Terminei há uns dias um livro extremamente útil para se conhecer a realidade sociocultural da Índia. O deus das pequenas coisas foi publicado em 1997 e, no mesmo instante, tornou-se num enorme sucesso literário pelo mundo fora, rendendo à sua escritora, Arundhati Roy, o Booker Prize. É a estória de dois irmãos gémeos e a sua mãe que, por circunstâncias menos felizes (fatídicas), se vêem afastados, e são-no sobretudo pelo contexto em que se inserem. São-no porque vivem num país que, naquela época (e que hoje continua a fechar os olhos), permitia o iníquo sistema de castas; uma sociedade pejada de complexos de todo o tipo, onde uns se julgavam mais do que outros, porque tinham sangue inglês, costumes britânicos, ou inclusive porque professavam o cristianismo. Juntou-se o mau ao péssimo. Aos preconceitos seculares (milenares?) da sociedade indiana, o racismo institucional e social que era prática comum entre os britânicos, e que o levaram para a Índia junto ao colonialismo, perdurando além do seu fim. No meio de tudo, dois meninos e a inocente Ammu são apanhados com os seus sonhos, os seus atrevimentos, as suas brincadeiras, ousadias, e as tentativas maliciosas, cínicas, de se recompor, coser, o que está (estaria?) mal. Remendos num tecido velho. Remendos que destroem vidas, irremediavelmente, irreparavelmente.
Uma Índia de fortes contrastes sociais. É, em suma, uma crítica rotunda, taxativa, à Índia injusta, que vira a cara às suas misérias e aos mais desfavorecidos em razão da sua ascendência ou posição social, que se consome a si própria e ao seu povo, extremamente diversificado cultural, linguística e religiosamente. A política e o confronto ideológico atiçaram ainda mais o lume naquele gigantesco mantra em combustão.
Li-o em castelhano, embora também tenha uma edição em galego. Avancei já para o Ulisses, de James Joyce, uma obra complicada, intrincada, que exige atenção e, sobretudo, maturidade, e cuja tradução do inglês envolve muita perícia e astúcia.