15 de março de 2021

Sessenta anos de Guerra Colonial (1961-2021) e o revisionismo.

 

   Contrariando e negando o espírito de fraternidade que Gilberto Freyre preconizara, portugueses de Portugal e portugueses dos territórios do ultramar, os primeiros acicatados por ordens ilegítimas e os segundos por pérfidos interesses estrangeiros, enfrentaram-se na cidade e no mato, num período (1961-1974) em que erros e atrocidades foram cometidos de parte a parte, conduzindo-os a uma dolorosa separação que não era querida nem desejada. Uma separação que trouxe o caos aos territórios do ultramar recém-emancipados e a Portugal, de 76-82, e a pobreza para ambos. Recordo-lhes de que Portugal dispunha de uma balança comercial positiva nos últimos anos do regime, dando-se a queda nesse processo de crescimento com o despoletar dos acontecimentos em África. No antigo ultramar, a recuperação é lenta, tão lenta que se nos parece estagnada. À guerra colonial sucederam-se as guerras civis, a exploração por parte de americanos e soviéticos, a fome crónica, a devastação por epidemias várias.

   Ainda assim, e para minorar, soube-se, no intervalo da separação politica (74-75), talvez a maior chaga na história recente de Portugal, garantir a presença da língua portuguesa nos países que emergiram dos territórios do ultramar. Assegurou-se a sua primazia nas leis do estado, o seu ensino regular nas escolas, a sua sobrevivência como legado da presença dos portugueses.


  Ramalho Eanes exortou recentemente a que se voltasse a falar da guerra colonial. O mote actual, estimulado por uma nova geração amnésica, reside na reinterpretação, à luz de novas ideologias revisionistas que abominam o passado histórico dos países europeus, de feitos e logros. Quando tal não é possível, destrói-se e veta-se ao esquecimento. A reintepretação não atinge somente factos históricos, mas escritos, como o vimos com Os Maias, quiçá o maior e melhor romance português do século XIX. Os Maias, como nenhuma outra fonte, obra, pergaminho, não está imune à crítica científica ou social. Devemos, contudo, enquadrá-lo no seu tempo e nos propósitos do autor, esquivando-nos a visões hodiernas e alheias à intrínseca construção da narrativa literária. Eu não creio nas boas intenções destas reinterpretações. Não lhes vejo verdadeira utilidade para o esclarecimento público, mormente dos jovens, quando o interesse de Os Maias reside na sua narrativa, na construção literária do autor, nos enredos que se lhe estabelecem, na riqueza do vocabulário empregue. O contexto social em que se desenrola a acção é consequência necessária de se situar a história e as personagens no tempo e no espaço, tempo e espaço que funcionam de forma hermética, condicionando inclusive a liberdade do autor, na procura pela coerência da narrativa.

   Mais ainda, se o propósito do alarde é o de se proceder a um “comentário pedagógico”, não quero deixar passar a oportunidade de lamentar que estes académicos tenham os nossos jovens em tão má conta, incapazes de, por si só, proceder a uma análise e extrair uma conclusão tão evidentes.

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