31 de dezembro de 2011

2012...




... aproxima-se. 2011 não foi um ano próspero; pessoalmente, foi um ano razoável. Já passei por melhores, mas também já tive piores (sendo que 2006 é oficialmente o meu annus horribilis, record que ainda não foi batido posteriormente, felizmente!). Habituei-me a não criar expectativas: geralmente - para todos nós - são infundadas e infrutíferas. Quantas e quantas vezes planeamos e delineamos objetivos que não se concretizam? Deixei-me de resoluções. Aliás, há uma que subsiste: viver cada dia, dia-a-dia, e não mais do que isso. Afinal, passando as doze badaladas, não há nada que faça distinguir 2011 de 2012. Evolução na continuidade (onde já ouvi isto?...).
Em todo o caso, Feliz Ano de 2012 para todos vós. Sejam felizes. ^^


29 de dezembro de 2011

Às vezes é bom ser "vulgar".

Estava eu, de tarde, com a avó e uns primos numa pastelaria, quando o primo começa a folhear um qualquer jornal desportivo. O futebol nunca foi um tema que me interessasse, por vários motivos: não aprecio a modalidade (nem os jogadores...), não entendo quase nada do que a futebol diz respeito e nunca tive uma cultura familiar que me iniciasse neste gosto tão português! (risos)
Curiosamente - ou talvez por apatia - resolvi, depois do primo acabar de ler, de eu mesmo folhear com indiferença as páginas daquele periódico comum. Ao fazê-lo, dou com uma foto deste rapaz:




Bom, quanto a vós nada poderei dizer, mas quanto a mim, este rapaz é... o tal. E, do tal entende-se aquele que me diz alguma coisa, o ideal. Não fazia a mínima ideia de quem era (risos) e se o visse na rua ser-me-ia um total desconhecido. Afinal, até parece que é do Sporting (clube da minha simpatia). Será hetero, evidentemente, mas, enfim, até isso já me é habitual. Gostar de heteros tem sido uma constante na minha vida.
Fiquei fã.


28 de dezembro de 2011

I guess I need you, baby.


Quando me sento no mesmo banco de madeira de outras memórias, vejo o que gravaram em cada ripa desgastada pelo tempo e pelos fenómenos meteorológicos. Amo-te, desta vez inscrito bem fundo, perpetuado, pelo menos até o velho banquinho ser substituído por outro. Escrevi por cima, passando o dedo por entre cada letra escrita na vertical. Tentei adivinhar, imaginar, em que altura terá sido escrito, por quem e em que circunstâncias. Como seriam as pessoas? O que sentiriam? Estava eu, naquele momento, sentado em cima dos seus sentimentos. Não bem sentado - o termo não será o correto. Estando sentado, não teria visto a palavra.

Abstraí-me. Abri o caderno e desfolhei as páginas de matéria que ainda não estudei para os exames. Não me apetece fazê-lo. Anoitecera e a luz não era a suficiente para conseguir manter a atenção. Sim, é uma desculpa. O vento também é uma boa desculpa para justificar o facto das minhas mãos se manterem gélidas, mesmo depois de as unir em torno da boca, exalando um ar quente que não as aqueceu.
Não quero escrever, não quero ler, não quero pensar. Quero sentir a leveza do nada, de quando cerramos os olhos e cada poro da pele consegue ver para além do tato. A pele vê, ouve. Eu soube-o, senti-o. Escutei o vento. Disse-me para não me preocupar.
Conquanto tivesse os botões do casaco apertados, senti frio. O botão de cima estava solto. Lembrei-me das palavras da mãe e apertei-o. Não, definitivamente as mãos não aqueceram. O vento trouxe-me o aroma do perfume novo recebido do Natal. Que mais? Não me diz nada.
Quando procuramos um refúgio que não encontramos, um calor que não há, uma palavra que não ouvimos. Quando nos procuramos e não nos encontramos, difícil se torna encontrar um outro alguém.
Quando a noite caiu sobre mim, também ela não mais me encontrou.


26 de dezembro de 2011

In the morning sun.


Acordei de manhã cedo, e mesmo ainda de pijama, dirigi-me ao exterior da casa da avó e fiquei a observar a cor da manhã. O ar, gélido do orvalho matinal, fazia fumo a cada expiração. O céu no horizonte sobrepunha o azul claro, quase branco no limiar que a minha vista podia atingir, sob o amarelo tímido dos pequenos raios de sol que surgiam.
Um inseto subia as calças do pijama. Trepava incessantemente, que prontamente retirei e coloquei na folha de uma planta, viva de pequenas gotículas de água.
Passou um homem em frente à porta de entrada. Carregava sacos, com pedaços entrelaçados de embrulhos natalícios, laços que caíam pelo caminho, restos de sonhos que se despiam do manto do cinismo social. O seu ar, distante, de mais um Natal que findara, de um pouco mais de ilusão que dera a familiares e amigos. Desembaraçou-se do saco como quem deixa um fardo. Como um embrulho e um laço vermelho fazem toda a diferença!...
Agora o sol estava mais forte. Tocava-me nas costas sobre o casaco do pijama. Senti uma corrente de ar frio trespassar-me o peito desnudo. Os botões cimeiros não estavam por entre as casas. Uma fileira de insetos, encarrilados com um sentido, movia-se agora para a rua, atravessando espaços que poderia percorrer só com a passagem do dedo. Se deixasse um pouco de doce de morango caseiro - restante de ceia - conseguiria mudar o seu trajeto. Seria o seu deus. Nietzsche tivera razão: todo o Homem quer um pouco da divindade.
Podendo mudar o percurso das horas, alterando o sentido do relógio, mandaria as badaladas soarem mais tarde. Pararia os ponteiros com uma caneta, sustendo-os indeterminadamente. Perpetuaria os momentos, mas se o fizesse, não teria o prazer de um novo amanhã. Não havendo amanhã, também não haveria sol, não sentiria os raios na pele nem tampouco veria a fileira de insetos atraídos pelas feromonas comuns à espécie. Isso seria mau. Fico-me com o sol da manhã; o tempo que espere por mim.


24 de dezembro de 2011

Feliz Natal...



... a todos vós.

^^

22 de dezembro de 2011

Sons do Natal.

.


Mais festiva e alegre do que a All I Want For Christmas Is You, a Joy To The World é um dos maravilhosos e intemporais clássicos natalícios. Acompanhada por um coro gospel e interpretada pela melhor voz feminina contemporânea, ganha vida a cada Natal.

Joy to you and me !

20 de dezembro de 2011

Christmas Tree.



Luzinhas que piscam incessantemente, em tons amarelo, azul e vermelho. As bolas, vermelhas e brancas, refletem a luz das lâmpadas e dão ao rosto um formato angular. A grande borboleta com brilhantes parece ganhar vida sobre o ramo de azevinho no qual pousa. Por baixo da árvore, olhando até ao seu topo, sinto-me pequeno. Descolo um pouco da fita-cola que sela os presentes de Natal. Vejo o que os familiares me deram, afinal, são os únicos presentes dos quais nada sei do que se trata.

O frio do exterior e o calor da casa embaciam os vidros altos da janela da sala da avó. Desenho o meu nome no ressoado. O dedo esfria. Engraçado, minutos após desenhar e escrever o que me surge na cabeça, começam a escorrer gotas até ao fundo do amplo vidro.
Anos atrás, sentia o perfume intenso da tia quando se dirigia para a sala e decorava a mesa natalícia. Outros membros da família a auxiliavam na tarefa.

Natal, para mim, significava essencialmente presentes e brinquedos caros. Adorava rasgar impetuosamente o papel colorido das embalagens, quase tomado de uma fúria consumista. Desengane-se quem atribui aos adultos o pior defeito do consumismo... Surpreender-se-iam em como uma simples e aparentemente doce criança pode embirrar e chorar quando vê algo que tanto quer... Sim, fala a voz da experiência na primeira pessoa.


Com os anos, apercebi-me do verdadeiro espírito de Natal. Do espírito muitas vezes hipócrita do Natal. Se todos pensássemos em quem não tem o mínimo de alegria, veríamos que o Natal não são os bens materiais. É preciso crescer e perder o véu da inocência, vendo tudo com tamanha clarividência insuscetível de conduzir a equívocos: o Natal está transformado, deturpadamente, numa festa ao consumo, às tréguas cínicas de uma noite, aos sorrisos dissimulados, aos beijos traidores. Judas são-os muitos e poucos vestem pele de lobo.

As horas passaram e na rua escureceu. No horizonte, as luzes dos candeeiros parecem estrelas de cristais através do vidro. A árvore brilha, sozinha, último bastião de um Natal pálido, sem brilho, vida ou cor. Também o espírito se perdeu. Perdeu-se tudo com o ímpeto dos anos, da vida desgastada, da crise de boca em boca... Afinal, dizem os especialistas que o Menino não terá nascido na noite de Consoada. Bacalhau não comeu, de certeza.

Levanto-me do chão e saio. A avó gosta das luzes a brilhar durante a noite. Simboliza a magia do Natal. O que a avó ainda não percebeu é que essa magia não existe mais. Se algum dia existiu, perdeu-se no orvalho da madrugada fria... para sempre.


17 de dezembro de 2011

Quando saíres, não olhes para trás.


"O Homem é um animal político", dizia Aristóteles. O Homem é bem mais do que isso, é um animal social. Como diria uma excelentíssima professora daquela casa, "sim, Homem e não apenas seres humanos; patética essa argumentação de que Homem, admitindo mesmo que escrito com "H", possa discriminar o sexo feminino." Ela di-lo, ela é mulher; eu subscrevo.

Acabei o semestre com positiva a tudo. Ele deixa duas em método alternativo.
Durante as aulas, sentados lado a lado, era quase percetível o bater dos nossos corações. Apesar do clima frio, teve calor e despiu o casaco. Gostei da sua camisa branca sob o casaco azul-escuro. Senti o aroma do seu perfume e o quente que o seu corpo exalava.
O ar irascível e compenetrado dos professores não propiciava a momentos de descontração. Não por mim, por ele, que até ao último instante receou certos resultados, insucessos. Estivemos mais próximos do que é habitual. Transmiti-lhe, durante a manhã, segurança e paz. Tentei fazê-lo. Tentei que se sentisse melhor, fossem quais fossem os resultados finais do seu árduo trabalho.

Um pardal parou no parapeito da janela e ficou a observar-nos atentamente. Lá fora, o céu cinzento contrastava com o colorido do bar novo. Na televisão, um qualquer vídeo do Mick Jagger dançando num fato rosa.
Olhei-o fixamente. Não vi uma pessoa madura, confiante; vi um menino tímido, abandonado. O seu semblante é triste, cabisbaixo, como se revelasse um sofrimento, algo que o atormenta.

"Vem que o amor não é o tempo, nem é o tempo que o faz; vem que o amor é momento em que eu me dou, em que te dás."


No final do dia, acabámos na pizzaria a comer pizzas de todos e mais alguns sabores, ingredientes e características. Rimos e brincámos, primeiro em grupo, com amigos, depois sozinhos. Bebi cola sem gostar, comi a mozzarella derretida enquanto gargalhava com as suas brincadeiras. Adorei quando os pedaços minúsculos de azeitona caíam da sua fatia de pizza e ele tentava apanhá-los no ar. A sua cara, alva e corada (talvez animada pelas cervejas), no momento em que mastigava cada pedaço com sofreguidão, fazia contrações engraçadas que me faziam sorrir.
Tivera ido a uma gala na noite anterior, por isso ainda vestia o fato, com a gravata larga pelo pescoço e um ar desajeitado de meia ressaca. Os olhos, cansados, avermelhados por algum álcool e pouco descanso, tinham uma força gravitacional em mim. Fiquei prisioneiro do seu olhar, pela noite, até nos separarmos.

Foi difícil a despedida. Para quê despedidas? Qual o motivo da realidade sempre nos atraiçoar no pior momento? Há momentos que deveriam não ter fim. Como os de hoje.
Eu não olhei para trás, olhaste?


Gosto de ti, só não sei como.


14 de dezembro de 2011

Dear Santa,


Lisboa, 14 de dezembro de 2011,

 Mais um ano que passa e é chegada a época de pedidos e pedidos, muitos exagerados; outros que ficarão aquém do que cada um merece. Refletindo bem, a incongruência de cada pedido, a distância que os separa e a futilidade que abarcam entristece-me. Há quem peça nada mais do que a cura de um mal; há quem peça um prato de comida quente; há quem peça um carro novo, um perfume da moda, uma peça de roupa cara. Atenderás a todos os pedidos de igual forma ou farás uma distinção segundo a necessidade?
 A tua imagem continua associada às crianças e aos seus desejos. À partida, uma criança só tem pedidos concretizáveis, legítimos... Não há futilidade num pedido inocente de uma criança. Bom, quando eu era criança, os meus pedidos eram tudo menos inocentes e ingénuos. Inocentes em conteúdo; muito pouco porque sabia que pedia demais e sabia mesmo, inclusivamente, que outras crianças necessitavam bem mais do que eu. O altruísmo não era o que deveria ser, envergonho-me de o dizer, pese embora fosse imaturo.
 Interrogar-te-ás: "por que motivo ele me escreve e por que o fará num blogue?"
 A carta que te escrevo aqui e publico será a mesma que escreverei à mão e colocarei por baixo da árvore de Natal. Exatamente esta, exceto partes demasiadamente pessoais que não poderei colocar aqui. Escrevo-te como sempre o fiz, ano após ano, incansavelmente, mesmo depois de me tornar um homem. Alguns diriam: "que sem noção!". Talvez o seja, embora não esteja minimamente preocupado. Consola-me saber que lerás a minha carta, possivelmente atenderás a alguns pedidos e enviarás os mais "difíceis" para segunda instância. Perdoa-me a inclusão de linguagem jurídica numa carta que se pretende informal e de linguagem coloquial.
 Pedidos? Bom... não sei por onde começar. Lembras-te da minha carta do ano passado, publicada aqui também? (clicar) Serei modesto a pedir. Não me concretizaste o pedido imperioso do ano passado - que se mantém - por isso saltarei propositadamente essa parte. Ainda hoje, quando estivemos juntos, sob a ténue chuva que caiu pela manhã, lembrei-me da carta do Natal passado e do atraso em escrever esta.
 Pedirei o mesmo que no ano passado, nem me atrevo a pedir mais... Olho ao meu redor e descubro: sou um afortunado. Seria injusto pedir mais, não só pelo motivo de que não o mereço (creio), mas também pela injustiça que seria fazê-lo. Eu estou aqui, age como quiseres.

Despeço-me com calorosos cumprimentos e um beijinho terno na ponta do nariz do Rudolph,


lots of love,

Mark

11 de dezembro de 2011

United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland


A Europa está em crise. O Euro também. Progressivamente, a ideia dos pais fundadores da designada União Europeia começa a dar sinais da sua inconsistência crónica: é impossível unir países cultural e socialmente distintos num projeto federalista utópico e irreal.
O projeto europeu surgiu num contexto pós-guerra e num cenário típico de perda de influência internacional. Saída enfraquecida da I Guerra Mundial, a velha Europa cedeu o seu lugar cimeiro para as novas potências emergentes na época: E.U.A e União Soviética. A II Guerra Mundial relegou definitivamente a Europa para segundo ou terceiro plano, tornando urgente a necessidade de um aprofundamento dos laços entre os países da Europa. Daí se traduz todos os passos que, década após década, tornaram o projeto europeu numa realidade cada vez mais palpável. O último dos grandes passos decisivos foi, indubitavelmente, o Tratado de Maastricht, em 1992, que institui a União Europeia.

No entanto, não foi o suficiente. Os líderes europeus quiseram mais e mais, como o falhado projeto da Constituição Europeia atestou: os europeus não querem uma Europa federalista; querem, isso sim, cooperação sem federalismo, entreajuda sem perda de soberania, um espaço aberto sem perda das várias identidades que compõem o continente.
O Reino Unido é o expoente máximo do racionalismo europeu. Os ingleses estimam a sua pátria, a sua história e por nada abdicariam dela em nome de algo indefinível. Afinal, o Reino Unido em nada necessita da União Europeia. Toda a História tem demonstrado a supremacia inglesa face aos países da Europa continental...






A Inglaterra foi precursora em variados aspectos. Em 1215, com a Magna Carta, estabeleceu direitos impensáveis na Europa Continental: o respeito pelas liberdades e garantias dos três estados do reino, a liberdade religiosa, as prerrogativas municipais, a moderação na tributação dos mercados, o direito que cada um tem em não ser condenado senão após julgamento pelos seus pares ou segundo o Direito do seu país, o direito que todo o homem tem a que lhe seja feita justiça, etc. Na Europa Continental, vivia-se o feudalismo no seu esplendor, sobretudo na França...
Já no século XVII, uma série de lutas entre a Coroa e o Parlamento leva a que, em 1628, Carlos I convocasse o Parlamento que lhe apresentou a Petition of Rights que, claramente, protestava contra o lançamento de impostos sem o consentimento do Parlamento, contra as prisões arbitrárias, contra o uso da lei marcial em tempo de paz e a ingerência dos militares nas casas dos particulares. Em Portugal, nem tínhamos entrado no Absolutismo Régio, que em França estava no seu apogeu com Luís XIV...
Em 1688, dá-se a enorme Glorious Revolution que viria a instituir o Bill of Rights de 1689. O último soberano da Casa dos Stuarts foi deposto e subiu ao trono Maria e Guilherme de Orange. Negou-se o direito divino do reis e invocou-se a existência de um pacto entre a Nação e o Monarca. Qualquer pretenso soberano teria de aceitar o Bill of Rights se pretendia ascender ao trono inglês. Na Europa Continental, estávamos a cem anos da patética Revolução Francesa que não foi mais do que uma cópia do que os ingleses fizeram um século atrás. Aliás, a própria Revolução Francesa foi inspirada pela Declaração de Independência dos E.U.A, em 1776, seguida da Declaração de Direitos de Virgínia e até mesmo pela Constituição dos E.U.A de 1787 (ainda em vigor). Concluindo: em nada a França foi original e só inspirou países como a Espanha e Portugal nas suas revoluções liberais apenas por uma influência maior.

Por não pertencer geograficamente ao resto do continente europeu; por ser um país inovador em imensas matérias; por ser a mais velha democracia do mundo; por ser diferente, não tendo uma Constituição escrita, não tendo separação religiosa entre o Estado e a Igreja, mas sim liberdade religiosa; por ter um monarca que se mantém no poder em vários dos seus anteriores domínios (Austrália, Nova Zelândia, Canadá, etc.), caso único em todo o mundo; por ser irreverente; por ter sido a grande Rainha dos Mares, detentora de 2/3 da superfície do planeta, o Reino Unido em nada necessita da União Europeia, esse aborto internacional sustentado pela França e pela Alemanha, num claro complexo de inferioridade face aos E.U.A e às novas potências emergentes, como a Índia, a China, o Brasil e a "renascida das cinzas", qual fénix, Rússia. Deste facto resulta o NÃO do Primeiro-Ministro David Cameron a esta Cimeira risível de salvação da não menos risível unidade monetária, Euro. O Reino Unido pertence à Comunidade Europeia por uma questão geoestratégica, desde 1973, e tem uma cláusula de exclusão ao Euro, cláusula irrevogável. Não abdicam da sua libra esterlina forte em detrimento de uma moeda fantoche, filha de golpes de ilusionismo europeu. Nem ratificaram o bárbaro Acordo de Schengen que é mais do que um atentado à soberania interna dos Estados.
Os ingleses, como todos os que valorizam minimamente a sua identidade própria, porquanto, também somos o país a que pertencemos, rejeitam o federalismo europeu e regozijam-se pelos fracassos ante fracassos que a União Europeia sofre. Cooperação e comunidade europeia, sim; federalismo, não...

Pensando bem, é uma preocupação vã: a União Europeia tenta salvar-se. É digna de lástima. Não há com que nos preocuparmos com a perda de soberania. Está moribunda, marcada de morte. O tempo ditará o golpe final.


8 de dezembro de 2011

Beautiful.


Acabara de sair de casa da avó. Não tenho por hábito passar por lá de manhã; apeteceu-me. Precisava de falar com aquela que considero como uma amiga, antes de mais e sobretudo. Os seus conselhos inspiram-me e o som da sua voz, tolerante e vivida, acalmam-me os receios, muitos dos quais infundados.

Almoçámos juntos. O espírito aberto e sadio da avó contrasta até com a sua educação, tradicional, católica. Outros tempos e, essencialmente, outras perspectivas e formas de encarar a realidade. No seu tempo, as meninas não tinham a liberdade de hoje em dia; existia uma quase submissão aos esposos, apesar do mesmo não ser uma regra geral na sociedade informada e esclarecida. O avó sempre foi um homem diferente, talvez mais educado e isso propiciou que, enquanto casal, sempre mantivessem uma postura distinta, eu diria até bem mais avançada para a época. Apesar de não saber em concreto o que pensará o avô acerca do tema controverso, a avó aceita e apoia o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, a adoção, etc.

Quando saí da sua casa, curiosamente e por um mero acaso, entrei numa pastelaria não muito longe para beber um café. O café estimula-me e tem um efeito vespertino em mim. Não sou o mesmo sem uma dose - uma e controlada - de cafeína diária. Na mesa, ao meu lado, duas raparigas sentadas e um menino falavam e brincavam. Assim que as vi, apercebi-me logo de que se tratava de um casal homossexual. Talvez o famoso sexto sentido funcione também com casais de mulheres... A forma terna em como se olhavam foi o primeiro indício. Envergonho-me, de certo modo, por o dizer, mas o aspecto algo masculino de uma acentuou também a ideia inicial. O cabelo curto, a pose de chefe de família, o ar pouco dado a manifestações entusiastas de feminilidade...

A um dado momento, tocam-se com as mãos, afagam os cabelos mutuamente. A pastelaria tinha um número considerável de pessoas e é evidente que olharam. Uns com repulsa; outros com curiosidade. Pouco lhes importou.
Em que lugar fica o menino no meio disto tudo?
O verdadeiro motivo desta exposição escrita é aquela criança, que deveria ter uns sete, oito anos. Era um menino... feliz. Muito feliz, eu diria. Sorridente, brincando com ambas, a ponto de eu não conseguir decifrar qual, de facto, seria a progenitora. Soube quando uma disse: "... não te escondas atrás da tua mãe." O menino corria atrás da frias cadeiras metalizadas, sorrindo expressivamente. Brincavam com o menino e o mesmo encarava aquelas manifestações de carinho entre as duas de forma tão natural que chegou a emocionar-me. Vi, como nunca antes e afirmo-o perentoriamente, uma família feliz. A outra parceira, companheira da mãe do menino, amava-o e isso era visível, bem como o era o carinho da parte deste último.
A educação daquela criança quando se dirigiu ao balcão para pedir uma caixa de pastilhas elásticas, o trabalho nobre que aquelas mulheres tiveram em educar tão bem aquele ser ainda tão suscetível ao preconceito exterior.

Não vou tecer considerações desnecessárias, refutando inverdades, desconstruindo discursos que destilam ódio, a pessoas que em nada merecem - sequer - uma simples menção neste texto. Nem elas, nem o preconceito amargo que usam nos seus falsos argumentos.

Existia amor, carinho, respeito. Isto é uma família - tomara muitas, "normais".


3 de dezembro de 2011

O verde grama.



A janela está perra. 

Admirar-me-ia se ele conseguisse fechá-la mesmo com toda a força dos seus braços.
O vento que entra pela pequena frincha não é o suficiente para conseguir que fique com frio. Mal tínhamos recuperado de mais um teste naqueles anfiteatros inóspitos e uma outra aula, coincidentemente à mesma disciplina, se aproximava.
Durante os testes, é um bom exercício ficar a observar as reações das pessoas. Alguns, concentrados, não pestanejam sequer à medida que escrevem; outros, tentam copiar; alguns usam as cábulas discretamente e, por fim, uns quantos dão o teste por perdido. Os rostos de desalento são por demais explícitos.
Gostas de disciplinas práticas. Eu gosto mais da parte teórica. Gosto de expor a minha opinião, dissertar sobre os conteúdos dogmáticos de cada questão, de me perder a cada linha do texto. Nos testes que exigem uma menor profundidade, reconheço o meu deslocamento.
Pequenos raios de sol perscrutavam por entre as janelas esguias do novo anfiteatro. O sol batia superficialmente no enunciado do meu teste. Escrevi os artigos por entre o denso texto, uma forma de me guiar. Era demasiado grande. Li por alto o que já tinha feito e depois li o que acabaras de escrever. Fizemos diferente. Acho que desta vez a razão estava do teu lado. Veremos.
Já na aula seguinte, observava o mesmo verde da grama ainda verdejante. Perguntaste-me se queria que fechasses a janela. Se a fechares, não sinto o vento frio e era dele de que precisava naquele momento.

Sim, está mesmo empenada. 

Tirei as bolachas de água e sal da mala e ainda o iogurte líquido de aroma a morango. O paladar teima em contrariar o pré-concebido a acabou por me dizer que, afinal, o aroma é a frutos silvestres. Não gosto deste aroma. Teria preferido de banana, mas nunca bebi iogurtes líquidos desta marca com aroma a banana. Haverá? Não havendo, mande-se fazer.



30 de novembro de 2011

Blue headphones.


Consegui alcançar-te à saída do metro. Caminhavas na calçada húmida e brilhante do orvalho que caíra pela manhã. Acho graça à forma como andas, com as mãos nos bolsos e o olhar centrado no horizonte. Pensei duas vezes se haveria de te tocar com a mão. Antes de baixares o som dos headphones, consegui aperceber-me de que se tratava de metal. Passaste-me os auscultadores enquanto nos dirigíamos para a faculdade e ligaste a música. Senti uma vontade de conhecer mais dos teus gostos musicais, acabando por tecer um comentário que confesso agora não corresponder totalmente ao que sinto. Será que por ser uma parte do teu mundo consegue ter influência em mim? É que gostei. Gostei sem ter gostado. Gostei porque te pertence em parte.

O cabelo ficou no ar. Os headphones azuis, metalizados na parte do ouvido, comprimem o teu cabelo e conferem-lhe um jeito especial. Depois, ao retirá-los, o gesto tão característico teu de o ajeitares subtilmente.
Abordados à entrada por uma rapariga horrorosa. Arrogo-me o direito de sentir ciúmes. Sem legitimidade, sei-o melhor do que ninguém, mas só há algo pior do que uma mulher fácil; um homem desesperado. Não dissimulei o incómodo, o desconforto, a quase vontade de afastá-la só com o olhar. Um medo de te perder para uma vadia qualquer. Uma insegurança que persiste.

Slipknot, AC/DC... sim... e mais o quê? A esta altura, o sumo já estava esquecido em cima da mesa. Sorrias pelo facto de eu não encontrar qualquer interesse nas músicas de que gostas. Conseguiria ficar durante a tarde inteira, no bar, a ouvir metal e eletrónica. O desdenhar era quase implícito, fazia parte do momento.
Seguimos para a sala e o teu passo sempre alinhado com o meu. Hoje como ontem. E, falando em sinais, foi o primeiro que me revelou o que queria saber. Nunca me deixaste para trás. Nem para falar com os teus amigos.
Aprendi a valorizar pormenores impercetíveis pela maioria. Há mil formas de se gostar de alguém e as manifestações desses sentimentos são consequentemente diferentes. A importância material somos nós que a damos. Prefiro-te assim.


27 de novembro de 2011

Destruíram um pouco da minha infância.




O mano jogava isto com amigos, em casa, quando eu era criança... Que imagem imaculada eu tinha do Mario e daquelas tartaruguinhas dos jogos dele, já depois quando jogava Game Boy, Nintendo 64, Nintendo GameCube... Enfim, destruíram um pedaço da minha infância, ahahah.

25 de novembro de 2011

... Me deixa de quatro no ato ...





"Lança menino, lança todo esse perfume
Desbaratina
Não dá p'ra ficar imune
Ao teu amor,
Que tem cheiro de coisa maluca...

Vem cá meu bem,
Me descola um carinho,
Eu sou neném,
Só sossego com beijinho,
Vê se me dá o prazer
De ter prazer comigo...

Me aqueça!,
Me vira de ponta cabeça,
Me faz de gato e sapato
E me deixa de quatro no ato,
Me enche de amor, de amor
Oh!... "



Rita Lee (Lança Perfume)


24 de novembro de 2011

Strike.


Falar dos trabalhadores, em Portugal, quase sempre pressupõe um duplo entendimento: ou se é favorável aos seus direitos, ou se é contra, no fundo, a entidade patronal, aqueles malvados capitalistas sanguessugas do suor e do sangue dos seus humildes servos. Todavia, nem sempre é assim. A mim, é-me completamente indiferente o facto de haver greves ou não. Estou solidário com os problemas do país, no entanto, quando afirmo de que não me faz qualquer diferença, refiro-me a que esta greve geral não terá um impacto real na minha vida. O mesmo não poderão dizer alguns colegas e milhares de pessoas que diariamente utilizam vários transportes públicos, nomeadamente o metropolitano e que, por isso, faltarão aos seus locais de trabalho, aulas ou, na melhor das hipóteses, chegarão atrasados. Indiretamente, também acabo por ser prejudicado, uma vez que amanhã grande parte dos alunos faltarão, logo, não teremos aulas que neste momento seriam da maior importância. Sim, eu gosto de não ter aulas, mas sinto o peso da responsabilidade que esta greve terá nos meus estudos. Alguns professores irão, evidentemente, dar as suas aulas; mas uma boa parte dos alunos não terá transporte e ficará fortemente penalizado não assistir às aulas que serão lecionadas.

Dirão: "A greve é um direito dos trabalhadores!" Com certeza, artigo 57º / 1 da Constituição da República Portuguesa. Contudo, terão ideia do que o Estado deixará de arrecadar com a paralisação de amanhã? Os milhões e milhões de euros que serão perdidos? Numa altura crítica e gravíssima, em que o país atravessa a sua pior crise desde o 25 de Abril, em que temos um empréstimo descomunal com o Triunvirato, vulgo troika, dão-se ao luxo de parar o país por vinte e quatro horas. Depois, lá será uma trecha do empréstimo do Triunvirato que pagará a patetice de amanhã! E o patronato, por que motivo não terá o mesmo direito de fazer greve e fechar as fábricas? Artigo 57º / 4 da C.R.P. Resquícios do programa do MFA que ainda continua, trinta e sete anos depois, na Lei Fundamental... Em vários países da Europa desenvolvida (de que Portugal não faz parte, aliás, como diria um arquiteto amigo da mãe, "Portugal é um país desenvolvido do norte de África..."), a greve do patronato é permitida e até há umas considerações europeias favoráveis ao designado lock-out.

Quando se pedem sacrifícios, param um país por capricho. Ficarão sentados a beber cafés e vinho, fumar e, naturalmente, apreciar as pernas gostosas das colegas funcionárias... Com sorte, o decote estará suficientemente generoso para desvendar os formosos vales onde se perderiam de deleite...

Como diriam os romanos - e bem - "os povos da Hispânia não se sabem governar."
Tinham razão.


21 de novembro de 2011

Decline.


As luzes de Natal brilham sobre os corpos em movimento, esbatidas num todo pela iluminação geral. 
Vão e vêm com sacos de compras; alguns sem nada nas mãos. Nos corredores da ampla superfície comercial, vidas agitam-se indiferentemente à passagem do tempo ou à contenção esperada. Queimam-se os últimos cartuchos de uma época com menos brilho e fulgor.
Sigo lado a lado com a prima. Jurei que não iria comprar nada de que não necessitasse. Não cumpri. Olhando para o estojo, de manhã enquanto estudava, vi que a caneta verde brilhante não escrevia mais, bem como o azul claro. As cores, nos cadernos, dão vida a matérias densas e elaboradas, suavizando o que de si carece de algo mais pessoal. Sempre gostei de escrever com cores discretas, contudo coloridas o suficiente. Não sinto o estigma que o peso da responsabilidade e da postura assim o exigem. A quantidade e a diversidade dos materiais expostos alicia a mente dos mais consumistas. Comprei duas canetas.

Caminhando por entre as lojas, a vontade de entrar e comprar tornou-se mais real. A música ambiente, leve, não era o suficiente para conter algum incómodo e desconforto que sentia. Entrei em bem mais do que uma loja e experimentei peças e peças de roupa. Comprar sem precisar, não é de todo bonito, mas consola. Há quem coma para esquecer; depois, há quem utilize outros artifícios bem menos calóricos...

Terminei o dia com mais sacos do que aqueles que pretendia e com mais roupa do que precisava. Precisaria de alguma, realmente? O peso nas mãos tornou-se insustentável, mesmo compartilhando com a prima a quantidade de sacos que me pertenciam. Estando sem o casaco vestido, conseguia sentir um calor no corpo, tomando-me de uma vontade inexplicável de chegar a casa, arrumar toda a tralha fútil, relaxar com um banho tépido e dormir.

Já em casa, olhei para tudo o que acabara de comprar e apercebi-me do quão vagos podem ser os nossos anseios e até mesmo os desejos. Afinal, um pouco de nada sobrepõe-se ao nada já existente e nem todos os nadas conseguirão fazer um muito. Espera... Talvez o consigam fazer, mas essas construções não são sólidas e quando perderem o que as sustem, o estrondo poderá ser audível a longa distância.


17 de novembro de 2011

Castanhas.

"Olh'á castanha, quentinhas e boas!"


A frase soou-me a um velho cliché batido vezes sem conta ao longo do dia. Gosto da proximidade e gosto, sobretudo, de sentir que algo foi dito para mim. O vendedor, de gorro azul na cabeça, esfregava as mãos uma contra a outra de modo a aquecer-se e a suprir a falta de um casaco quente. O carrinho das castanhas fumegava e até o negócio do velho fruto outonal não escapou à crise. Indiferentemente aos apelos do pobre vendedor, pessoas passavam apressadas em direção ao metro e à paragem dos autocarros.

Há algum tempo que não ficava na biblioteca depois das aulas. Hipocrisia e desonestidade intelectual se não dissesse que faltei à última aula. Enfastiado por tamanha presunção de um assistente balofo, decidi dar a preferência ao seu mestre e, na falta deste, não frequentar as suas aulas de substituição. Tédio por tédio, nada como uma hora na biblioteca da faculdade.
À medida em que arrumava os apetrechos na mala, o R. passou por mim e disse-me um "Olá", quase interpelando-me fugazmente, mas intimidando-me por não querer demonstrar qualquer solicitude da minha parte. Ficaria o estojo na bancada inferior não fosse o seu aviso.

Os meus planos seriam os de estudar sozinho, no sossego inquieto da biblioteca. Os livros, arrumados escrupulosamente segundo temas e autores, desafiam a paciência mais inequívoca. De soslaio, estudantes olham-nos desconfiadamente, talvez perturbados pelos nossos cochichos, numa altura em que me rendi consciente à sua presença. Sorrateiramente, ambos nos sentámos numa mesa entre duas grandes estantes metálicas de livros cujas lombadas azuis iguais em toda a extensão da prateleira denunciam uma coleção ou coletânea.
O modo despreocupado em como lançou a mochila para cima da mesa levou-me a pensar que o barulho indiciara algo partido, mas o que poderia ter na mochila que fosse quebrável? Reparei nos seus braços, agora desnudos sob as mangas da camisola dobradas pelo cotovelo. Os pequenos pêlos castanhos, quase incolores, surgiam por entre as veias dos seus braços, culminando nas mãos mais viris. Vi, pela primeira vez com atenção, as suas mãos. Os dedos, esguios mas fortes, revelam a uma robustez mal dissimulada por entre a sua voz terna e suave. Um misto de paz e guerra sem glória.
Não nos detivemos muito tempo na biblioteca moderna. Fora-lhe um pretexto assim como para mim uma tarde que terminou em sobressalto.

"Quero um cone, se faz favor!"

Contrariando as leis mais básicas da boa comercialização de produtos alimentares (talvez até ilegal) tive, finalmente, o meu cone de castanhas embrulhadas numa qualquer folha das Páginas Amarelas.
Ficámos a comer as nossas castanhas à entrada do metro. As luzes alaranjadas dos postes elétricos, cor de fogo, iluminavam-lhe o rosto. O cabelo, revolto, agitava-se à mínima corrente de ar. 
Denunciei o óbvio: não sei descascar castanhas assadas. Soltámos pequenas risadas nervosas e tímidas, mais pela conjuntura que nos rodeava do que propriamente pela minha falta de jeito.
A sua ideia do passeio depois das aulas fora boa. Aprendi a descascar castanhas e descobri que ficar de noite, na rua, a comer castanhas sem pensar em mais nada pode ser surpreendente.


14 de novembro de 2011

Storm.


Em casa restava eu e a bivó. Todos os outros teriam saído não há muito tempo. O largo corredor do piso superior da casa dos avós tivera desde sempre um efeito nefasto em mim. As amplas janelas, uma das quais coberta por uma cortina alva semi-transparente, agitava-se sob uma corrente de ar que entrava do vidro mal fechado. O Simba tremia nas minhas mãos e conseguia ouvir o som dos meus passos que mais pareciam vindos de alguém que caminhava atrás. O espelho, à época colocado na parede direita, refletia um quadro surrealista de um velho pesaroso, adquirido algures nos meados dos anos 40 pelo bivô, então falecido.

O monopólio, abandonado no chão do quarto, tinha provocado risadas no Hugo, um rapaz surdo-mudo que ficava com a avó enquanto os pais saíam. Embora mais velho do que eu em uns largos anos, apreciava a minha companhia assim como eu apreciava a sua. E, a incapacidade auditiva tornava-o mais infantil, porventura até mais do que eu, apesar dos meus cinco anos. As notas esvoaçavam por cima do tabuleiro e alguns hóteis vermelhos e casas verdes jaziam derrubados, por mim, quando me ergui desastrosamente. Estivera a jogar com o primo e olhava para eles com a mesma admiração que hoje as primas olham para mim.

O relâmpago iluminara o corredor e todas as divisões cujas portas estavam abertas. A escuridão, momentaneamente interrompida devido ao clarão, parecia ansiosa enquanto aguardava pelo trovão. Visualizo-me por fora e vejo as imagens com a nitidez atual após tantos anos volvidos sobre aquela noite.
Escutei a voz da bivó chamando-me do piso de baixo. No momento, aterrorizado, estava encostado à parede, apertando o leão de peluche, sem qualquer reação de temor ou coragem. O menino extrovertido e até excessivamente eufórico dera lugar a uma criança perdida na própria casa que concebera como sua. Ver a bivó foi como o colo da mãe que tardava em chegar. Viena... Áustria..., nada disso fizera sentido no momento. Apenas a inexplicabilidade da sua ausência me parecia digna de uma boa crise de choro.

Segurei-me aos seus braços, envelhecidos, e senti-me protegido. Descemos a escadaria. Abandonados na casa grande, por todos. Soube - senti - que também ela tinha medo da tempestade. Contudo, juntos, tudo parecia mais fácil. Afinal, tratava-se de uma criança pequena e de uma idosa, sozinhos. Ensinou-me a rezar na mesma noite. Rezámos juntos até ao fim da tormenta.

Recordo-me de si a cada clarão, a cada som vindo do céu. A sua presença não mais é física, mas só morre em nós quem nada nos deixou.


11 de novembro de 2011

Em breve...



... muito breve.

10 de novembro de 2011

Cold.


Era noite. À saída, no centro, uma bancada literária atrai-me ao seu encontro. A luz branca das grandes lâmpadas brilhantes do teto sobressai o ar envelhecido e empoeirado de vários livros. Dois dos quais sobre Moçambique, terra natal do pai e futuro presente de aniversário / Natal. Comprei-os sem olhar ao preço e senti que tivera sido uma boa compra, afinal, remontam ao período colonial e têm ilustrações únicas e raras. De colecionador.

A chuva ameaçara o percurso até ao metro. As escadas, molhadas, provocaram uma queda e uma ambulância estacionada iluminava a rua com as suas intermitentes luzes azuis. Desci com cuidado e deparei-me com um moço da AMI que me propôs tornar-me um associado da organização.

"Tu, se quiseres, desces a avenida e vais ver o Tejo e há muitas pessoas que não têm sequer um copo d'água para beber."

É um facto que mexeu comigo. Fez-me pensar no caráter injusto das sociedades e em como tantos problemas são maximizados na nossa concepção exclusiva de que somos os fiéis depositários de todos os males do mundo. Olhar para além da nossa realidade pessoal é fundamental.
Passou uma avioneta e o rapaz parou e olhou para o céu. Deteve-se de novo no nosso diálogo, mais semelhante a um monólogo, e voltou de novo o olhar para a avioneta à sua segunda passagem. Algo nos seus olhos denunciou um paralelismo entre aquele pormenor e a sua vida. Quase que abstraindo-nos do barulho ao nosso redor e da azáfama do final de um dia de trabalho e de aulas para muitos que circulavam, disse-me que era pobre, que tinha deixado de estudar e que o pai abandonara a sua mãe quando era pequeno. Trabalhava justamente como piloto.

As confrontações com realidades distintas não serão despropositadas de sentido, nem casuais. Há um choque, frio, que nos faz crescer. Há quase uma transposição entre a vida comum, diária, e os pequenos momentos que nos levam a um patamar superior.
Senti-me frágil e senti alguém frágil à minha frente. Talvez essa mistura de fragilidades, dores, machucados nos traga algum conforto mútuo.
O que parece pouco, mais das vezes é demasiado.


6 de novembro de 2011

I was twisted in the web of my desire for you.


À medida que o tempo arrefece, uma espécie de inquietude toma-me de assalto. Talvez recordações de infância ou saudades de quando a seguir ao outono viria o inverno e depois, de novo, a primavera.
Hoje, na rua, expirei o ar quente dos pulmões de forma a ver se o mesmo fazia o pequeno fumo pelo contacto com o ar frio exterior. Abotoei o casaco e coloquei as mãos nos bolsos enquanto caminhava. Ao caminhar, o ar frio embatia contra o meu rosto, ressequindo-me os lábios e afastando-me a franja do cabelo dos olhos. Em casa, ficaram os livros do teste de quarta e os apontamentos desfiados sob a luz âmbar do candeeiro da secretária da mãe.

Um rapaz amigo do Pedro está no passeio lateral a passear o cão. Separou-se da mulher e voltou à casa dos pais. Pretendentes não lhe faltam, mas a sua melhor companhia tem sido o grande canídeo branco. Vê-me e acena-me com a mão. O cão puxa-o impetuosamente para a frente e por pouco não se solta. Continuo a andar.
Uma gota de água cai sobre a minha cabeça vinda de uma varanda. Uma simples gota de água é o suficiente para afastar os meus pensamentos. Quando estamos impenetráveis, nunca o é assim tanto que não possa acabar.

Chego à cafetaria e peço o meu chá mais meia torrada com pouca manteiga. Antes, vou ao banheiro para dar um jeito no cabelo. Passo a mão na franja e gosto do efeito moldado que adquire sobre a testa. Os olhos ardem por ter estudado durante toda a manhã. Abro a torneira e ouço o som da água a correr. Molho o rosto e é como se voltasse à realidade de uma tarde interminável.

Queria desamarrar-me de mim próprio. Poder ver de novo o mundo de uma outra maneira, sem as concepções já conhecidas. Voltar atrás e redesenhar o futuro.
Senti frio, mas observei que o casaco continuava vestido e, porventura, abotoado. A mão, gélida, apertava com força a xícara quente do chá. A efusão de ervas verdes foi um doce aroma ao meu olfato apurado.
À saída, olhei para trás e vi a rua terminar numas luzes distantes. Senti a falta de um rumo definitivo.
O frio manteve-se em mim, mas agora com motivos sólidos: despi o casaco e rasguei o vento noturno enquanto me dirigia para casa.

4 de novembro de 2011

A little misty on that warm november night.


Passei a noite em claro. O teste de quarta fez-me pensar que nem tudo é tão claro quanto parece. Sabes, é como quando um castelo de certezas se desmorona perante um indício de erro. Fiquei surpreso quando vi tanta determinação e confiança quando esperava que fraquejasses mais uma vez. Estranha sensação a de querer ser incomodado. Sentia o nervoso miudinho de ver uma escrita tão impetuosa e certeira. Afinal, estávamos com uma evolução nítida.

Ligaram as luzes do anfiteatro. Anoitecera. Olhei e vi as rugas de expressão do teu rosto e aquele tique tão engraçado de leres e releres a pergunta vezes sem conta. Será mesmo assim; o que isto quererá dizer? - pensas, concentrado. Descortino os teus pensamentos, mas a expressão facial é tão reveladora que nem precisaria de algo mais para afirmar que não entendeste tudo do princípio ao fim. Paras e desenhas algo no canto inferior esquerdo da folha. A visão periférica acabara de me dizer que olhaste para mim, mas eu antecipei-me e desviei certeiramente o olhar.

Que hábito de considerar as minhas respostas sempre incompletas. Quando falta algo, retomo a ideia anterior acrescentando o que considero estar em falta. Não que queira dar substância, afinal, "isto não é um restaurante em que a lagosta é ao peso". O professor chega a ser cómico de tão mau.

- Tens folhas de teste a mais?

Tenho.

- Podes me dar uma?

Não gostas de sussurrar, outra característica que não partilhamos, mas a densidade do teu teste dá a ideia de uma noite inspirada. Agora, olhando pelas altas janelas que se erguem sobre a madeira envelhecida da parede, pequenos feixes de luz são visíveis na rua. Uma luz alaranjada, cor de fogo, que rompe a espessa negritude.

Vejo pessoas correrem apressadas, outras terminando rapidamente de escrever à medida que trocam ideias desconexas. E o som, abafado, soa-me na cabeça a uma velha fita de cassete ouvida vezes sem conta.

A 2. ficou por concluir. Desço e entrego.
Espera... Tens algo a dizer.

- Correu-te bem?

Fazia frio lá dentro. As portas, abertas, agitavam o ar no interior do auditório, levitando e afastando gradualmente um enunciado esquecido em cima da bancada. Passam por trás de mim com um ligeiro empurrão.

Saí sem ver a exposição à entrada. Não comprei o livro que queria, nem a peça de artesanato tradicional para a avó. Só eu e a rua à minha frente. Passei por debaixo das luzes alaranjadas que via do interior e que iluminavam a calçada molhada. Deixei a vontade lá dentro e trouxe a certeza de que a noite iria ser longa.

30 de outubro de 2011

All I wanted that night...


Fruto talvez de uma necessidade de proteção, começo a pensar no Natal com carinho. Às vezes tenho medo de perdê-lo.
Aprendi, talvez à minha custa, de que os bens materiais não são tão importantes quanto me pareciam. Também me julgo demasiado, é verdade, mesmo sabendo que o amadurecimento faz parte da vida e que mudamos continuamente.
Este ano, vivo um período pré-natalício à americana, onde o Natal começa logo após o Halloween. Melhor, antecipei-me mesmo aos americanos no que a isso diz respeito.

Lisboa parece-me apática. Na rua, cada um segue o seu caminho numa cidade sem brilho. Faz frio, de noite, mas não o sinto. Senti-me perdido, como se as vidas que seguiam ao meu lado tivessem um rumo definido, exceto a minha, mesmo sabendo que isso não é verdade.

Vamos alegrar um pouco, vendo consumir.

Um final de tarde na baixa pombalina não resolve. As ruas, pouco iluminadas, atenuada a escuridão pelo brilho incandescente das lojas, parecem caminhos tortuosos e sem fim à vista. Perigosos. Passa uma senhora loira, de meia-idade, carregada de sacos, bem vestida e a falar apressadamente ao telemóvel; no passeio paralelo, caminha um sem-abrigo, sujo, doente, esfomeado e a falar sozinho. A luz da loja de roupa encadeou-me os olhos. Pessoas correm apressadamente à volta das roupas que lhes agradam, outras experimentam casacos, encolhendo as barrigas para que consigam apertar os botões. A empregada, inexperiente, baixa o olhar, envergonhada, ante uma reclamação incendiada de uma cliente nervosa.
Saí.
Agora, três rapazes, embriagados, falam em tom alto encostados a uma parede grafitada. Tentei ver o escrito, mas a penumbra não mo permitiu. Mudei de passeio.
Desci a estreita rua inclinada que termina num cruzamento. Virei à direita em direção ao Tejo. Pergunto-me que encanto terá Portugal para que tantos turistas o visitem.
A corrente de ar, marítima, levou-me a vestir de novo o casaco e a sentir um calor, artificial que fosse. As luzes da Ponte refletem-se na água do rio. Sinto-me como se fosse o único na praça e toda a cidade parasse a olhar para mim. Apeteceu-me rodopiar sobre mim próprio, mas depois ficaria com tonturas e não teria onde cair de forma segura, nem uns braços que me pudessem segurar. Será que o rei se incomodará com a minha presença?

Absorto pela minha realidade, deturpei a vontade e fi-la minha. O princípio da noite de sábado seria meu. Sem o estudo, sem os livros e até mesmo sem mim. A melhor experiência é deixar que o momento nos conduza.
Esqueci-me da fome - que porventura não tinha - das horas e do tempo. Queria voltar sem ver ninguém nas ruas. O mundo vazio. Preciso de uma ilha deserta. Mas saberia como a moldar, porque a vontade continua a ser minha e dentro de mim nada há que não queira. Os ditadores nunca conseguiram extinguir os sonhos e até eles caem. As estátuas poderão ser derrubadas e as árvores morrem, mesmo que de pé. Os sonhos ficam, pelo menos até que a sua força motora viva. Depois, bem depois não sei, mas se agora valer a pena, não interessa o que aí vem.


27 de outubro de 2011

Desafio dos Livros

Muito bem, desafiado pelos Coelhos (clicar aqui), decidi aceitar a proposta que me foi feita e expor as minhas leituras. Bom, o conceito de minhas leituras sofreu uma certa alteração a partir do momento em que entrei para a faculdade. Neste momento, e devido ao facto de não ter tempo, as minhas leituras baseiam-se em livros histórico-jurídicos.

1. Existe um livro que relerias várias vezes?

Uma vez que tenho um feitio propenso a regressar ao passado, não o poderia ser de outra forma neste aspecto. Releria, como reli, 1984 de George Orwell. Fenomenal!

2. Existe algum livro que começaste a ler, paraste, recomeçaste, tentaste e tentaste e nunca conseguiste ler até ao fim?

Sim, e nem sei se algum dia o lerei até ao fim...  Eurico O Presbítero de Alexandre Herculano. Enfadonho!

3. Se escolhesses um livro para ler no resto da tua vida, qual seria?

Crime e Castigo do enorme Dostoiévski. Uma vez que o li no início da adolescência, marcou-me bastante e gostava, se pudesse esquecer-me subitamente da história, de o ler indefinidamente.

4. Que livro gostarias de ter lido mas que, por algum motivo, nunca leste?

Comprei-o e, infelizmente, nunca o li, embora lamente. O Homem Casado de Edmund White.

5. Que livro leste cuja «cena final» jamais conseguiste esquecer?

O Sino de Iris Murdoch. Inquietante...

6. Tinhas o hábito de ler quando eras criança? Se lias, qual o tipo de leitura?

Sempre tive o hábito de ler quando era criança, não só pelo facto de os avós terem uma biblioteca na casa do Alentejo, mas também porque não concebia os meus dias sem a leitura. Excetuando os livros "de adultos" que lia às escondidas, lia, efetivamente e com o conhecimento dos pais (risos), a saga da J. K. Rowling, Harry Potter, os vários livros das histórias da Walt Disney (que a mãe preferia aos filmes), a coleção Os Cinco e, claro, a coleção Uma Aventura da Ana Maria Magalhães e da Isabel Alçada.

7. Qual o livro que achaste chato, mas ainda assim leste até ao fim? Porquê?

Memorial do Convento de José Saramago... Porque é enfadonho e cansativo.

8. Indica alguns dos teus livros preferidos.

Memórias de Adriano, Marguerite Yourcenar;

Ontem Não Te Vi em Babilónia, António Lobo Antunes;

O Código Da Vinci, Dan Brown;

A Linha da Beleza, Allan Hollinghurst;

Livros de História, de biografias históricas;

... e vários dos acima citados.

9. Que livros estás a ler?

Neste momento, as minhas leituras estão muito direcionadas para os livros da faculdade. São, digamos, os meus livros de cabeceira e não deixam de ser uma excelente literatura.

Deveria repassar o desafio, contudo, como vem sendo o meu hábito nestas ocasiões, deixo ao vosso critério. Faça-o quem assim o entender. ^^

24 de outubro de 2011

Let's talk about international issues...


Sou daquelas pessoas que acredita, tal como um muito conceituado professor que tenho este ano, que todos nós devemos ter uma educação cívica para além dos conteúdos programáticos das várias disciplinas. Algo, sobretudo, que nos leve a pensar como pessoas inseridas em sociedade e não apenas como máquinas incessantes em busca da média ideal.
Hoje, numa aula, debatemos assuntos da atualidade que, de certa forma, até estão relacionados com o conteúdo da cadeira. Como sempre procurei estar a par do que se passa pelo mundo, estas pequenas exposições em que ouvimos a opinião de alguém mais experiente, aprendendo, e também podemos intervir, são bastante úteis.

Mau grado não conseguir estar cinquenta minutos atento e aproveitaria mais as aulas. Uma amiga, a V., que odeia política internacional, não consegue estar quieta, em silêncio, durante muito tempo. A tarefa torna-se ainda mais árdua quanto temos um rapaz, gay, de pull-over cor-de-rosa a olhar para nós extasiado e um outro, mais distante, a gesticular num modo efeminado para uma rapariga (o que lhe valeria uma repreensão pelo incómodo na aula seguinte). Sim, há assim tantos e ainda mais. O do pull-over rosa choque (piroso) é discreto, até começar a andar...; o outro é: "Uau!, sou linda, chegay!". Disse tudo. (risos)
Falou-se das circunstâncias trágicas, eu diria, da captura e execução sumária de Kadhafi, o que configurou uma violação total dos direitos humanos e do direito internacional aplicado aos prisioneiros de guerra (conforme o estabelecido nas Convenções de Genebra) e - uma notícia melhor - do fim da atividade armada da ETA.

O conceito de Justiça diz-nos claramente que a análise dos factos, as provas e a aplicação das penas compete apenas e exclusivamente aos tribunais. Ninguém tem o direito de tirar a vida a alguém, menos ainda se não se tratar de uma sentença que transitou em julgado. Se existiam provas em como Kadhafi cometeu crimes sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, entregassem-no a Haia para que tivesse um julgamento justo e equitativo. Que se retirem ilações para o futuro e que estas graves violações dos direitos humanos não tornem a acontecer.
O fim da atividade armada da ETA é um forte motivo de regozijo, pese embora defenda a plena independência e autodeterminação dos povos, como está estipulado na Resolução 1514 das Nações Unidas e na própria Carta da mesma. Se os bascos se consideram um povo distinto dos espanhóis, qual o motivo para que não lhes sejam atribuídos os mesmo direitos do Kosovo, das ex-repúblicas soviéticas em 1991, do Sudão do Sul, dos diversos países que compunham a ex-Jugoslávia, etc? Espero que a luta continue, de forma pacífica e com os meios legais e legítimos (através do recurso à atividade diplomática).

Uma das melhores qualidades de que fomos dotados (para mim, por Deus; para vocês, depende das crenças individuais) é, sem sombra de dúvida, a capacidade de discernir entre o justo e o injusto; o certo e o errado. O sentimento de Justiça é intrínseco a todos nós, exceto nas pessoas-animais sem qualquer tipo de código moral de valores e conduta.
A velha boa máxima cristã do "não faças aos outros o que não querias que te fizessem a ti", despudorada de interpretações levianas - e de algum preconceito antirreligioso* - faz e fará sempre todo o sentido.

*segundo as normas ortográficas vigentes


22 de outubro de 2011

The first day of your life.


Sempre me perguntei qual será a sensação de poder viver grandes momentos, marcos políticos ou transições importantes. Quem nasceu nos finais do século XX, como eu, pouco ou nada viveu de relevo; um relevo transversal às nossas vidas simples, iguais e entediantes.
Questionei-me, na biblioteca da faculdade, entre livros mais legalistas e outros mais históricos, o que sentirão aqueles que presenciam acontecimentos que mudarão para sempre os seus destinos. Passou-me pela cabeça o 25 de Abril de 1974; o fim da II Guerra Mundial e o desembarque dos Aliados na Normandia; a libertação dos países ocupados pelas forças nazis; a queda do Muro de Berlim; o fim dos socialismos na URSS e países do Pacto de Varsóvia; as transições democráticas no sul da Europa e, nos anos 80 e 90, na América Latina e, mais recentemente, as convulsões sociais no Médio Oriente e norte de África. Como será olhar para o céu, nas ruas, e sentir o sabor da mudança, da passagem para novas eras, cheias de sonhos por concretizar.

Nada vivi, ainda.


O sol da manhã batia timidamente na minha pele, trespassando o espesso vidro da biblioteca. Iluminando os livros abertos, o reflexo levou-me a cerrar os olhos.
Vejo rostos abatidos e uma esperança que foge a cada instante. Os rostos do desânimo, de uma conjuntura que se tem como perpétua, de um túnel que terminou num beco escuro. Aqui não se passa nada.

Combinei com o rapaz que conheci há uns dias atrás e ele apareceu. À sua chegada, os pensamentos esvaíram-se rapidamente da minha cabeça.

"Precisas de ajuda a Obrigações, não é?"
(interpretou o sentido da minha sms)

"...convém saberes as posições doutrinárias de cada autor sobre os contratos-promessa e os contratos de compra e venda."

"Oponibilidade erga omnes e inter partes, percebeste?"

"E às restantes cadeiras?"

Percebo mais de negócios jurídicos unilaterais e contratos do que de mim próprio. Não é bom sinal. Obrigado pela ajuda. Apercebi-me do seu esforço e senti-me desonesto devido à minha quase indiferença perante a sua prontidão. Quis dizer-lhe que gostava dos padrões da camisa, mas achei "too gay". Como diz uma boa amiga minha: "... há coisas que "fica" aí dentro (e gesticula); não "sai" cá p'ra fora." (e gesticula de novo).

"Queres ir à festa do Halloween na faculdade?"

"Não sei. Vou pensar nisso..."

A propósito até. Let's celebrate... nothing. 


19 de outubro de 2011

Tragedy.


Numa altura em que a maior parte das pessoas reflete sobre o seu futuro, objeções surgem a todo o momento. Quando se fala em crise, a importância que lhe damos confere-lhe um caráter quase humano: a Crise, que personificada seria alguém muito maléfico e despudorado de sentimentos; ou fazendo uma zoomorfização, transformando a Crise num monstro terrível e medonho, semelhante ao gigante Adamastor. O monstro dos tempos recentes.

Hoje, tivemos uma demonstração clarividente, eu diria, das proporções desta Crise animalesca que amedronta os sonhos de milhões por esse mundo fora. Numa aula, aborrecida até, um professor disse-nos claramente que há alunos que vão para as faculdades sem comer e que num dos muitos estabelecimentos de Ensino Superior de Lisboa, o reitor disponibilizou uma sopa quente, ao almoço e ao jantar, para os alunos da noite, de forma a que estes possam continuar a frequentar as aulas.
Fiquei mais do que perplexo, fiquei revoltado. Não consigo imaginar o que será não ter uma refeição quente para ingerir, para mais em Portugal. Uma realidade tão próxima de nós levou-me, quase instantaneamente, a olhar para a colega do lado e pensar: "Será que tu tens um prato de comer quente quando chegares a casa?".


A miséria dos novos tempos não é igual à vivida antigamente. É a chamada nova fome, os novos pobres. Porque se, há cinquenta anos atrás, nas populações, todos sabiam quem passava dificuldades, atualmente não é assim. As fomes modernas são escondidas, envergonhadas, rostos cujo o semblante disfarça a dor contida.
Saí da aula pior do que entrei. Lembrei-me e mandei uma mensagem ao tal rapaz da livraria. Argumentei de que precisava de ajuda numas matérias, quando, na verdade, preciso de me tornar menos sério. Procuro um Eu antigo, não muito, talvez recuperável. Sinto sobretudo a falta da capa de indiferença, que me envergonhava enquanto pessoa, mas que me defendia a todo o momento. Os efeitos já se fazem sentir e eu corro atrás de mim próprio.


14 de outubro de 2011

Dualismo.



Dizer que nem eu próprio me consigo entender parece-me vago demais. Efetivamente, a cada dia que passa, sinto-me progressivamente mais afastado, alheado do que me rodeia. De redoma de cristal (porque vidro era um material que não me assentava bem), construí uma cápsula que a cada instante se introduz num foguetão e me leva para longe. O ano foi prolífero em não-transformações, mas sim em acentuações. Tudo se intensificou, absolutamente tudo, incluindo, claro está, o bom e o mau.
Especificando e concretizando o meu raciocínio, materializando-o de forma a que o mesmo assuma algo palpável aos sentidos, digamos que optei por ficar em casa a observar sem abrir, concretamente dois livros espessos que comprei para as aulas, em vez de ir a uma famosa festa universitária que se realiza hoje. Todos foram, aquele rapaz que conheci na livraria incluído, exceto eu.

O dualismo verifica-se precisamente por saber que deveria ir. Há quem não o faça por quaisquer motivos que se impõem; eu, não. Não fui apesar de algo em mim querer estar lá. No entanto, assim como uma parte desejava estar lá, até porque seria uma boa oportunidade de conhecer este novo amigo ou até mesmo de socializar mais com o R., um outro lado, mais recatado, impôs-me que não o fizesse. Dei desculpas a mim mesmo, desde que não era um bom ambiente para mim (de facto, é algo meio sórdido, com bebedeiras enormes, quedas devido ao chão se encontrar molhado de álcool, algumas brigas, engates e, segundo consta, cenas de sexo escondidas), até que amanhã teria aulas e, por isso mesmo, o bom senso recomendar-me-ia que ficasse em casa. Não gosto, de todo, de ambientes daqueles, mesmo estando presentes os meus amigos da minha faculdade e de outras faculdades. Não se trata de uma gala; é uma festa com muito álcool e confusão. Inóspito, no mínimo.

Não me convenci a mim próprio. O verdadeiro motivo é o progressivo alheamento ao qual me referi no início. Outras situações têm demonstrado isso mesmo. Talvez seja um amadurecimento, mas amadurecer é positivo e a minha situação não o é. Sinto, apenas, que não sou o mesmo. O nome que se aplica melhor ao que eu sinto, vista que está a insuficiência das palavras, é a apatia. Estou apático, indiferente.

Estarão a beber e a dançar. Não os invejo, afinal, também eu poderia estar lá. Detenho-me a escrever e a pensar. Não temos todos o mesmo papel a cumprir. O meu começa a desvendar-se diante dos meus olhos.


11 de outubro de 2011

Imperativo Hipotético.


Analisando a vida e as circunstâncias que a rodeiam, é fácil de perceber que poucos são os imperativos hipotéticos que temos ao nosso dispor. Quando afirmam - alguns perentoriamente - de que a vida é feita de escolhas ponderadas e refletidas, esquecem-se todavia de que as mesmas precedem um imperativo condicionante. Não é decidido ou realizado sem que uma força anterior o provoque. Somos frutos das circunstâncias e os atos que tomamos, prolíferos que se assemelham a espontâneos, não são tão determinados por cada um como se possa julgar.

No imperativo categórico, como Kant o idealizou, podemos ser levados a agir de uma forma estabelecida, porém, há imperativos naturais dos quais não podemos escapar. É a esses a que me refiro e são esses, mais os acasos da vida humana, que projetam e induzem os imperativos hipotéticos.

Tomando-me como cobaia e à experiência, chego à conclusão de que poucos imperativos verdadeiramente hipotéticos existiram na minha vida. O caráter hipotético é-lhes dado pela maior ou menor liberdade de escolha humana, uma vez carecidos de total determinação, não são eles, em si, verdadeiramente hipotéticos, mas um reflexo do imperativo categórico atenuado pelo campo de ação individual.
Como diria Rousseau, «o Homem nasce livre, mas em toda a parte se encontra aprisionado».

A liberdade humana é meramente utópica. As pequenas decisões que tomamos, exceto as verdadeiramente insignificantes, derivam de um antecedente indutor. A Terra é, então, um grande cárcere onde se encontram mais e menos aprisionados. A melhor forma de escaparmos à tendência sedutora é a evolução, nomeadamente intelectual. Escapar à tendência bruta do Homem, afinal, «o Homem é mau por natureza» (Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel). Evoluindo, cultivando a sabedoria, alcançamos progressivamente uma maior liberdade.
Contudo, nenhuma distinção credível me surge entre o prisioneiro atrás das grades e o homem que se julga mais livre.

Escrito ao abrigo das normas ortográficas em vigor.

7 de outubro de 2011

Encontros imeditados... no bar.


Nunca fui de ficar a conversar no bar da faculdade. Aquele ambiente inóspito de pessoas nervosas devido às aulas, testes, exames e afins, não tem um efeito sedutor em mim. Há quem passe horas a conversar no bar da faculdade e depois há quem prefira ir para o Saldanha, Campo Pequeno e El Corte Inglés, etc, com as amigas: eu. Hoje, surpreendentemente, conseguiram convencer-me a ficar no bar depois das aulas. Por sorte, fizemos todos a matrícula ao mesmo tempo de forma a ficarmos juntos na mesma sub-turma e conseguimos. Esta tarde, então, proporcionou-se uma conversa amigável entre mim, uma amiga, um colega nosso e o R. (há imenso tempo que não falava dele diretamente). Conversa puxa conversa e acabámos a falar de homossexuais na faculdade. Ultra constrangedor. A minha relação com o R. está mais do que fria; podem adivinhar o clima estranho que ficou no ar, para além, evidentemente, do caráter polémico do tema. De facto, naquela faculdade há imensos gays visivelmente assumidos, outros semi-assumidos, os discretíssimos que só com gaydar apurado são percetíveis e ainda aqueles que todos sabem que o são, exceto eles mesmos que se negam terminantemente. Resumindo: há imensos gays e lésbicas. O R. depressa arrumou uma desculpa para se subtrair à agradável tertúlia e eu também saí pouco tempo depois.

Não foi uma desculpa esfarrapada da minha parte. Combinei realmente lanchar com a avó e ainda tinha de passar pela livraria da faculdade para comprar mais um livro (comprei onze livros em cinco dias, coisa pouca...). Estava muito bem a procurar o livro quando esbarro l-i-t-e-r-a-l-m-e-n-t-e com um rapaz giríssimo. Alto, muito alto, louro de olhos esverdeados. Por pouco não deixo cair os cadernos. Ele, simpático, pediu-me desculpas todo sorridente e começou a fazer-me perguntas.





"Então, és caloiro?" - Não.

"És de Lisboa?" - Sim.

"Estás em que ano?" - 2º.

"Estás a ter dificuldades?" - Não.

Eu respondi quase em monossílabos de tão constrangido. Eu sei que as coisas neste universo funcionam meio rápido (anda um há meses a convidar-me para cafés e eu nada porque não houve aquele clique - mora perto de mim), mas assim tão rápido? Por mais que tente ser simpático, tenho consciência de que fui quase grosseiro com o rapaz. Eu reparei logo que ele é - no mínimo - bi ou então gay naquela categoria discretíssimo, contudo não me conhece de lado algum e desatou a fazer-me perguntas. Um pouco de discrição nunca fez mal a ninguém. Não gosto de fazer o «papel de difícil», nada disso, apenas acredito que deve haver tempo, empatia, no fundo, algo que inicie o processo de conhecimento entre duas pessoas.
Terminou dizendo-me que era do 3º ano, deu-me o número de telemóvel e disse-me que se precisasse de ajuda para não hesitar em contactá-lo.
Em um momento, de estranho passou a quase amigo com direito a lugar na lista de contactos no telemóvel. Atualmente, terá se ser tudo assim tão fugaz?


4 de outubro de 2011

A cor da cidade que não suplanta o seu medo.


Observo a noite abafada de um verão tardio. A luz dos candeeiros da cidade não aumenta a fé; diminui a esperança. Pequenos insetos esvoaçam em torno das lâmpadas quentes, movendo-se imóveis pela falta da brisa noturna. O carro para num semáforo e empurra o meu corpo ligeiramente para a frente, esbatendo-me, de novo, suavemente contra o banco estofado. A oscilação foi o suficiente para que os meus cadernos coloridos e a legislação caíssem para o chão. Não me detive a apanhá-los. Congruentemente, o cinto de segurança só é retirado após a viagem terminar.

A mãe continua um pouco constipada e stressada. Vejo que não está bem, mas não a quero confrontar com o seu estado de saúde. Fragiliza-me vê-la adoentada. Coloco os headphones e ouço a versão Glee da It's Not Unusual do Tom Jones. Preciso de ânimo. A letra suave e apaixonada, todavia, não consegue afastar-me dos mais temíveis pensamentos.

                                      

Serão mais duas horas em Kampala, no Uganda; mais uma em Lilongwe, no Malawi. A noite, cá, não trará preocupações de maior. Calma e quente, a noite brilha na capital. A esta hora, alguém estará a ser agredido, violentamente torturado e preso, em alguns países africanos, por ser... gay. A reportagem visionada ontem na televisão mostrou líderes religiosos que culpam os europeus pela existência de sodomia em África. Debaixo do mesmo luar, uns sofrem na pele; outros, na consciência coletiva.

Paramos no Saldanha e compro mais um livro para a faculdade. Tantos preceitos e ética nas mãos e tão pouco nos corações dos homens. A música não teve um efeito tranquilizador. A impotência e o conformismo tomam as rédeas de um ativismo de sofá. Soltem-se os espíritos e o pop dos 60's! É chegada a altura de o som da música abafar o clamor desesperado dos inocentes. Até quando?

2 de outubro de 2011

Quando os braços se mantêm abertos.



Sempre acreditei mais na capacidade que um abraço tem de nos transmitir paz e segurança. O beijo será algo mais carnal, talvez sexual, se bem que pode se revestir apenas de ternura. Ontem, de noite, enquanto arrumava umas folhas soltas que teimavam em manter essa dispersão, como um sonho que fica por arrumar ou um pedaço de algo tão nosso que está perdido, dei por mim a recordar-me dos abraços que já demos. Foi um exercício estranho da minha parte. No fundo, quero evitar perder-te totalmente. Pensando em pequenos e breves detalhes, creio que consigo manter algo vivo, presente. É uma luta contra essa tendência tão evidente.

Contei quatro, sendo que dois foram importantes para ti. Para mim não o deixaram de ser, evidentemente, mas tiveram um efeito tranquilizador em momentos que realmente precisavas. Um deles, contabilizando já os restantes, foi impulsivo e fugaz. Imprevisível, enfim, como dizem que as emoções devem ser. De facto, mais vive quem o faz sem pensar demasiado e o mesmo já foi objeto, aqui, de uma profunda reflexão.

Escrevi com caneta, lápis e papel. É bom não perdermos o hábito da escrita manual, contudo não aquela que fazemos diariamente nas escolas ou nas faculdades; a escrita manual que nos sai diretamente do coração. A força quase oblíqua que embate na caneta e a faz escrever. O desfiar do que está preso, ansioso por sair, talvez não tão escondido pelo seu caráter superficial. As emoções são superficiais, não num tom pejorativo; superficiais, sim, porque se revelam a todo o instante. Quando estimulados, todos somos incapazes de manter a sobriedade, a menos, claro, que estejamos perante pedras em forma humana.

Em todos os abraços que trocámos, senti o teu calor. E realmente quando duas pessoas se tocam é impossível não sentir o quente do outro corpo que agora alcança o nosso. Consegui sentir uma verdade, uma verdade não revelada. Somos tão frágeis quando demonstramos os nossos sentimentos. Acho-te frágil, concluindo. De uma fragilidade inconsequente. Afeta o teu âmago bom, mas relutante.

Escrevi duas folhas que de seguida rasguei. Não gostei do que escrevi, nem da forma como o fiz, nem dos sentimentos que tentei colocar no papel. As folhas brancas que ficaram de um bloco continuaram intactas. Foi tudo demasiado simples para que mereça um maior destaque. As palavras merecem mais. Todavia, como os braços se mantêm abertos (aí também?), eu aguardo com elas.