27 de novembro de 2021
Freddie Mercury, trinta anos.
26 de novembro de 2021
O Código Da Vinci.
Com vinte anos de atraso, é certo, mas ontem terminei O Código Da Vinci, a obra mais célebre de Dan Brown, que começara há umas semanas. Recordo-me de, ali por meados de 2003, o livro surgir todas as semanas no topo das tabelas portuguesas, e não só, dos livros mais vendidos. Sem tirar o mérito ao autor, o que fez de O Código Da Vinci um best-seller foi sobretudo a polémica que gerou. Tudo o que envolva o religioso vende. No livro, Dan Brown pega em teorias alternativas em torno da existência de Jesus Cristo e cria um enredo com elas. Neste caso, o mistério do Santo Graal e da hipotética relação sentimental de Jesus com Maria Madalena. Um escândalo.
Em rigor, pouco sabemos do Jesus histórico. O que sabemos, além do que vem nos evangelhos, são pequenos escritos de autores que não foram contemporâneos de Jesus. Há historiadores romanos das décadas e dos séculos seguintes que se referem ao proclamado Rei dos Judeus. Os historiadores actuais baseiam-se nessas fontes romanas de autores não-cristãos para afirmar que Jesus existiu realmente, e tudo parece indicar que sim. Tendo existido, e vamos presumir que sim, é quase certo que foi uma figura bastante diferente daquela que nos relata a Igreja (católica e não só). Um pregador, um homem que anunciava um novo reino, mas provavelmente que se casou e teve filhos. Se investigarmos acerca da sociedade judaica do tempo de Jesus, verificamos que o casamento era praticamente uma imposição social, e que os que não se casavam eram proscritos.
Um Jesus sujeito aos vícios e pecados humanos colidia com a imagem que a Igreja Católica (agora sim) foi criando da pessoa de Jesus: o Deus Filho que, entretanto, se fez carne para nos salvar. Não é necessário que Dan Brown o diga; intuímos que muito sobre o Jesus histórico se eliminou deliberadamente nos primeiros séculos do cristianismo primitivo. Quem foi realmente, é difícil precisar. O que podemos, sim, é conhecer o contexto em que viveu, e daí obter um padrão de condutas.
A narrativa tem interesse enquanto policial. No argumento central, exigia-se mais profundidade. A sequência que Dan Brown criou é lógica, todavia, eu senti alguma superficialidade num tema tão complexo e vasto. Também funcionará como atractivo a explorar a cidade de Paris, sobretudo (e Londres). Quem não foi ao Louvre, ficará com vontade de visitar o museu mais famoso do mundo.
Li-o em castelhano, a título de curiosidade.
20 de novembro de 2021
Porque não o esqueceremos.
Foi há trinta anos, a 12 de Novembro de 1991, que ocorreu o massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste (oficialmente Timor Português, anexado à Indonésia, ilegal e ilegitimamente, a 7 de Dezembro de 1975, no seguimento da declaração unilateral de independência por parte dos timorenses nove dias antes). De 1975 a 1991, Portugal, de forma praticamente isolada, clamou nas Nações Unidas para que a comunidade internacional pusesse cobro ao genocídio da população timorense. A Indonésia era um aliado dos EUA naquela região do globo, e apoiou, pelo menos com a inércia e o silêncio, a anexação ordenada por Suharto. A independência timorense havia sido proclamada pela FRETILIN, partido ideologicamente próximo ao marxismo.
Naquele dia, um grupo de jovens dirigiu-se ao cemitério de Santa Cruz para prestar homenagem a um rapaz falecido que pertencera à resistência timorense. O exército indonésio abriu fogo indiscriminadamente, matando, ao todo, mais de 300 pessoas. Um repórter britânico estava presente no local e filmou o massacre, dando a conhecer ao mundo as atrocidades dos indonésios. Max Stahl, era o seu nome, e faleceu em finais de Outubro deste ano, por coincidência.
A partir de então, a causa timorense ganhou fervorosos adeptos lá fora. Organizaram-se protestos, compuseram-se e entoaram-se canções. Timor haveria de conquistar a sua independência em 2002, num processo iniciado em 1999, já a Guerra Fria terminara e a soberania do país não representava qualquer perigo à hegemonia norte-americana na região. Presentemente, o dia é feriado em Timor-Leste. É o Dia da Juventude, em memória dos que tombaram pela liberdade.
15 de novembro de 2021
Pose.
Terminámos esta noite as três temporadas de Pose, quiçá a série que mais prazer me deu ver. Até agora, o primeiro lugar pertencia irredutivelmente à Guerra dos Tronos. Neste momento, não sei se a primazia se mantém. As duas primeira temporadas, vimo-las pela Netflix, e a última, descobrimos que não está disponível na HBO Espanha, ainda que na portuguesa, sim, conste. Não houve outro remédio que sacá-la da internet.
A Pose conjuga elementos que a tornam na minha série preferida: desde logo, é ambientada sobretudo nos 80, com todo o glamour e os excessos da época; depois, aborda um universo em que me revejo: gente diferente, “fora da caixa”, que se marimba para as convenções sociais estabelecidas e leva a vida à sua maneira, encarando-a de frente. Há ainda a epidemia de HIV, um período que me aguça a curiosidade pelo impacto que teve numa comunidade já bastante afectada pelo preconceito e disfuncionalidade.
Uma palavra ainda ao desempenho dos actores. Falamos de transexuais e homossexuais fora do ecrã, gente que conhece a dor, o abandono e a humilhação, e talvez por isso lhes tenha sido tão fácil recriar aquele universo complexo, de relações familiares frágeis, mas que, simultaneamente, consegue ser uma fortaleza de união e entreajuda com quem partilha das mesmas experiências e vivências.
A Pose é daquelas séries que vão deixar saudades. Muitas.
8 de novembro de 2021
A que lado pertences.
Nisto das insónias -durmo sempre mal quando o M. está de plantão- ponho-me a divagar pelo Google, e dei com uma polémica com o Quintino Aires. O psicólogo, ou psicolinguista, como se denomina, fez questão de sublinhar a sua discordância face à comunidade gay, que considera um “gueto”, e às marchas do orgulho. Por isso, viu-se afastado da TVI.
Não vou criticar o Quintino Aires. Vou procurar alertá-lo para o seu procedimento, porque eu incorri no mesmo. Durante alguns anos, fiz pandilha com os críticos da comunidade gay; considerei-a um gueto. Não gostava das marchas. Considerei-as um espectáculo de mau gosto. Fui, quiçá, mais longe que Quintino Aires: sendo LGBT, defendi a família tradicional, o Deus dos que me discriminaram na infância, adolescência e parte da idade adulta. Fi-lo a tudo, continuando a reconhecer-me como homossexual. Porquê? Nem eu o sei dizer.
Até que, a determinado momento, procedi a um exercício de introspecção, recuei às minhas memórias mais primitivas e perguntei-me: “Quem és, afinal?” Aquele homem que não se revia na dita comunidade, que diabolizava as marchas, fora um menino delicado, que usava a maquilhagem da mãe e os seus sapatos. Mais, era um homem que não tinha nada que ver com aqueles que defendia, com os seus modelos de família, com as suas orientações políticas e considerações sociais. Apercebi-me a tempo, creio, a onde pertenço.
O Quintino Aires, ainda que não o reconheça, e está no seu direito, pertence à comunidade LGBT. Foram elas, as travestis e os transexuais, os primeiros a dar a cara pela nossa visibilidade. A cara e o corpo. Sofreram todo o tipo de violência. Os gays também, nas suas marchas reivindicativas, que juntamente com as travestis e transexuais não se escondiam atrás de uma família tradicional e de um bom nome.
Quintino Aires, com o seu discurso, está a alimentar os mesmos que nos odeiam: a extrema-direita e a direita conservadora. Não se pense que os direitos que a tanto custo conquistamos estão seguros, sedimentados. Foram-nos reconhecidos através de um processo político que levou um longo e prévio debate social. O mesmo processo político que nos reconheceu os vários direitos sociais de que desfrutamos pode, amanhã, ser desencadeado para reverter os nossos logros. Com isto, quero dizer que a luta se faz a cada dia, e que Quintino Aires e outros que partilhem das suas convicções ajudam a fortalecer o discurso dos que não duvidariam um minuto sequer a colocar-nos de novo nos anos negros da discriminação legal e do preconceito social.