs. Ventura. Repare-se em como André Ventura está em todos, excepto um.

2 de janeiro de 2021

Carlos do Carmo (1939-2021).

 

   O ano começa assim, com uma morte de rompante, e não uma morte qualquer: Portugal vê partir um dos seus nomes maiores da cantiga popular, o fado. Foi, no masculino, o que Amália foi no feminino, com todo o reconhecimento nacional e internacional. Estas comparações valem o que valem e há quem não goste nada delas.

  Não sou conhecedor e nem fã de Carlos do Carmo. Conhecerei aquelas duas canções mais emblemáticas da sua carreira. Nem sequer sei o nome dos títulos. Presumo que Os Putos, e a Lisboa, menina e moça. A minha indolência não me permite sequer ir ao Google confirmar se estão correctos. Em todo o caso, sabia-o um grande vulto, estimado pelos portugueses, consensual, um símbolo do fado. Também o associava a um estilo pessoal contido, sóbrio, pragmático. Aquilo a que vulgarmente o povo chama um senhor. Pois bem, foi um senhor que morreu, que certamente deixará saudades entre quem o estimava e que será recordado pelas cantigas que deixou e que pertencem ao nosso legado artístico do século XX.


   Até sempre.