30 de janeiro de 2014

Liebster Award


   O Eolo, do blogue 'Os Sabores do Vento', atribuiu-me gentilmente este desafio, subvertendo um pouquinho as premissas do mesmo, nomeadamente de não poder contemplar blogues com mais de duzentos seguidores, demonstrando assim a sua tão saudável irreverência. Em primeiro lugar, temos de enumerar onze factos pessoais; de seguida, responder às perguntas feitas por quem atribuiu o desafio.

   Estes desafios eram muito habituais aqui há uns anos. Ajudam a descontrair e, sobretudo, a dar a conhecer pormenores interessantes (ou não) de cada um.

   Os onze factos:

1. Não consigo dormir às escuras. Tenho, desde criança, um pequeno candeeiro que me ajuda a adormecer. A sua luz é fraca o suficiente para me deixar descansar e ilumina o bastante para que, abrindo os olhos, possa ver o quarto.

2. Nunca usei chupeta. A mãe, a babá, etc, colocavam-me a chupeta e eu cuspia-a de imediato.

3. Tenho um pavor enorme a cães de grandes dimensões. Poderão ser mansos, mas, só de os sentir por perto, entro quase em pânico.

4. Sou asmático desde que nasci. Uma forma moderada-grave de bronquite asmática que quase me ceifou a vida aos dois anos de idade. Daí para cá, sou acompanhado por um dos melhores alergologistas do país, que conseguiu controlar a doença, diminuindo as crises e proporcionando-me uma melhor qualidade de vida. Tomo medicação de prevenção. As crises persistem, contudo, a sua gravidade não se compara à de outrora.

5. Já li o Corão todo. Demorei alguns meses e fi-lo espaçadamente.

6. Nunca bebi álcool ou fumei.

7. Tenho carta de condução há anos, mas raramente conduzo.

8. Nunca usei o cabelo muito curto, excepto quando, aos quinze anos, num ataque de rebeldia (o máximo que os meus ataques provocaram), entrei num salão qualquer e rapei-o a pente um. A mãe ficou possessa porque nunca me fez cortes curtos - odeia o seguidismo, como eu. Vendo as fotos dessa época, até nem me ficava mal.

9. Tive três 20s de nota final num único período lectivo, feito até então (e creio que se mantém) inédito no colégio que frequentei.

10. Nunca quebrei ou desloquei qualquer osso ou fui suturado.

11. Odeio chocolate.


   Seguem-se as perguntas do Eolo:

1. Identificas-te com alguma personagem de ficção?
R: Não.

2. Se pudesses alterar o fim de alguma história, como seria?
R: De ficção, não faço a menor ideia. Real, ui, tantas. Impedia que D. Pedro II tivesse usurpado o trono ao irmão, D. Afonso VI. LOL

3. Qual o comportamento que te irrita?
R: Ser-se banal e corriqueiro. Vulgar.

4. Se o dinheiro não fosse obstáculo, qual seria o objecto de luxo que adquirias?
R: Não sou muito materialista no que diz respeito a objectos de luxo. Não sendo um objecto, adquiriria um apartamento em Nova Iorque.

5. Qual o destino de uma viagem de sonho?
R: Austrália.

6. Qual é o teu Muppet favorito?
R: Miss Piggy. LOL

7. Qual o presente mais original que te ofereceram?
R: Nenhum. Todos banalíssimos.

8. Uma pequena história embaraçosa...
R: Dar um beijo no cinema, na boca, com duas velhinhas simpáticas imediatamente à frente. E uma mulher a poucos lugares de distância, ao lado.

9. O filme da tua vida.
R: Nenhum.

10. Tens algum hobby ou talento em particular?
R: Assim de momento...

11. Se pudesses fazer cover de uma canção qualquer, qual seria?
R: True Colors, Cyndi Lauper.


   O desafio consistia ainda em nomear onze blogues, mas, como sempre, deixo à disposição de quem quiser pegar e fazer. Ah, e não tenho imaginação para deixar onze perguntas no ar. :)

27 de janeiro de 2014

Praxes.


   Em Setembro de dois mil e dez, há quase três anos e meio, escrevia eu um texto, que pode ser lido aqui, onde mostrava a minha indignação perante os rituais académicos, vulgarmente conhecidos por 'praxes'. Prestes a iniciar o meu percurso académico, acompanhei uma amiga que quis ser praxada, assistindo de perto, mas à distância suficiente, ao fenómeno que tem dado que falar nos últimos dias devido às trágicas mortes dos estudantes da Universidade Lusófona na praia do Meco.

   Não repetindo o que na altura disse, que se mantém na íntegra, tornei-me um pouco mais extremista, dirão alguns. Tolerância zero. Para os 'doutores' de meia tigela que submetem os alunos recém-chegados àqueles espectáculos degradantes e, naturalmente, a quem se deixa humilhar para se integrar, não sabendo as consequências que poderão advir das suas opções. Mortos que estão, o sofrimento restou para os familiares. E não sou condescendente sequer com o que muitos designam como 'ritual de integração'. Violenta ou pacífica, deveria ser proibida, sobretudo dentro das faculdades - o que ainda acontece na minha, nomeadamente. Não atinjo o nível de brilhantismo das mentes iluminadas que permitem que tais actos sejam praticados dentro de uma instituição pública de ensino superior.

   Tudo me perturba. Até o próprio espírito académico que não tenho. O traje, que pensei em comprar, acabou por não passar de uma mera ideia. Não me faz falta e não vejo qualquer utilidade. Decisão acertada. Evito o primeiro dia de aulas, porque se quiser ver grupos de pinguins vou ao pólo sul ou, economicamente, ali ao jardim zoológico (que não sei se os tem), além de que o cheiro a ovos, vinho e afins só consegue ser suplantado pelo odor nauseabundo que fica entranhado no dia seguinte à conhecida festa da cerveja.

   Um Secretário de Estado referiu que a tragédia do Meco é uma 'questão policial'. Não só este triste caso, não só. Outros tantos são questões policiais. Eu acrescentaria quase todos. As 'praxes' encontrarão algum suporte na figura legal do consentimento do lesado, norma civilista elencada no artigo 340º do Código Civil; contudo, tratando-se de um facto consentido que é contrário a uma proibição legal e aos bons costumes, nº 2, não se exclui a ilicitude, havendo lugar a responsabilidade civil e, inclusive, penal, estando diante de um ilícito criminal, conforme o artigo 38º, nº 1 do Código Penal. Ora, em relação ao que se passou no Meco, desconhecendo eu e todos dos contornos, não será difícil prever de que se aquelas vítimas foram constrangidas a entrar na água por um determinado indivíduo, este incorrerá em responsabilidade civil e penal, mesmo que tenha havido um consentimento efectivo ou presumido prévio dos lesados. Houve dano morte, não nos podemos esquecer disso.

   Na verdade, estamos perante interesses públicos e não privados, daí que não possamos, sociedade, tolerar estes comportamentos. Eu estenderia o suporte legal a todas as 'praxes académicas', sem mais. Está em causa a paz social, os bons costumes e verdadeiros interesses públicos. O consentimento dos lesados não deveria dar cobro a estes ritos bárbaros. Dando, estamos perante uma fraude à lei. Aos 'doutores', que agem com dolo eventual ou negligência consciente ou inconsciente, dependendo da representação que façam do dano como resultado da sua conduta, aplicaria, sem reservas, as molduras penais e civis correspondentes. E se o nosso legislador admitiu que, para efeitos de consentimento, a integridade física é um bem disponível (ainda que isto possa parecer estranho a leigos), tudo se altera se atentarmos aos bons costumes (e os bons costumes legais têm pouco de moral, admita-se; referem-se aos sentimentos do permitido e proibido que regem qualquer comunidade humana). O consentimento que um 'caloiro' dará aos 'veteranos'  para ser praxado configura, a meu ver, e é importante ressalvar isto, uma gravidade, podendo, em alguns casos, originar irreversibilidade, que viola os bons costumes, a paz social e a própria lei, nos de especial censurabilidade. Nestes, a auto-realização tem de ceder perante o bem jurídico integridade física. No que diz respeito ao bem vida isto nem está em causa - é um bem indisponível - e os responsáveis, se os houver, pela morte daqueles estudantes sofrerão as consequências. Discordando do ilustre penalista Figueiredo Dias, creio que uma mera ofensa à integridade física, em caso de 'praxe', ainda que consentida, viola os bons costumes, o que entendo como tal. Posto isto, proibiria contundentemente as praxes académicas, enquanto fenómeno, que vão para além de cantares e pouco mais, restringindo em muito, admito, a liberdade individual e a autonomia da disponibilidade da integridade física e da não contrariedade aos bons costumes.

   Evidentemente, fora do contexto 'praxes académicas', quem quiser levar com ovos na cabeça, farinha, ser humilhado, ridicularizado, deixar-se acorrentar e agrilhoar por desconhecidos ou não, meus caros, cada cabeça, sua sentença, já diz o povo e com sapiência.

   Claro que, no caso das vítimas do Meco, falta apurar se existiu algum vício da vontade que irreleva por completo o consentimento, como a coacção ou a ameaça. Compete agora à polícia toda a investigação para apurar os factos que conduzirão, ou não, a incriminações.

     É de lamentar que pessoas aparentemente adultas, capazes de reger a sua pessoa, permitam que as subjuguem em nome de tradições, pouco importando se académicas ou não. Sendo sincero, talvez só a medicina e a psicologia encontrem respostas credíveis: a medicina, relativamente à maturidade cerebral; importa saber se a maioridade legal deve descer para os dezasseis (o que considero absurdo) ou aumentar para os vinte e um (que não refuto de todo); a psicologia, explicando, talvez, o que leva alguém a participar nisto, mormente por parte dos alunos mais novos. Integração? Autoestima? Aceitação pelos pares? Divertimento?

      Questões que ficam em aberto.

22 de janeiro de 2014

Os dias e o futuro.


   Estas últimas semanas têm passado vagarosamente. Há muito que não tinha tanto tempo disponível. Após decidir colocar o estudo de parte, optei antes por fazer algumas melhorias. Revoguei o que dissera. Agora que posso! Não me custa nada e não estrago a média. Nesse sentido, tenho dedicado as manhãs ao estudo. Das nove ao meio-dia. Não é muito. E na biblioteca da faculdade. Por lá encontro os livros de que necessito. Vários, que as melhorias não podem ser feitas com os tradicionais manuais dos professores. Convém saber diversificadas posições doutrinárias, consultar alguma bibliografia estrangeira em inglês, francês e, bem que eu queria, alemão. O curso de alemão que há anos empato dar-me-ia um jeitaço agora. É que o nosso Direito é todo ele de matriz romano-germânica e se os japoneses têm a última palavra em tecnologia, os alemães têm-na nas evoluções dos ordenamentos jurídicos.

   Sento-me numa mesinha, rodeado pelos livros e pelo portátil, e por aí fico. Sem internet, que nem o wireless da faculdade utilizo. Abstraio-me de tudo. Pela hora de almoço saio, vou à cantina ou como qualquer coisa ali pela Avenida do Brasil (se passarem por lá e me virem, digam Hello!), ou venho a casa.

    Penso muito no pós-faculdade. Não sei que faça. Se mestrado por lá, se pego na conta à ordem e vou viajar, se me meto noutra área, se dou (cof, cof, cof) consultadoria jurídica, se me candidato a professor-assistente (LOL, ok, esta é para rir...). Enveredar noutra carreira não é mal pensado. Ando com umas ideias, não de agora, devo dizer, que me atraem. Relacionadas com comunicação social. Jornalismo, sabe-se lá. Seria interessante. Não vou explorar muito porque não sei nada de concreto e, de momento, estou apenas no universo das suposições.

   Falo com a mãe, com os avós, e as respostas são sempre as mesmas: "Tu é que sabes. No que escolheres, estarei lá para te apoiar." I know, I know. Esquecem-se de que nunca fui de tomar decisões - odeio. Às vezes preciso de um empurrão para fazer seja o que for. Só discordam de umas hipotéticas viagens. A mãe porque tem medo que me perca pelos confins desse mundo, que fique doente e caia numa esquina, que seja raptado para pedirem resgate ou, quem sabe, extracção de órgãos (LOL, levem tudo menos os pulmões). Naturalmente, não me sinto preparado para isso e sou pouco aventureiro. A ideia 'outra área' vai ganhando forma e consistência. Preciso de moldá-la para não cair no mesmo erro. A sério, a quem vai entrar agora (este ano) no ensino superior: só escolham Direito se gostarem muito. De outra forma, arrastar-se-ão por dever. Se tiverem o azar, como eu, de ir fazendo as cadeiras - e com boas notas - sem gostar, estão definitivamente presos. Preferia mil vezes ter patinado no primeiro ano. Teria saído e escolhido algo diferente.

   As orais estão prestes a começar. De melhoria, que as de passagem estão a decorrer. Lá vou eu, de fato e gravata, subir notas à revelia do que sinto e quero. Este ano nem me dei ao trabalho de ir assistir a algumas orais. São públicas. Revolto-me. Há professores de uma crueldade... Ridicularizam alunos que falham, insistem em manter orais que estão perdidas desde o primeiro instante, preenchem a sua frustração exaltando o ego de juristas creditados. Não é para mim. Nunca fiz nenhuma oral de passagem. Na primeira tentativa de humilhação, pediria licença e sairia! No segundo ano, pude assistir a um episódio destes. O comportamento da aluna foi exemplar. Demonstrou a todos que, pelo facto de não estar preparada como pensara, não dava o direito a ninguém de a tentar humilhar. Ouviram-se alguns aplausos vindos de trás. Foi caricato.

    Tenho muito que reflectir. E tempo para o fazer. Espero fazê-lo em consciência e acertadamente. 
    Os erros pagam-se no segundo e, sobretudo, no terceiro acto da vida.

18 de janeiro de 2014

A Democracia Representativa e os Direitos Referendáveis.


   Com a Revolução de Abril, o legislador de 75/76 optou por manter a tradição unicameral que nos vinha desde 1926, embora tivesse sido acolhida na nossa primeira Constituição de 1822. Inspirando-se nos moldes da Constituição do Estado Novo de 1933, manteve-se o propósito de concentrar num único órgão representativo de estrutura colegial a força decisória unitária. A Assembleia da República é o órgão de soberania colegial que representa todos os cidadãos portugueses, conforme o disposto no artigo 147º da Constituição. Os deputados são eleitos por círculos eleitorais, mas representam todo o país (artigo 152º, nº 2 da Constituição, doravante CRP). A vontade da Assembleia da República, nos termos do modelo de democracia representativa, é a vontade geral de toda a colectividade. Aferimos, daí, que não há democracia sem parlamento, nem podemos falar de um verdadeiro parlamento sem que haja uma representação plural de todas as sensibilidades políticas existentes na sociedade. Ora, a Assembleia da República demonstra essa confluência de sensibilidades.

   O parlamento, enquanto órgão colegial, funciona segundo o princípio maioritário, ou seja, o partido ou a coligação partidária que tenha maioria controla as decisões políticas e jurídicas da Assembleia da República. Se a CRP - e bem - nos diz que os deputados exercem livremente os seus mandatos, à luz do artigo 155º, nº 1, a verdade é que, frequentemente, estão sujeitos a disciplina partidária. Os deputados estão subordinados aos partidos políticos, sendo meros objectos fungíveis, obedecendo cegamente à liderança partidária. Os partidos condicionam quem vai ser deputado, definem as listas de candidatos a apresentar às eleições, e, através dos grupos parlamentares, controlam e sujeitam o exercício dos mandatos parlamentares à sua vontade. A tudo isto assistimos nos últimos dias quando vários deputados do PSD se viram obrigados a votar no sentido estipulado pelo partido na pessoa do seu líder, Pedro Passos Coelho, adulterando o espírito representativo patente na nossa lei fundamental e subvertendo a sua consciência a interesses partidários. O parlamento é, em cenários de maioria política, como o que vivemos, facilmente instrumentalizado pelo Governo.


   O referendo está previsto no artigo 115º da CRP. Pode ser proposto pelo Governo, pela Assembleia da República e ainda por iniciativa popular de cidadãos (116º). O Presidente da República, nos oito dias subsequentes à publicação da resolução da Assembleia da República, submete ao Tribunal Constitucional a proposta de referendo para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, o que resulta também da Lei Orgânica do Regime do Referendo. O Tribunal Constitucional aprecia então da legalidade e constitucionalidade do mesmo, segundo o que dispõe o artigo 223º, nº 2 alínea f) da CRP. A esperança dos opositores ao referendo residem agora no Tribunal Constitucional, uma vez que Cavaco Silva, a julgar pelo seu carácter e conservadorismo, provavelmente concordará com a consulta popular. Todavia, Cavaco Silva pode considerar o momento inoportuno e inviabilizar o referendo. Isto partindo do princípio que as duas perguntas colocadas a apreciação do Tribunal Constitucional passam pelo seu crivo. Nesta situação, Cavaco Silva tem um papel decisivo na submissão das questões a referendo, sendo o seu exercício um direito absoluto (artigo 134º, alínea c)), competindo-lhe aceitar ou recusar as propostas dirigidas pela Assembleia da República (neste caso em concreto) ou pelo Governo. Não nos esqueçamos de que há um projecto de lei de coadopção apresentado pelo PS em cima da mesa, suspenso desde já pela aprovação no parlamento da proposta de referendo que incide sobre a mesma matéria. Convocando-se o referendo, o projecto continuará automaticamente suspenso devido à primeira pergunta que, eventualmente, será colocada. Em relação à segunda, que abrange a adopção por casais do mesmo sexo, não há qualquer projecto. Invoca-se ainda uma possível inconstitucionalidade por não existir um projecto de lei em curso sobre a adopção por casais do mesmo sexo. A doutrina diverge e não concordo com os argumentos invocados por António Filipe, deputado do PCP. Na minha opinião, e na de vários constitucionalistas, um referendo pode englobar matérias que não estão pendentes de apreciação parlamentar.
    Após a decisão de Cavaco Silva pela afirmativa, o projecto do PS mantém a suspensão; optando o Presidente pela não convocação, esta caduca e o projecto subirá ao plenário tarde ou cedo.

   A pergunta que paira sobre muitos é a da legitimidade desta proposta de referendo. Serão os direitos individuais referendáveis? Importa fazer uma clara distinção: não há um direito a adoptar, nem por casais heterossexuais ou por cidadãos individuais. Há um direito constitucional a constituir família (36º, nº 1 da CRP), direito vago, sabendo-se que há famílias sem crianças. Há ainda um direito das crianças à protecção e à luta contra o abandono (69º, nº 1 da CRP), extraindo-se daqui um direito à família. O direito é, então, das crianças e não dos adultos. O bom senso diz-nos que, nesta luta constitucional contra o abandono, fará todo o sentido permitir que dois homens, ou duas mulheres, possam criar, educar, proporcionar um ambiente são a uma criança, assim preencham os requisitos comuns a qualquer adoptante. Jamais o Estado se substituirá a uma família e o conceito de família não pode por ele ser definido. Compete ao Estado, isso sim, proteger a família enquanto elemento fundamental da sociedade (67º, nº 1 da CRP), efectivando todas as condições que permitam a realização dos seus membros. Em parte alguma se fala de casais heterossexuais. O Conselho da Europa em 1988, na sua resolução nº 1074, reconhece a família como o núcleo onde as relações são mais densas e ricas, lugar por excelência para a educação das crianças.

    À luz da lei do referendo (Lei 15-A/98 de 3 de Abril), o mesmo só poderá versar sobre questões de elevado interesse nacional, onde poderemos incluir a adopção e coadopção. Materialmente, não me parece inconstitucional. Estão de fora todos os limites aos quais a lei se refere. No meu humilde parecer, a proposta seria inconstitucional por incidir sobre um direito à família previsto na Constituição. Nenhuma instituição estatal é uma família. Um jovem, ou criança, de sempre educado por pessoas que reconhece como seus pais, não pode ver referendado o seu direito a ter aquela figura como pai ou mãe. Não nos compete ajuizar sobre os vínculos que unem uma criança à sua família mais próxima. Na adopção, o direito à protecção e à luta contra o abandono não permite, a meu ver, que o Estado possa preterir um casal homossexual por um casal heterossexual apenas porque fundamentou o conceito de família com base em convicções ideológicas e pessoais. Apresentando-se um casal homossexual à adopção e havendo um adoptando, criança ou jovem carecendo de uma família e de afectos, nada poderá impedir o processo, em nome dos referidos direitos à protecção e à luta contra quaisquer formas de abandono. Por maioria de razão, as matérias da coadopção por um cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo e da adopção por casais homossexuais devem ser discutidas e aprovadas na Assembleia da República e não por consultas populares, dada a profunda delicadeza em causa.

   Ainda na lei do referendo, se o Tribunal Constitucional se pronunciar pela inconstitucionalidade ou ilegalidade da proposta de referendo, o Presidente não o pode convocar e tem de devolvê-la ao órgão que a formulou, no caso, a Assembleia da República. A Assembleia apreciará e expurgará a parte considerada inconstitucional ou ilegal. No prazo de oito dias após a publicação da proposta que tiver sido reformulada, Cavaco Silva terá de submetê-la de novo ao Tribunal Constitucional para segunda apreciação, repetindo-se o processo. O Presidente decide, então, no prazo de vinte dias, pela convocação ou não do referendo. Havendo referendo, só é vinculativo quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos (115º, nº 11 da CRP).

    Estamos perante questões que dividem a sociedade portuguesa. Trata-se de um processo moroso, complexo, que envolve tempo que muitos não têm. Há famílias que precisam de certezas. No fim de tudo, convocando-se o referendo, seria necessário promover debates alargados e suficientemente elucidativos. Há muito em jogo e poderes ocultos...

     Veremos o que dita a sensibilidade de quem ocupa os órgãos de soberania.

15 de janeiro de 2014

Memórias.


     Rebuscar o passado tem sido uma constante. E se há quem o esqueça, ou pretenda, sou demasiado nostálgico para apenas prosseguir. Às vezes, gostaria de ser igual àqueles que olham somente em frente. Não consigo. Seria doloroso, mais ainda do que reavivar antigas memórias, se tentasse esquecer os melhores anos que já tive.

   Ir às gavetas procurar álbuns antigos de fotografias em que estou com os pais, em que sentia o seu incondicional amor. Os nossos almoços e jantares, as férias que passámos juntos, as idas às lojas de brinquedos, quando me presenteavam com o que tanto cobiçava. Os sorrisos de que tudo estava bem. A inevitabilidade do presente. Dói.

     No próximo mês farão oito anos desde que se separaram. Tenho presente cada momento desse dia dezassete. Vejo o pai a arrumar algumas roupas, as suas camisas, a azul que tanto gostava, as calças bege. O desenho que fizera no ano anterior pelo dia do pai e que subtilmente dobrei e coloquei no forro da mala. A mãe, indiferente, a falar ao telefone com não-sei-quem, um homem, que homem, o pai vai embora.

   Ao bater da porta ficou a solidão. A mãe saiu pouco depois. Em pé entre quatro paredes, sufocado por um choro que insistia em não querer sair. A raiva, vontade de querer fazer algo, paz de gritos mudos. Tudo ficaria bem. Não ficou.

    Meses depois, conheceria o homem que não-sabia-quem. Por que mo deste a conhecer? Quem é, de onde vem?

 " (...) e é uma pessoa muito especial para a mãe... "

   Entrou com passos rápidos e invasivos de ratazana e tudo tomou. O lugar que não lhe dei, o espaço que era meu e só meu, sai, não gosto de ti.

    A impotência, os poucos anos de vida e o tempo, oh, o tempo!, levaram ao conformismo.

  " (...) ele habitua-se... "

    Cada vez menos e menos. Nem sempre ajuda.
   O seu erro foi julgar que era a sua vida e só. Era a minha também. Era eu a quem ninguém perguntou o que queria, se sofria. Revolveram as minhas certezas, transformando-as em angústia que levou... tempo... a amenizar. Que não tinha, que não me deram. Cresce.

    Odiar é tão feio. 
  
    Eu sei.

11 de janeiro de 2014

Honras de Panteão.


   Nunca se falou tanto do Panteão Nacional como por estes dias. Acredito mesmo que uma boa parte dos portugueses passou a saber o que era o Panteão através da morte de Eusébio - acontecimento mais do que explorado pelos órgãos de Comunicação Social - e que muitos ainda não sabem que foi um estatuto conferido à Igreja de Santa Engrácia em Lisboa.

   Já durante as cerimónias fúnebres se especulava quanto ao destino a dar ao corpo do ex-jogador do Sport Lisboa e Benfica e da selecção nacional. Vozes em uníssono apontaram de imediato o Panteão, seguindo uma opinião que surgira antes. Não discordo. Por motivos que já enunciei, e pegando na letra da Lei 28/2000 de 29 de Novembro, Eusébio poderá descansar ao lado de Amália Rodrigues, Teófilo Braga, Manuel de Arriaga, Aquilino Ribeiro, Guerra Junqueiro, João de Deus, Sidónio Pais, Humberto Delgado, Almeida Garret e Óscar Carmona. Durante a sua vida ajudou, inegavelmente, à divulgação da cultura portuguesa, sendo uma das figuras mais conhecidas fora do país, atraindo visitantes a um Portugal sufocado por uma ditadura obsoleta que teimava em isolar-nos do resto do mundo civilizado. Produziu cultura. O futebol é cultura. Uma cultura tão digna quanto a musical ou literária.

   O dia de ontem ficou marcado pelas notícias que dão conta da transladação ou trasladação, como queiram (ambas estão dicionarizadas, preferindo transladação, norma mais antiga), de Sophia de Mello Breyner Andresen para o Panteão. Justíssimo. A par da sua excelsa obra poética, o activismo político de Sophia preenche a previsão do artigo segundo da lei acima citada: "na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade". Penso que estaremos todos de acordo. Sophia foi uma opositora feroz ao antigo regime, ao lado do seu saudoso esposo, Francisco Sousa Tavares, tendo, na sua obra, um poema em que satiriza com sarcasmo Oliveira Salazar. 

   Ironia das ironias! No ano que se comemora o quadragésimo aniversário da Revolução de Abril, juntam no mesmo espaço Sophia de Mello Breyner e... Óscar Fragoso Carmona, Presidente da República durante a Ditadura Militar (1926 - 1933) e primeiro Presidente da República do Estado Novo, entre 1933 e 1951, ano da sua morte. Da justiça da transladação de Carmona para o Panteão já podemos duvidar. Afinal, para lá da sua alta patente militar, que está prevista na lei, verdade seja dita, que feitos deixou no país além do apoio à ditadura? Os seus "altos serviços militares" sobrepor-se-ão à causa da liberdade, a qual combateu com tanto empenho? Fica em aberto.

    Salgueiro Maia. Investiguei, procurei, e poucas pessoas questionam a ausência do célebre capitão de Abril no Panteão. Figura principal nos acontecimentos que levariam à restauração dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, abrindo caminho para um país democrático, muitos pedem que Eusébio tenha honras de Panteão; poucos defendem o mesmo para Maia. 

    Povo de memória curta. Que diviniza futebolistas, fadistas e escritores, presidentes tiranos, mas que esquece os seus verdadeiros heróis.

8 de janeiro de 2014

O Fascismo e o Nacional-Socialismo.


   Em linguagem popular, o fascismo abarca a Itália fascista, a Alemanha hitleriana, a Espanha franquista e ainda o Portugal de Oliveira Salazar. Não querendo quebrar com este costume arreigado por gerações, importa observar que a legitimidade deste hábito é muito duvidosa e discutível. Em verdade, assimila três sistemas: o nacional-socialismo, o fascismo propriamente dito e o autoritarismo conservador, que têm, sem dúvida, aspectos análogos, mas que surgiram em contextos histórico-espaciais diferentes. Será conveniente e correcto designar a Alemanha nazi como 'nacional-socialismo', a Itália de Mussolini como 'fascismo' e Portugal de Salazar como 'autoritarismo conservador'.

   O fascismo não pretende ser uma doutrina. Em 1919, num discurso, Mussolini diria mesmo que "a doutrina fascista é o facto", subentendendo-se de que no fascismo a acção precede a palavra e que a disciplina é preferível aos dogmas. Na sua defesa obstinada da Nação, Mussolini intitulava o regime fascista como aristocrata e democrata, revolucionário e reaccionário, proletário e antiproletário, pacifista e antipacifista, desde que o elo de ligação fosse a Nação.
    Hitler escusou-se a apresentar um programa durante a campanha eleitoral de 1933. Preconizava que todos os programas são inúteis e a vontade humana é o que verdadeiramente releva. Como atesta Mein Kampf, os discursos de Hitler são próprios de um homem de ideias fixas e pouco preocupado com doutrinas.

   Há cinco elementos que podemos encontrar no fascismo e no nacional-socialismo, pontos de convergência entre ambos. O fascismo é um 'filho da guerra'. Surge como um grito de revolta perante a humilhação da derrota. Os agrupamentos dos antigos combatentes formaram o primeiro núcleo das organizações fascistas e nacional-socialistas em Itália e na Alemanha. O fascismo e o nacional-socialismo não são apenas movimentos que exaltam o sentimento nacional; é um nacionalismo de vencidos e de humilhados. 

    Em segundo lugar, o fascismo e o nacional-socialismo nasceram da miséria e da crise, do desemprego e da fome. Surgiram num primeiro momento como movimentos de desespero e revolta contra o liberalismo do século XIX, opondo-se, contudo, ao marxismo. Goebbels, ministro do Reich, diria mesmo que o nacional-socialismo é o verdadeiro 'socialismo', ideia seguida de perto por Mussolini. Na prática, qualquer um dos regimes não ousou tocar na oligarquia e no grande capitalismo. As massas associativas do regime italiano e do hitleriano vêm das classes médias, da indústria e do comércio. São aliciados os subalternos, categoria mais ameaçada pela proletarização, condenados que estavam com o evoluir da economia. Apesar de apelar aos proletários, o fascismo seria um movimento da classe média, que forneceu os quadros, os traços principais da filosofia da doutrina.

    O fascismo e o nacional-socialismo fizeram o culto do chefe carismático. São uma mitologia. O estilo vale mais do que o programa. O espectáculo, as multidões, os cenários, as palavras acesas, os símbolos da Nação! Entre o chefe e o povo estava estabelecida uma comunicação como jamais se vira. Comunicação essa bastante íntima, a roçar o físico. Um verdadeiro histerismo colectivo, produzindo-se uma espécie de hipnose que gera o êxtase do povo. Ressalva-se, todavia, um carácter dúbio presente na obra A Revolução do Niilismo de Herman Rauschning: a pessoa do Führer deveria retirar-se para o mistério progressivamente, manifestando-se em actos inesperados  e em discursos pouco usuais, estimulando-se assim uma aura mística de Criador omnipresente e omnipotente.

   Estes regimes defendem o primado do irracional. Hitler diria mesmo, noutro dos seus discursos, que só interessa acreditar, obedecer e combater, refutando a ideia de que a inteligência tirou a Alemanha de maiores apuros. Este primado da irracionalidade traz consigo uma concepção anti-igualitária. O fascismo e o nacional-socialismo são hostis à democracia participativa e ao sufrágio universal. Mussolini falaria da 'lei do número'. Em suas palavras, o número que se obtém numa eleição, por esse facto, não é admissível que controle a sociedade. Vai mais longe, admitindo que a desigualdade é útil, fecunda e irremediável nos seres humanos. Hitler concretiza esta ideia, num dos seus discursos, proferindo que, e transcrevo, "é mais fácil fazer passar um camelo por um buraco de uma agulha  (aqui inspirando-se na Bíblia em Mateus 19:24, Marcos 10:25 e Lucas 18:25) do que descobrir um grande homem por meio de uma eleição". É assim que Hitler e Mussolini desvendam a élite: enquanto que para Mussolini esta trata-se essencialmente da superioridade dos governantes, para Hitler a superioridade do povo alemão a justifica, defendendo o domínio dos fortes sobre os fracos.

   O Estado, como tal, é a última das grandes preocupações do fascismo e do nacional-socialismo. O fascismo faz a exaltação do Estado: instrumento dos fortes, garantia dos fracos, o Estado todo-poderoso, o Estado é tudo e nada existe fora dele. Os indivíduos encontram-se subordinados ao Estado. Rejeita categoricamente a teoria da separação de poderes de Montesquieu ou Tocqueville. A verdade do Estado está patente na sua propaganda, na mobilização da juventude. Mussolini e Hitler subordinaram a economia à política. Nas palavras de Hitler, o Estado não é uma "organização económica". Aqui, fascismo e nacional-socialismo divergem em certa medida: na concepção do Duce, o Estado é uma realidade anterior e superior à nação. A grandeza de Itália deveria ser obra do Estado fascista. Completamente oposta é a noção de Hitler, para o qual o Estado é um mero instrumento de mecanismo. O fundamento é o povo. O povo alemão numa realidade que remonta ao passado da Alemanha e à superioridade biológica dos alemães. Mussolini forjou o Estado italiano; Hitler mistificou-o.

    Diferenças a assinalar entre os dois regime incluem a existência de corporações no fascismo: as corporações estavam ao serviço do Estado; e a doutrina do Espaço Vital na Alemanha nazi, diferente em Itália. Hitler movia-se pela pureza da raça (se bem que também defendesse o espaço essencial para os alemães viverem), ao passo que as investidas de Mussolini no norte de África tinham subjacente as reminiscências de um passado glorioso de Roma e o desejo de alargar o poder italiano (ao jeito da expansão romana).

     O fascismo italiano teve início com a ascensão ao poder de Benito Mussolini em 1922, terminando no final da II Guerra Mundial. Por seu lado, o nacional-socialismo foi a fórmula do regime nazi de 1933 a 1945.

3 de janeiro de 2014

Notas.


    Início de ano, tempo de fazer o balanço do primeiro semestre. Graças ao novo regulamento de avaliação, que nos possibilita concluir as disciplinas sem a necessidade dos exames correntes deste mês, dispensei todas as provas, ou seja, nada farei durante as próximas semanas. Ócio, querido ócio! Não obtive o resultado que queria a uma das cadeiras, pretendendo fazer a oral de melhoria que, em princípio, terá lugar no início de Fevereiro. Ontem, soube a última das notas. Não sendo brilhante, está feita, discutindo ainda se farei a oral ou não. 

    Não pus em causa a ausência à aula de hoje para receber o teste. Por favor, já no dia três? Não, de todo, além de que aquela zona da cidade me provoca náuseas gigantes e ansiedade que se reflecte em dores abdominais.

   Surpreendentemente, em anos, não sei o que faça. Estou no limbo entre pegar nos livros e melhorar as cadeiras todas ou deixar aquilo arrumado nas prateleiras. Estudar era tudo o que queria evitar porque, de facto, estou cansado, não no sentido de fadiga, mas de preguiça em ler e aplicar-me. A par disso, sinto que ando a desperdiçar anos de vida na faculdade. Há tanto por fazer e por conhecer! Caindo em mim, apercebo-me de que pouco ou nada conheço além do meu pequeno mundinho. Sou inexperiente e imaturo em questões práticas da vida e muito enriqueceria se colmatasse essas lacunas que, persistindo, jamais permitirão que me torne um homem. Não tenho urgência em crescer por definitivo, visto que até acredito que somos incompletos na nossa génese, sujeitos a construções e desconstruções contínuas proporcionadas pela experiência que adquirimos. Sinto-me incompleto para a minha idade, o que não basta para me tirar o sono, que é tranquilo.

   Custa-me remar ao sabor da maré, fazendo as melhorias porque sim, porque o mercado quer, porque enriquece o currículo, porque é o que se espera de mim. Em contrapartida, sei que a vida lá fora não é fácil para alguém que não sobressai do manto espesso. E que só vinga quem tem algo mais a acrescentar. Se me conformo à rotina porque sou terreno, pessoa que se fixa naturalmente a situações e lugares sem sobressaltos, algo que germina - desde sempre - provoca-me um inconformismo latente.

   Disseram-me, há tempos, uma pessoa próxima, que a confusão está toda na minha cabeça e que o mundo é bem mais simples. É provável que tenha razão. Sou perito em complicar o que me rodeia, tornando o primário em intrincado, colocando obstáculos onde, originariamente, não existiam.

   Pudéssemos trocar o cérebro que temos por outro ou mudar umas coisinhas aqui e ali em alguns lobos (Egas Moniz pensou nisto há décadas num período negro da história da medicina).
   Em todo o caso, dou o semestre por terminado com sucesso.