O nosso momento mais pessoal e íntimo chegou, se é que se pode chamar de «íntimo» a um almoço no bar da faculdade. De qualquer forma, foi algo em que participámos os dois. Foi a segunda vez que comi no bar da faculdade. Tenho tempo suficiente para, querendo, ir a casa almoçar. A situação dele é bem mais complicada porque tem de ir para Setúbal todos os dias. Ainda não se decidiu a arranjar um lugar para ficar por aqui. Já me passaram imensas coisas pela cabeça. Não tenho aquela familiaridade com ele, mas já pensei em falar-lhe da casa da avó, que tem muitos quartos, ou mesmo aqui em casa, no quarto de hóspedes. Não é uma questão de confiança, eu confio inteiramente nele. É mais um receio da minha parte de que ele se sinta fragilizado, pensando que eu penso que não tem capacidades por si próprio para arranjar um lugar para ficar. Eu só queria ajudá-lo. Ele é corajoso, decidido, mas ao mesmo tempo é tão indefeso, com um olhar perdido, abandonado e sozinho...
Bom, o nosso almoço de sexta foi uma graça. Ele é um cómico. Tudo tem graça, tudo pode ser alvo de sátira. Gosto disso. No bar, depois da enorme fila para o almoço, pegamos num tabuleiro, vamos andando e colocando as coisas (sopa, prato principal, sobremesa, etc...), até chegarmos à banca do pagamento. Tive de comer frango com batatas fritas. Os outros pratos eram intragáveis para o meu gosto.
Depois de nos sentarmos, começámos a comer. Ele tem uma forma, como hei-de dizer, tão diferente de comer. Come sem regras, ou melhor, não tem aquela atitude esmerada em segurar nos talheres, no guardanapo... Digamos, não tem aquele cuidado. Houve uma parte (escrevo e não evito um sorriso) em que eu cortava cuidadosamente a carne, preparando para levar o garfo à boca. Ele estava debruçado literalmente sobre o prato, comendo ruidosa e apressadamente, como se não comesse há séculos. Reparou que eu olhava para ele admirado. Olhou para mim, subindo o olhar, com a boca cheia de comer e com aqueles olhinhos de bichinho assustado e parou. Sentiu-se envergonhado, na certa. A partir daí, endireitou as costas e começou a comer com mais vagar e disciplina. Somos tão diferentes!...
Eu não me sinto mal na sua companhia; pelo contrário, sinto uma pureza e honestidade raras nos dias que correm. Ele é assim porque é a sua génese.
Depois do almoço, saímos da faculdade. A Ana veio buscar-me de carro porque, sou honesto, detesto andar de transportes públicos. Despedi-me dele. Queria abraçá-lo, agradecer-lhe por me ter proporcionado um almoço tão diferente.
Já no carro, pensei em apresentá-lo à mãe, à avó e, quem sabe, até às primas. Às primas é mais perigoso; tenho umas que têm uma queda por rapazes simples. Sei lá, gostam de transformá-los. :) Seriamente, penso em convidá-lo para estudar cá em casa num destes dias. Fazer um lanche, algo simples para ele se sentir à vontade. Algo simples como ele: simples na sua simplicidade.