29 de outubro de 2018

Bolsonaro, Presidente eleito da República Federativa do Brasil.


   Nada mais natural do que começar a publicação com esta evidência: Bolsonaro, o candidato que começou por ser uma piada, que chegou a perder um debate com, veja-se!, Marina Silva, fez-se eleger Presidente do Brasil. Mérito seu, muito, e o PT também lhe deu um valente empurrão. Desgastado por tantos escândalos de corrupção e favorecimentos, o PT, através de Haddad, pensou que colar-se a Lula teria um efeito positivo. Esqueceu-se de que o povo brasileiro está farto de instabilidade, de estagnação económica, de violência, de ver e sentir os seus direitos diariamente atacados e restringidos. Os opositores temem pela sua liberdade, estando longe de perceber que já não a têm: não há liberdade sem paz social, sem segurança, sem tranquilidade.

   Bolsonaro, com os votos apurados, ganhou por quase 55 %, ao passo que Haddad se terá ficado por pouco menos de 45 %. Não venceu à tangente, não. Teve uma vitória significativa, ainda que considerando que a sociedade brasileira está totalmente dividida. O que quero dizer é que não foi uma disputa renhida. Bolsonaro ganhou e Haddad perdeu. Uma machadada no PT, sem hecatombe. Haddad, no seu discurso de derrota, não pronunciou nem por uma única vez o nome de Lula. Um momento de viragem no partido, quem sabe.

  Agora que a vitória está consumada, começaram os desafios de Bolsonaro. Eu apontaria três imediatos, a concretizar nos seus dois primeiros anos de mandato: primeiro, pacificar a sociedade brasileira, totalmente fragmentada com esta campanha. Houve casais que se separaram, amigos de longas décadas que se deixaram de falar. Este acto eleitoral foi fracturante. A sociedade brasileira está como que dividida em duas partes. Em segundo lugar, Bolsonaro terá de assegurar a governabilidade. Na Câmara dos Deputados, o presidente eleito tem 52 deputados. Muito pouco. Terá de conseguir gerar consensos. Num parlamento com dezenas de partidos, é difícil conseguir-se chegar a um pacto de salvação nacional, a um compromisso. Em terceiro, Bolsonaro terá de mostrar resultados nomeadamente na diminuição da criminalidade, talvez um dos pontos nevrálgicos, com os costumes, destas eleições.


  Ouvi os discursos dos dois candidatos. Da parte de Haddad, desde logo tenho a lamentar que não tenha, democraticamente, dado os parabéns ao oponente. Não lhe ficaria mal, muito antes pelo contrário. Os brasileiros votaram em liberdade, repito, em liberdade. Elegeram o seu presidente para os próximos quatro anos, e fizeram-no por uma maioria expressiva de 55 milhões de eleitores. É bom que a esquerda e simpatizantes o interiorizem. Depois, não reconheceu a derrota. Referiu-se a quem o apoiou apenas, como se os demais brasileiros não lhe interessassem, e prosseguiu no discurso de terror que caracterizou o PT e a esquerda brasileira (e internacional) durante a campanha. Já Bolsonaro, por seu lado, e pese embora tenha achado aquele momento de oração meio circense, teve um discurso inteligente e equilibrado, diferente do Bolsonaro que conhecemos. Frisou que quer aproximar o Brasil dos países desenvolvidos. Claramente um piscar d'olho para Donald Trump, que será o seu aliado. Lamento não ter ouvido nenhuma menção a Portugal e aos países de língua portuguesa. Espero que esta ausência / esquecimento não se traduza numa efectiva indiferença com respeito ao povo português, antepassado do brasileiro.

  Bolsonaro conseguiu o apoio de 15 entre os 27 governadores eleitos. Nas comunidades estrangeiras, em quase todos os núcleos onde os brasileiros puderam votar, Bolsonaro saiu vencedor. A mensagem do povo irmão é inequívoca: quer uma mudança urgente. Acredito que muitos tenham votado em Bolsonaro sem simpatizar com o militar na reserva. Rejeitam eleger mais do mesmo. O povo brasileiro está cansado de promessas vãs, de políticos que se sucedem no tempo sem que o país melhore efectivamente. Para o presidente eleito, chegou o momento, após tomar posse, em Janeiro, de mostrar trabalho. Os anos de congressista terminaram. O povo cobrar-lhe-á medidas efectivas.

  No discurso, Bolsonaro enunciou as linhas mestras, em traços muito gerais, do que será o seu mandato. Foi bem mais conciliador, pacificador. Está já a trabalhar no primeiro dos desafios que lhe apontei acima. Comprometeu-se a respeitar a democracia, e referiu inúmeras vezes a palavra liberdade. Alinhar-se com a esquerda está fora de questão, e bem, a meu ver. O viés ideológico, para o presidente eleito, terminou. Um bom sinal para o Brasil, que se afastará assim, definitivamente, de Cuba e da Venezuela, do socialismo internacional. As bancadas religiosas serão o seu grande suporte. Antes de discursar, quem o acompanhava mencionou os cristãos, evangélicos e católicos, que estiveram sempre na linha da frente de apoio ao então candidato.


  O Governo e a Presidência da República já enviaram as felicitações a Jair Bolsonaro. As relações entre Portugal e o Brasil continuarão estáveis. Com a geringonça no poder, não auspicio grandes aproximações. Muito os separa de Bolsonaro. Espero que o impulso, então, parta do presidente brasileiro. Urge aproximar Portugal e o Brasil. Não me contento com as meras relações bilaterais, formais. Essas, estabelecemo-las com qualquer país. O Brasil representa-nos bem mais. Que Bolsonaro seja sensível aos estragos que a esquerda brasileira operou nas nossas relações, através dos discursos de ódio de Lula, e que procure a conciliação. Portugal pode ajudar o Brasil nessa busca pela sua identidade: lusófona, cristã, tradicional.

  Para terminar, também eu felicito o presidente brasileiro. Num mundo global, nunca sabemos por quem somos lidos. Estou confiante. Que Bolsonaro seja sensível ao capital de esperanças que milhões, no Brasil e não só, depositam em si.

28 de outubro de 2018

First Man.


   Estava com imensa curiosidade neste First Man, realizado por Damien Chazelle, que nos brindou com La La Land  no ano passado. Por vários motivos: por rever Ryan Gosling, um actor do qual confesso gostar, e por abordar uma temática que me interessa sobremodo: a expansão espacial. Já vos disse que nutro um carinho pela Astronomia desde pequeno. Se envolve planetas, estrelas, asteróides, eu estou lá. A missão da Apolo 11 consubstanciou um passo decisivo para a Humanidade, embora curto para o homem, parafraseando aqui Neil Armstrong. Ninguém diria melhor.

   E é precisamente em Armstrong que a narrativa incide. Vai alternando entre o pai de família e o astronauta. O pai que não recupera de uma dolorosa e antinatural perda e o astronauta dedicadíssimo, que passa das críticas e da desconfiança de todos a cabeça primeira do novo, à época, projecto que se propunha a levar o homem à lua e a ultrapassar os soviéticos, então pioneiros. Não nos esqueçamos de que haviam lançado o primeiro homem para o espaço, Gagarin, anos antes.

  A competição com os soviéticos, que não foi esquecida no filme, era um imperativo nacional, em anos em que a Guerra Fria se expandiu para além da atmosfera terrestre. Kennedy investira bastante nos programas, e a NASA, sob fortes críticas da opinião pública, manteve o propósito de, até ao final da década, provar ao mundo que os americanos estavam um passo à frente da URSS.


   Creio que perderam demasiado tempo com os driving tests. Mais de metade do filme, que alterna entre 1961 e 1969, recai nos falhanços da NASA, nos acidentes que vitimaram astronautas antes da bem sucedida missão de Armstrong, para, bem perto do final, nos presentearem com escassos minutos de Lua. Parece que se esqueceram do culminar, improvisando uma sequência de cenas. Quanto aos pormenores técnicos, não abusaram nos efeitos, o que considero excelente. As sequências das missões, inclusive as fatidicamente falhadas, tiveram um realismo ímpar, com alguma ressalva, devo dizer, da aterragem no satélite. Gostei da fotografia da superfície lunar, se bem que não se teria perdido nada se houvessem afastado um pouco as objectivas, dando-nos uma visão mais ampla da solidão daqueles dois homens (com um no módulo, que não desceu) no meio de um nada estéril, a 300 e tal mil quilómetros de casa, ainda sem saber se voltariam.

  De igual modo, gostei imenso das interpretações, quer de Ryan Gosling, quer de Claire Foy, que faz de sua esposa. A interacção dos dois foi intensa. Janet temia, e naturalmente, perder o marido, após ter conhecimento de tantos projectos fracassados da NASA. Por seu lado, Armstrong sabia que tinha em mãos o maior desafio da sua vida, que não podia falhar, nem que para tal tivesse de sacrificar os momentos em família. Gosling soube transpor, para o grande o ecrã, o desalento de um homem pela perda da filha, que o acompanha sempre, ao longo da estória. Um engenheiro aeroespacial de inestimável valor e coragem, um pai desolado. Um homem a quem a tragédia pessoal veio a ajudar na determinação necessária para enfrentar as expectativas de milhões e a pressão de outros tantos que queriam estar no seu lugar. Jogava-se o tudo ou nada.

  Na cena final, de que gostei particularmente, entre Armstrong e a mulher, Gosling e Foy dão um show de interpretação. Os olhares de ambos denotam o que lhes vai por dentro. Em Janet, um misto de medo de que aquele casamento falhe, uma vez que a estabilidade que tanto pedira não passava de um velho sonho. Ela sabia que teria de dividir o marido com o espaço, arriscando-se a perder o pai dos seus filhos. Opções que os grandes têm de tomar. Segundo li, o casamento fracassaria duas décadas depois, quem sabe motivado por feridas abertas nestes tempos.

  Aconselho vivamente. Entre o drama e a acção, temos aqui um filme que irá render algumas categorias, direi eu, nos Oscars do próximo ano.

24 de outubro de 2018

A Star Is Born.


   Ontem, então, aproveitando o festival de cinema a preço convidativo (iria, de qualquer forma), fui ver este A Star Is Born, com Lady Gaga, não no papel principal, que o filme gira mais em torno de Brandley Cooper, não obstante, pelo título, aparentar que estaremos em torno da ascensão meteórica de uma estrela pop.

   Vamos lá ver: filmes sobre pessoas que vêm do nada e chegam à fama há muitos, e não são poucas as cantoras que protagonizaram filmes mais ou menos autobiográficos - ao contrário do que sucede por cá, na Europa, nos EUA é muito bem visto vir-se do nada. Este A Star Is Born é, ele mesmo, uma adaptação de um original dos anos 30. Só que Gaga sabe cantar (o que Madonna não sabe) e actuar (o que Mariah Carey queria). Como não compararmos este filme com o Glitter, de Mariah Carey, um desastre? Gaga tem uma interpretação bastante boa num filme que é um melodrama, é verdade, mas que convence. Poucos anos separam Stefani Germanotta de Lady Gaga. Gaga ainda sabe fazer de quem nada tem. E foi isso, sobretudo, que convenceu, a par da química maravilhosa que teve com Cooper, que também é o realizador, a par de cantar. Multifacetado, o homem, hm?

   Gostei dos números musicais e das canções propositadamente escritas para o filme - Shallow merece que a adicione à biblioteca da Apple Music. Creio que Gaga, enquanto artista, soube afastar Ally de si própria. A personagem que encarnou pouco tem que ver consigo. Quando Gaga é, ela, excêntrica, Ally viu-se obrigada a sê-lo ao estar sujeita aos desmandos do seu produtor. É um retrato cru da vivência destes astros, que julgamos ricos e felizes, quando, tantas e tantas vezes, vivem numa redoma, a fugir do assédio e imersos num mundo de drogas e álcool - a personagem de Cooper, Jackson Maine, demonstra-o: um cantor country completamente dominado pelos vícios.


   O argumento, como referi acima, não é nada de excepcional. O filme resulta por uma conjugação de factores que lhe são exógenos: boas interpretações, boa música e natural empatia entre Gaga e Cooper, na queda de um, Jackson, e na escalada ao sucesso de outro, Ally. E vemo-lo quando, a determinado momento, é Ally quem diz enviar um carro para buscar Jackson, precisamente o que ele fez quando a viu cantar num cabaret de quinta categoria e não mais a largou, abrindo-lhe, indirectamente, a porta para o mundo da música.

   Ally, no filme, esteve nomeada para três Grammys, ganhando, pelo menos, o de Melhor Revelação. Gaga, há quem o garanta, vai estar nomeada para o Óscar de Melhor Actriz. Não me admiraria nada. A Star is Born, que decerto também estará nomeado, é das melhores histórias de amor dos tempos recentes, na sétima arte.

22 de outubro de 2018

Bad Times at the El Royale.


   Por uma questão de incompatibilidade de horários - leia-se, por a partir de determinada hora, aos fins de semana, não ter transportes - vi-me obrigado a decidir por este Bad Times at the El Royale, isto quando diminuí drasticamente as minhas idas ao cinema. Imperativos de estudo.

   Não gostei nada, nada, e nem a participação de Chris Hemsworth, que lavaria as vistas de alguns, o salva do fracasso. O enredo é extremamente irracional, sem um fio condutor. Parece um sonho confuso, que nos leva a acordar atordoados. Nada parece fazer sentido. Gostei do ambiente sixties. Das músicas. Da voz potente de Cynthia Erivo, do suspense final. Fora isso, é aborrecido e desinspirado. Talvez o realizador tenha querido fugir à lógica dos filmes actuais, bastante previsíveis, mas falhou alguma coisa. O filme, à primeira vista, auspicia algum glamour, até por toda aquela atmosfera de hotel-cabaret que se cria. Faltou o que sou levado, eu e todos de bom senso, a considerar nuclear: uma narrativa digna. O próprio realizador, Drew Goddard, assumiu que deixou que as personagens " ditassem a história ". Pois sou levado a dizer que a ditaram mal. Andamos às voltas, com personagens que entram a meio da trama, quase que vindas de outra estória, e que caem de pára-quedas num arranjo que já prenunciava ruir. 


   Uma palavra especial para Cynthia Erivo, que tem aqui uma interpretação melhor do que as dos seus pares, que, verdade seja dita, as interpretações ainda são do pouco que podemos elogiar.

   Esta semana, e interrompendo um pouco a saga no estudo, tenho três filmes para ver, um dos quais já amanhã, na terça, aproveitando o festival de cinema que começa hoje - com bilhetes, em todas as salas do país, a dois euros e meio. Aproveitem.

15 de outubro de 2018

Searching.


   Anteontem, ou ontem, fui ver o Searching ao cinema. Calma, calma. Perguntar-se-ão: "Então, mas ele não sabe se foi num dia ou no outro?" Em abono da verdade, fui nos dois. Sábado e ontem, domingo. Sábado, como saberão, - aliás, como todos sabiam, menos eu - o furacão Leslie passou por Portugal, deixando atrás de si um rasto de destruição sem precedentes num furacão, até porque nós, aqui, nem estamos habituados a estes fenómenos. Acabara de jantar, após ter estado a tarde toda na sala de estudo da faculdade, e estava confortavelmente na sala 3 do El Corte Inglés quando, aí pelo meio do filme, cai a energia. Ficámos só com as luzes de emergência ligadas. Eram 22h:30m. Ligo os dados móveis e descubro que estamos a passar pela hora crítica da intempérie. Primeiros pensamentos: um, o serão está terminado, não irão repor o filme hoje; dois, vamos lá ver se tens transporte para casa. Escusado será dizer que fiquei aflito.

  Não, não tive sessão, nem eu nem ninguém, mas foram simpáticos e devolveram-me o dinheiro, e sim, tive transporte para casa, atrasado, mas tive. Ontem, então, domingo, e desta vez no Colombo, para ser diferente, fui ver o Searching, a parte que já tinha visto, claro, e o que me faltava ver.

  Adorei o filme. É um thriller que nos deixa expectantes até ao último minuto, digno de um exame de Direito Penal. Quando parece que o mistério do desaparecimento de Margot está finalmente desvendado, surge-nos outra hipótese, que se cruza ainda com outra. Um novelo tão enleado quanto a própria internet, e o filme põe-nos na perspectiva de um stalker. Assistimo-lo como se estivéssemos diante de um ecrã de computador ou de iPhone.


   A par do argumento em si, que é bastante interessante, gostei também do modo como a estória nos foi apresentada, com suspense, com dinamismo, com aquela capacidade já rara de nos prender os sentidos. Como referi acima, são tantos os caminhos que nos podem levar a Margot, uns mais frágeis do que outros, que tudo na internet pode ser tão frágil, que a partir de determinado momento somos levados a desconfiar de todos, até do à primeira vista insuspeito e simpático tio.

  As interpretações são para lá de boas. John Cho, que faz aqui de pai de Margot, o inconsolável David, não desiste de encontrar a filha, mesmo quando as pistas não lhe são favoráveis, mesmo quando tudo lhe aponta para baixar os braços e entregar a investigação nas mãos de quem de direito. Ficamos - eu pelo menos fiquei - tão condoídos com o sofrimento daquele homem, completamente desesperado, que se vira para todo o lado e que tem de começar a lidar com um mundo tão pernicioso quanto o da internet, com as suas milhentas redes sociais. Esse submundo é-nos dado a conhecer. Os perigos da rede são explorados: os amigos virtuais (que não o são), os perfis falsos e as contas igualmente falsas, as correntes de apoio, as hashtags, a informação actualizada a todo o instante, os julgamentos nas caixas de comentários, o assédio, as salas de conversação com desconhecidos, enfim, tudo o que sabemos que existe sem que ponderemos, na maior parte das vezes, os riscos a que nos sujeitamos. O realizador levantou, simultaneamente, um problema ético, como o da privacidade. David vê-se obrigado a invadir o iMac da filha, procurando obter pistas sobre o seu paradeiro. Até que ponto o podia fazer, sem ser da polícia? Questões que nos dão que pensar.

  Podemos, ainda, acompanhar e evolução surpreendente que se deu na tecnologia. O filme começa com um Windows XP e termina no último macOS. Vemos o que mudou. Aquando do desaparecimento de Margot, ela e o pai, David, comunicavam-se por iMessage ou FaceTime, estando permanentemente em contacto. Um mundo no qual todos estamos online. Sempre online. Assustadoramente online. E expostos.

8 de outubro de 2018

Dos julgamentos sumários e das eleições brasileiras.


   Vinha trazer-vos apenas um assunto, mas impõe-se, por uma questão de celeridade e de economia de tempo e de espaço, que o trate, com outro, num único post, até porque estamos perante temas actualíssimos, o último com escassos minutos e com reflexos e desenvolvimentos pelas próximas semanas.

   Começando pelo primeiro. Soubemos, há dias, de mais um escândalo a envolver Cristiano Ronaldo. Só que desta vez não houve o tradicional assédio à sua vida amorosa, luxos, carreira e família. Houve, isso sim, uma acusação, nos EUA, por parte de uma moça, uma moça que lhe imputa factos graves, muito graves, envolvendo um alegado abuso sexual. Li que o acusam de mais crimes, não sabendo ao certo de quantos e de quais. Este, pelo visto, é o mais impactante, o que tem suscitado mais reacções, sobretudo na imprensa.

  Ronaldo está a ser vítima do mesmo mal que aflige Sócrates - e atenção que não simpatizo com nenhum dos dois: os julgamentos sumários e as condenações em praça pública. Antes mesmo de os inquéritos chegarem ao fim - e, quanto a Ronaldo, teremos trâmites diferentes, da justiça norte-americana - e antes mesmo de haver qualquer acusação formal e julgamento, já há uma condenação com sentença lida: culpados. A colectividade não se preocupa em saber se os pressupostos de uma defesa justa e equitativa estão assegurados. Ainda menos lhe importa respeitar o princípio da presunção de inocência, pedra basilar de qualquer Estado de Direito. Os jornais e as redes sociais, aos quais há a acrescer as estações de televisão sensacionalistas, apuram, decidem e condenam. É esta a justiça que temos, uma justiça de alcoviteiros e juízes de bancada, que se escudam no anonimato e que destroem vidas e carreiras.

   No caso de Ronaldo, em concreto, o jogador teve duplo azar: está a ser acusado de abuso sexual de uma mulher. Isto significa, nos dias que correm, ser-se culpado. Surgiu logo um movimento, com hashtags, amparado no feminismo mais inconsequente, a apoiar a pobre coitada que terá sido abusada há nove anos e que só agora veio falar.
   Não, parece que não será a senhora a ter de provar a culpa de Ronaldo; é Ronaldo quem terá de provar a sua inocência. Inverteu-se o ónus da prova, numa claríssima subversão do sistema de garantias processuais. A justiça deixou de ser um monopólio do Estado, a ter lugar nos órgãos judiciários competentes. Aplicá-la passou a ser da competência da Comunicação Social e das redes sociais, que definem vítimas e culpados.


   As eleições brasileiras ocuparão o que resta da publicação. Como sabem, há uns meses declarei o meu apoio a Bolsonaro. Encaro-o, como venho dizendo, como um mal menor. Olhando para o leque de candidatos, para o que apresentam e para a esquerda brasileira, no geral, que é odiosa, Bolsonaro parece-me o menos mau. Compartilho de muitas das suas opiniões: também eu defendo certa moralização da sociedade, uma polícia mais forte e mais presente, o fim da doutrinação nas escolas, uma maior abertura da economia, livre das amarras do Estado, que é um péssimo gestor, accionista e empresário. Encontrarão, se quiserem, mais desenvolvimentos aqui. Para não me repetir, digo-vos só que fiquei agradavelmente surpreso com os 46 % que o candidato do PSL obteve. Tiramos, daqui, algumas ilações. Os brasileiros estão cansados do PT, por um lado, e da esquerda brasileira, no seu conjunto. Fernando Haddad, principal opositor de Bolsonaro e correligionário de Lula da Silva, não conseguiu inverter a tendência. Bolsonaro roubou votos aos descontentes. Os desaires do PT nos anos recentes, os escândalos com Lula e as decepções com Dilma semearam, no povo brasileiro, um desejo inequívoco de mudança. Bolsonaro, inteligente, soube capitalizar o descontentamento em proveito próprio. A radicalização é-lhe favorável. Não ganhou com maioria absoluta por mui pouco, e disputará, no próximo dia 28, a segunda volta, que no Brasil chamam de turno. Atendendo ao que se verifica e ao percentual que afasta Bolsonaro de Haddad, eu diria que a vitória de Bolsonaro é quase certa. A campanha ad terrorem também surtiu um efeito contrário: apelidar Bolsonaro de fascista é desconsiderar uma doutrina política que tem características próprias. Essa tendência da esquerda, de rotular de fascista tudo o que lhe é contrário, vai ao limite do complexo. Bolsonaro não é fascista. É um militar, algo autoritário, com um sentido de justiça apurado e com uma vontade de pôr cobro àquilo que considera, e no qual eu o acompanho, uma crise de valores. Assistimo-la no Brasil e também pela Europa. Depois, tem propostas interessantes na área da educação. Gostei de ler, entre elas, o fim da politização da História - o que a nós, portugueses, seria favorável - e uma maior aposta no Português e nas ciências exactas. Quanto ao Português, sobretudo, agradece-se: dizer-se que os brasileiros escrevem e falam mal chega a ser uma simpatia.

   Em jeito de curiosidade, os brasileiros residentes em Lisboa votaram na minha faculdade, hoje, que estava cheia de cidadãos do país irmão. Ouvi gritos de ordem por parte de alguns manifestantes, estando na sala de estudo. Posso, então, dizer que vivi de perto o acto eleitoral, que não terminou. Haddad e Bolsonaro medirão forças para o confronto final. Um dos dois liderará o Brasil, e terá muito trabalho pela frente.

7 de outubro de 2018

Aulas.


   Devem estranhar não ter notícias minhas há uma semana, não? Talvez não, talvez sim. Em todo o caso, eu avisei que seria assim. Como tenho andado? Bem. Numa azáfama. Apanho os transportes, corro para as aulas, compro os livros, os códigos, vou para a sala de estudo, resolvo casos. O expectável. Os dias têm sido passados na faculdade, literalmente, cuja sala de estudo está aberta 24h sobre 24h, 7 dias por semanas. Uma reivindicação antiga, que se viria a concretizar algures durante estes três anos de ausência. Como me sinto? Bem! O que é difícil, tratando-se de alguém que raramente está bem. Sinto-me… normal. Poucas vezes me tenho sentido normal, pelo que sou, pelas vivências que tive, enfim, por um manancial de factores. Sem me querer repetir, mas já o fazendo, tenho um dever, um compromisso. O que me faltava. O que já tive e que perdera, e tê-los perdido fez-me dar-lhes outro valor.

  Voltar à faculdade fez-me ver o que realmente importa. O meu futuro está por lá, e em alguém como eu, com tantos anticorpos e com tanta gente a querer mal, não há nada melhor do que me focar no essencial. Acreditem, não é mania da perseguição. Há quem a tenha, de facto. Gero muitas antipatias, por motivos que nem eu compreendo bem. Não costumo ser mal-educado ou desrespeitoso. Afrontarei, e nisso acredito, com as minhas posturas, atitudes e convicções. Não estamos preparados, não num país comezinho como Portugal, para lidar com quem nos faz frente ou discorda de nós. Temos um deficit democrático gigante.  A parte boa disto tudo é que não preciso dos meus caros inimigos para nada. Quando muito para poder dizer, de peito cheio, que os tenho. Só tem inimigos quem alguma importância tem. E, acreditem, os meus já se contam pelos dedos das duas mãos.

  O blogue continua a merecer-me a maior das atenções. Prova é que já me sentia mal por remeter-me a uma ausência que, ainda que curta, me incomodava. É bem provável que, nos próximos dias, regresse em cheio com um enquadramento jurídico inspirado num caso recente - aliás, mais do que recente: do dia -  que tem ocupado páginas e páginas de jornais. Até lá!