Fruto talvez de uma necessidade de proteção, começo a pensar no Natal com carinho. Às vezes tenho medo de perdê-lo.
Aprendi, talvez à minha custa, de que os bens materiais não são tão importantes quanto me pareciam. Também me julgo demasiado, é verdade, mesmo sabendo que o amadurecimento faz parte da vida e que mudamos continuamente.
Este ano, vivo um período pré-natalício à americana, onde o Natal começa logo após o Halloween. Melhor, antecipei-me mesmo aos americanos no que a isso diz respeito.
Lisboa parece-me apática. Na rua, cada um segue o seu caminho numa cidade sem brilho. Faz frio, de noite, mas não o sinto. Senti-me perdido, como se as vidas que seguiam ao meu lado tivessem um rumo definido, exceto a minha, mesmo sabendo que isso não é verdade.
Vamos alegrar um pouco, vendo consumir.
Um final de tarde na baixa pombalina não resolve. As ruas, pouco iluminadas, atenuada a escuridão pelo brilho incandescente das lojas, parecem caminhos tortuosos e sem fim à vista. Perigosos. Passa uma senhora loira, de meia-idade, carregada de sacos, bem vestida e a falar apressadamente ao telemóvel; no passeio paralelo, caminha um sem-abrigo, sujo, doente, esfomeado e a falar sozinho. A luz da loja de roupa encadeou-me os olhos. Pessoas correm apressadamente à volta das roupas que lhes agradam, outras experimentam casacos, encolhendo as barrigas para que consigam apertar os botões. A empregada, inexperiente, baixa o olhar, envergonhada, ante uma reclamação incendiada de uma cliente nervosa.
Saí.
Agora, três rapazes, embriagados, falam em tom alto encostados a uma parede grafitada. Tentei ver o escrito, mas a penumbra não mo permitiu. Mudei de passeio.
Desci a estreita rua inclinada que termina num cruzamento. Virei à direita em direção ao Tejo. Pergunto-me que encanto terá Portugal para que tantos turistas o visitem.
A corrente de ar, marítima, levou-me a vestir de novo o casaco e a sentir um calor, artificial que fosse. As luzes da Ponte refletem-se na água do rio. Sinto-me como se fosse o único na praça e toda a cidade parasse a olhar para mim. Apeteceu-me rodopiar sobre mim próprio, mas depois ficaria com tonturas e não teria onde cair de forma segura, nem uns braços que me pudessem segurar. Será que o rei se incomodará com a minha presença?
Absorto pela minha realidade, deturpei a vontade e fi-la minha. O princípio da noite de sábado seria meu. Sem o estudo, sem os livros e até mesmo sem mim. A melhor experiência é deixar que o momento nos conduza.
Esqueci-me da fome - que porventura não tinha - das horas e do tempo. Queria voltar sem ver ninguém nas ruas. O mundo vazio. Preciso de uma ilha deserta. Mas saberia como a moldar, porque a vontade continua a ser minha e dentro de mim nada há que não queira. Os ditadores nunca conseguiram extinguir os sonhos e até eles caem. As estátuas poderão ser derrubadas e as árvores morrem, mesmo que de pé. Os sonhos ficam, pelo menos até que a sua força motora viva. Depois, bem depois não sei, mas se agora valer a pena, não interessa o que aí vem.