A Praza María Pita |
29 de abril de 2021
Abril 29.
26 de abril de 2021
Cândida Branca-Flor (1949-2001).
Quiçá me tenha antecipado ligeiramente, mas este ano perfazem duas décadas desde que morreu Cândida Branca-Flor, uma flor frágil que não resistiu ao abandono do público, a um conturbado processo de divórcio, à falta de amigos e más companhias e aos problemas financeiros. Quem a conheceu de perto fala de uma mulher triste na intimidade, melancólica.
Decidi escrever sobre a Cândida agora, e não a 11 de Julho, data então dos vinte anos sobre o seu desaparecimento, porque, de tempos a tempos, ela vem-me à memória, e detém-se por uns dias. Existências trágicas, precocemente interrompidas, exercem um fascínio sobre mim que ainda não sei explicar bem. Provavelmente porque morrer-se antes de tempo e inesperadamente é anti-natural. Cândida Branca-Flor, que se apresentava sempre com uma imagem bonita e cuidada, era um turbilhão de emoções. A quem tiver curiosidade, há vídeos da artista no Youtube, e, num deles, a ansiedade com que falava sobressai visivelmente. Ali estava um ser humano que sofria e que foi completamente abandonado pela classe artística, por todos, enfim, até sucumbir a uma dose fatal de medicamentos e álcool numa cave da periferia de Lisboa. Triste e indigno fim para uma intérprete que foi mais do que uma cantora de música popular -também a rotularam de pimba, e isso introduzir-me-ia noutro tema, no dos complexos que os portugueses têm consigo e com a sua cultura. Cândida tinha voz para ser cantora lírica. Iniciou-se na música com a Banda do Casaco, algures em meados dos anos 70, que era tudo menos um conjunto musical imediato. Mais tarde, afastou-se do projecto e enveredou pela música popular, cantando velhos clássicos como os da Beatriz Costa em A Aldeia da Roupa Branca.
Noutros países, como aqui em Espanha, onde a música nacional é valorizada sem rótulos preconceituosos e desnecessários, Cândida Branca-Flor teria sido um nome primeiro do espectáculo. Em Portugal, arrastou-se por programas televisivos de má qualidade até cair no esquecimento que, a acrescer, a conduziu à morte.
Um dos auges da sua carreira teve-o com Carlos Paião, também de trágico fim, a quem acompanhou no Festival da Canção de 1983 com Vinho do Porto, Vinho de Portugal, que não ganhou entretanto, conquistando um honroso 4º lugar e um carinho especial do público. É uma canção patriótica que põe em evidência todo o talento de Paião como autor e compositor.
25 de abril de 2021
Dia da Liberdade.
25 de Abril de 1974, o dia em que a revolução militar se tornou popular. Os lisboetas, sequiosos, não acataram as ordens de recolhimento em casa e juntaram-se aos capitães. O grito sufocado soltou-se das gargantas. A revolução desceu às ruas, e jamais se voltou a ver em Portugal um dia de tamanha esperança no amanhã.
23 de abril de 2021
Día de la Lengua Española en las Naciones Unidas y Día Internacional del Libro.
Hoy se señala el día de la lengua española o castellana en el seno de las Naciones Unidas y, simultáneamente, el día internacional del libro. La lengua castellana, terminología que yo prefiero, es la segunda lengua materna más hablada en el mundo, sobre todo en el continente americano, además lengua oficial de varios organismos internacionales, entre los cuales está la ONU. Son más de 400.000.000 los que la hablan. Su importancia no ha dejado de crescer. Progresivamente, se incrementa como lengua de los negocios y del turismo. Se estima que en los EE.UU será el idioma principal a mediados de este siglo.
Paralelamente, este día se complementa con el día internacional del libro. He leído más desde que estoy en España, probablemente por el exceso de ocio. Leer es más que cultura; leer nos transporta a una otra realidad. Nos hace vivir situaciones y conocer lugares recorriendo solamente a nuestra imaginación.
Para ambas ocasiones, escogí un poema de una antigua compilación que mi marido me regaló hace poco tiempo (Las Mil Mejores Poesías de la Lengua Castellana, de Juan Bergua). Es un poema del siglo XVI, de Baltasar de Alcázar, y se llama Los Ojos de Ana.
“Que bellos ojos tienes, Ana, / mas, ¿por qué a mi parecer se inclina el mundo a tener por más bellos los de Juana? Haz que te preste los tuyos, / y álzate después con ellos, / que nos es bien que ojos tan bellos / se diga que no son tuyos”.
22 de abril de 2021
O Botequim da Liberdade.
Há umas semanas, terminei de ler O Botequim da Liberdade, um livro de Fernando Dacosta sobre o famoso bar lisboeta que Natália Correia ergueu, local de peregrinação de muitos vultos da política e dos meios intelectuais e literários que por ali se juntavam para recitar poesia, bradar contra o regime, exaltar os ânimos, provocar os demais presentes. Por lá se organizavam tertúlias, saraus, sempre tendo Natália como anfitriã e figura central. Senhora de forte personalidade, contundente nas opiniões, assertiva nas premonições, lúcida nas análises que fazia a Portugal e ao mundo, Natália Correia era irascível, autoritária e arrogante quando queria, granjeando inimizades, ainda que também soubesse encetar boas e longevas relações de amizade. Algo, todavia, parece certo: vínculos com quem lhe poderia ofuscar o brilho estavam afastados.
Na obra, Dacosta pretendeu dar a conhecer ao grande público quem foi, de facto, Natália Correia, contando, ao longo de vários capítulos, aventuras, episódios e peripécias que terá vivenciado ou de que terá tido conhecimento, sempre envolvendo a polémica escritora, deputada, poeta (e não poetisa, termo que, à semelhança de Sophia de Mello Breyner, rejeitava - e as semelhanças entre as duas ficam-se por aqui). Natália Correia foi profundamente livre, e a liberdade acarreta a solidão, não raras vezes, que quem se dá ao luxo de ser livre e não ceder à hipocrisia social arrisca-se a terminar só. Natália Correia não terminou só, tinha amigos, muitos, pessoas que sabiam lidar com o seu forte génio; uma figura magnética, tão encantadora como repulsiva, suscitando reacções de extremo.
Identifico-me largamente com Natália Correia, salvas as devidas distâncias. Longe de mim querer equiparar-me a uma das mais destacadas figuras femininas do século XX português, e convém frisar-se bem o feminina porque Natália foi, antes de mais, uma femininista, e não feminista (termo que também recusava), acima de qualquer dúvida, defensora da igualdade entre os sexos. Identifico-me com Natália na liberdade, no inconformismo, na transparência. Liberdade de ser, pensar, agir. Liberdade crítica, criativa.
Natália Correia abandonou-nos em 1993. Portugal não teve muitas mulheres que se tenham elevado da penumbra e dos entraves que os homens constantemente colocam ao Outro. De entre elas, Natália Correia é a que melhor recordamos.
16 de abril de 2021
La II Segunda República Española.
14 de abril de 2021
Diesel, um ano depois.
Foi há exactamente um ano que adoptámos o Diesel. Adoptámo-lo eu e o meu marido. Foi uma decisão ponderada, conjunta, tomada em virtude de, pela primeira vez, ter autonomia para poder decidir acolher um animal. Sempre o quis, sempre mo foi negado por razões atinentes à minha saúde, à asma. E eu, já aqui em Espanha, ignorando a minha condição de doente crónico, adoptei-o, que comprar um animal, com tantos que há por aí a necessitar de amor e cuidados, estava fora de questão.
Quisemo-lo porque o nosso apartamento tem o espaço necessário para um animal do seu porte, pequeno-médio, e sobretudo porque moramos numa vila pequena, com o meu marido fora bastante tempo, no centro de saúde onde é médico. É uma vila pequenina, sim, atrás do sol posto, mas bonita, bem frequentada, com todos os serviços e comércios necessários, contrariamente àquilo que propagam alguns comentários desinformados que apenas se justificam na inveja e mesquinhez. Quando nos expomos nas redes sociais, menos ou mais, estamos sempre sujeitos à inveja e maledicência de pessoas frustradas com a sua vida.
O Diesel veio completar a família que ambos decidimos constituir, e veio no momento certo, quando também nós nos acostumávamos ao meio.
Acostumámo-nos ao Diesel e ele a nós, à nossa forma de estar. Era um cão bastante mais agitado. Com o tempo, tranquilizou-se, fez-se à casa e a nós, e hoje em dia está plenamente integrado. Faz-me imensa companhia. Foi, de certa forma, um teste à minha responsabilidade. Recordo-me de a minha mãe se inquietar quando lhe comuniquei a adopção do Diesel, temendo eventualmente que não estivesse apto a cuidar de um animal. Depressa levá-lo à rua, cuidar da sua higiene e alimentação se tornou parte da minha rotina, dos meus afazeres diários. O Diesel apenas me trouxe alegria, ânimo, carinho. Hoje em dia, parece que o tenho comigo desde sempre.
O seu passado não terá sido fácil. Foi recolhido das ruas. Estava doente, afligido por parasitas e bactérias. Veio para a nossa casa, que é a sua, na primeira vaga da pandemia. Está um cão bonito, feliz, que faz as delícias dos nossos vizinhos e de toda a vila. Este dia é meramente uma data simbólica. O dia em que a nossa vida mudou. Para sempre. A nossa e a sua.
13 de abril de 2021
Gagarin e a chegada ao espaço.
Há sessenta anos, Yuri Gagarin, correspondendo aos anseios de toda a humanidade e encabeçando a investida e primazia (até então) da União Soviética na conquista do espaço, foi o primeiro ser humano a transpor a atmosfera terrestre, demonstrando que sim, dispondo dos equipamentos adequados, era possível sobreviver para lá da protecção conferida pelo planeta azul. Para que Gagarin chegasse em segurança, sacrificaram-se outras vidas, como a de Laika, que merece uma menção neste dia simbólico.
A chegada ao espaço deu-se mais por rivalidade e antagonismo das superpotências da época do que por verdadeira curiosidade científica, muito embora a curiosidade ajude a definir o homem e as suas várias conquistas: a inconformidade, a necessidade de superação. A dúvida e a inquietude são as razões do progresso.
Gagarin foi o primeiro homem a desafiar a solidão espacial. O risco a que se sujeitou fê-lo um herói, e aproximou-nos de uma realidade que, seis décadas depois, continua a ser amplamente desconhecida.
12 de abril de 2021
(In)justiças.
O país não quis acreditar no que acabara de ouvir. Eu diria, mesmo à distância, não estando em Portugal, que o sentimento de indignação foi generalizado. Cabe-nos contestar a justiça, questioná-la, da mesma forma que o fazemos com o legislativo e o executivo. Sócrates será submetido a julgamento, a priori, mas caíram por terra, na fase de instrução, as acusações mais graves que lhe haviam sido imputadas pelo Ministério Público. Os crimes de corrupção, nomeadamente, tendo sido divulgadas escutas telefónicas, havendo dinheiros e gastos que não encontram explicação plausível. A justiça dos tribunais, a verdadeira, não é a do povo, e a justiça não pode decidir de acordo com a vontade popular. Juízes não podem ser afastados pelas suas decisões. São, como dita a Constituição, irresponsáveis e inamovíveis; todavia, cometem erros, não são imunes a pressões, a aliciamentos, extrapolando este caso em concreto. Cabe o recurso ao Ministério Público. A decisão, porém, a convicção formada no colectivo, está há muito tomada, e o descontentamento e a descrença na justiça também.
O sector da justiça tem sido dos principais alvos da crítica dos cidadãos, comparável talvez ao da saúde. A corrupção em Portugal e na generalidade dos países do sul da Europa impede que os respectivos países progridam no que concerne às políticas de igualdade e de distribuição de riqueza, contribuindo para o descrédito junto dos organismos internacionais e das populações. O caso português é particular. As operações sucedem-se, as condenações escasseiam, e sabemos que houve delitos, que houve casos de corrupção, de branqueamento de capitais, de tráfico de influências. Exigem-se, e não será populismo nem justiça popular, nomes.
Sócrates não foi o primeiro e certamente não será o último duma avalanche que ninguém parece conseguir suster. Surpreende-me que haja quem conviva bem com estas decisões de alguns órgãos judiciais -acreditando que as há de excepcional rigor e assertividade-, quem as menorize e despreze. Desprezam que o que está verdadeiramente em causa não é a liberdade de Sócrates, mas todo o sistema judicial. E num país onde a justiça é injusta, pegando num chavão, não há democracia.
11 de abril de 2021
Adágios.
«Nunca o invejoso medrou nem quem ao pé dele morou».
Sei lá, hoje apeteceu-me recordá-lo.
8 de abril de 2021
O Segundo Sexo.
Terminei O Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, aquele que dizem ser o grande clássico do feminismo. É uma edição de 1976, do Círculo de Leitores, e eu tenho uma predilecção por edições antigas. Parece-me que tudo o que é feito à moda antiga tem mais qualidade.
Beauvoir traça um retrato duro, sem grandes floreados, daquele que tem sido o papel atribuído à mulher desde que a humanidade existe. A autora identifica-a como o Outro. Os homens vêem-se como iguais, e depois têm o outro, que ora subjugam, ora divinizam, ora demonizam, mas sempre sob a premissa de que este mundo lhes pertence. Ainda que a mulher possa ser a sereia encantada, a ninfa, a feiticeira, quando a elevam ao divino ou a rebaixam às trevas pretendem justificar o seu alheamento dos negócios deste mundo.
Sem esquecer as suas convicções ideológicas, Beauvoir acredita que a exploração da mulher surgiu com a propriedade e com a escravização do homem pelo homem. Foi exactamente a transmissão que se faz da propriedade, de pai para filho, que levou ao desaparecimento do direito materno. A mulher, como membro da espécie humana, congratulava-se com as vitórias do homem, que também eram suas. Cada superação da espécie humana, cada avanço técnico, científico, através do homem, era seu, e o facto de nunca ter contraposto interesses aos do homem levou a que, gradualmente, lhe ficasse subjugada.
Há algumas menções, poucas, ao religioso, mas é evidente que a tentação de Eva que levou à queda do homem, segundo as religiões abraâmicas, ajudou ao estigma milenar em torno da mulher.
"O homem criou a mulher com uma costela do seu deus", disse Nietzsche, um dia.
Com efeito, a mulher apenas se libertará do jugo que a escraviza quando parar de se encarar também como o Outro que o homem a vê, quando deixar se existir para o homem, ao seu serviço e/ou para seu deleite. Quando, por fim, participar na liderança da ordem internacional, opondo a sua vontade, contrapondo os seus interesses, unindo-se com outras mulheres em razão do seu sexo, e não da sua classe social ou estatuto.
5 de abril de 2021
Constituição de 1976, 45 anos depois.
No passado dia 2, assinalou-se o quadragésimo quinto aniversário sobre a aprovação, em Assembleia Constituinte, da nossa actual Lei Fundamental, a Constituição de 1976, para vigorar a partir do final de Abril de 76, exactamente a 25, decorridos dois anos da Revolução de 1974. Encerrava-se, assim, o PCEC (Processo Constitucional em Curso) que sucedera ao PREC (Processo Revolucionário em Curso). Ao contrário do verificado em Espanha, Portugal passou por um tumultuoso período que terminaria apenas em 1982, com a primeira revisão constitucional que, entre outras reformas profundas no texto da Constituição, teve o mérito de afastar os militares do quotidiano político.
Na sua versão originária, a Constituição de 1976 adquiriu uma forte faceta ideológica. Previa-se, designadamente, a nacionalização dos meios de produção, a reforma agrária, no fundo, transformar-se Portugal num país socialista. Mais tarde, veio-se a verificar que tal ia de encontro a quaisquer pretensões do país de figurar entre os parceiros europeus, e desde logo, em 1977, havia-se solicitado a adesão de Portugal às comunidades europeias. O socialismo foi para a gaveta, parafraseando Mário Soares, e o centro político percebeu que havia que se adequar a Constituição às novas exigências. Sobrevieram as revisões de 1989, 1992 e 1997, sempre com o objectivo de manter Portugal no mesmo compasso da União Europeia. Em 2001, o regime de extradição para o Tribunal Penal Internacional exigiu outra revisão, seguido das duas últimas até então, de 2004, que ampliou os poderes das duas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, e de 2005, mais uma vez para permitir o malogrado projecto de Constituição Europeia.
Frontispício da Constituição de 1976 na sua versão original |
A Constituição de 1976, logo na sua primeira versão, enunciava uma série de direitos, liberdades e garantias, o que provavelmente não motivou a classe política a rasgá-la de cima a baixo quando a democracia se consolidou. No seu âmago, era uma lei fundamental que respeitava a dignidade da pessoa humana. O mesmo já não podemos dizer da liberdade económica e do respeito pela propriedade e iniciativa privadas, ainda que o pluralismo político e a convocação de eleições livres estivessem também assegurados. E havia o problema da partilha de soberania entre as legitimidades popular e militar.
Nos dias que correm, a Constituição de 1976 é um texto estável, frequentemente manual de meras boas vontades que impõe condutas e traça metas ao legislador ordinário. Manual de boas vontades porque muito daquilo que enuncia é difícil de se concretizar na prática, por displicência, inexequibilidade ou má vontade dos partidos que se revezam no poder. É uma Constituição prolixa, extenuante, que diz mais do que devia. Há sistemas que funcionam melhor com constituições mais sucintas, e inclusive sem constituição. Não é o que defendo, mas defendo, isso sim, que a Constituição seja mais do que um projecto ideal. Com maiores ou menores vicissitudes, é o texto constitucional que vigora há mais tempo no nosso país, a seguir à Carta Constitucional de 1826, que, com hiatos, esteve em vigor de 1826 a 1911.
1 de abril de 2021
Os duzentos anos da extinção da Inquisição (1821-2021).
Assinalou-se ontem o ducentésimo aniversário sobre a extinção da Inquisição em Portugal, promovida após a Revolução Liberal de 1820. A Inquisição, que fora introduzida cerca de trezentos anos antes, no reinado de Dom João III, por forma a combater as heresias protestantes que então assolavam a Europa, estava já em franca decadência desde o consulado de Sebastião José, o Marquês de Pombal, que pôs cobro àquela que era, talvez, a actividade mais conhecida e foco principal da acção da Inquisição: a perseguição aos cristãos-novos. Entretanto, a jurisdição da Inquisição abarcava também a prática de quaisquer crimes que violassem a ordem moral estabelecida: bruxaria, sodomia, nomeadamente, cujo conhecimento era da sua competência.
Um dos mitos que se propagaram durante séculos sobre a Inquisição diz respeito aos seus métodos. Tudo o que provoca o medo estimula a imaginação dos homens. Não é de todo verdade que a maioria das vítimas tenha perecido nos autos-de-fé, quiçá o método mais tenebroso que lhe está associado, como tão-pouco é verdade que a Igreja participasse das execuções. A Inquisição julgava, o braço secular executava. Era uma hipocrisia, era-o, mas assim se evitava que a Igreja, investida na fé cristã, manchasse as suas mãos de sangue. Muitos dos processos eram arquivados e tantos outros terminavam com pequenas penalidades, como multas e vexames públicos, chamemos-lhes assim. Pequenas tendo como termo comparativo a penalidade máxima, a morte, numa época em que não havia a proibição da tortura para a obtenção de confissões nem códigos que assegurassem direitos aos suspeitos.
A Inquisição portuguesa jamais logrou da fama da sua congénere espanhola. As instituições acompanham a força dos Estados, das coroas. E também é bem verdade que à sua cabeça não teve um Tomás de Torquemada, figura sombria que é a face mais conhecida da Inquisição.