Desde que iniciei o contacto, sobretudo através das redes sociais, com determinados espanhóis empenhados em construir pontes, mormente políticas, entre Portugal e Espanha, tive conhecimento de projectos que visam, essencialmente, desconstruir as barreiras políticas e físicas que se interpuseram entre o norte de Portugal, o Minho e Trás-os-Montes, e a Galiza, em rumo contrário àquele que sempre foi o sentimento identitário dos povos limítrofes. Em abono da verdade, portugueses e galegos dividem tradições, culturas e inclusive idiomas; o galego e o português configuram, para muitos linguistas, um único idioma, pertencendo ao mesmo sistema linguístico; pela Galiza, no seguimento da hegemonia castelhana peninsular, o galaico-português foi-se afastando entre as variantes a norte e a sul. Actualmente, assistimos a um idioma profundamente acastelhanizado e descaracterizado, pese embora a existência de correntes reintegracionistas que defendem uma aproximação do galego à variante lusófona.
Do lado de lá, há um consenso generalizado em apoiar uma candidatura da Galiza à CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). O PP, que recentemente ganhou as eleições autonómicas na Galiza, na pessoa de Nuñez Feijóo, já demonstrou querer que se estimulem as relações entre a Galiza e a Comunidade. Do ponto de vista jurídico, o seu estatuto teria de ser discutido. O Estatuto de Autonomia da Galiza, no artigo 35.º, número 3, permite que a comunidade autónoma, através do seu governo, solicite às Cortes Gerais espanholas autorização para que celebre convénios com outros Estados com os quais partilhe vínculos culturais e linguísticos. No que diz respeito à CPLP, através do artigo 7.º, número 3, admite-se, enquanto observadores, que regiões dotadas de autonomia - o caso da Galiza - possam gozar desse estatuto, porém diminuído; não seria um membro, não teria sequer direito de voto. Relembramos que a Galiza não é um Estado soberano e, nesse sentido, tem uma capitis diminutio.
Do ponto de vista histórico, são muitos os laços que partilhamos com a Galiza. Portugal surgiu, como se sabe, de um condado, o Condado Portucalense, do Reino da Galiza, que Afonso VI de Leão outorgou a Henrique de Borgonha, nobre que o ajudou nas guerras da reconquista, pelo casamento deste com a sua filha ilegítima, D. Teresa de Leão. Do enlace nasceria aquele que viria a ser o primeiro monarca a reinar sobre Portugal, Afonso Henriques. Falava-se, à época, conquanto a língua culta, da administração e da liturgia fosse o latim, o galaico-português ou galego medieval, do qual trovadores, alguns monarcas, deixaram testemunho. A separação em galego e em português, como referi acima, foi provocada por razões políticas e não por haver, efectivamente, diferenças entre os povos. Quase mil anos depois e constatamos o quão semelhantes são os falares do Minho e da Galiza, particularmente. Se a inteligibilidade com o castelhano ronda os 90 %, com o galego será sobejamente maior. Alfonso Castelao, intelectual galego, considerado o pai do nacionalismo galego, foi um dos acérrimos defensores desse reintegracionismo: da recuperação da identidade e da língua galegas, que considerava pai da língua portuguesa, indispensável para a sobrevivência da própria Galiza.
Nos dias que correm, há sectores da sociedade galega que defendem uma integração política com Portugal. Ainda que se me assemelhe impossível por uma enormidade de factores a que a sensibilidade escusa a enumerar, não me é uma ideia estranha ou repulsiva. Apenas se faria justiça a uma ligação umbilical que se perdeu algures pela história. A Galiza terá muito mais em comum com Portugal do que com Navarra ou a Catalunha, designadamente, que são duas das comunidades autónomas de Espanha, evidenciando que o país vizinho, em si, conglomera nações históricas, que tanto receio provocam entre os dirigentes políticos centralistas. Na região norte de Portugal, sei de movimentos que propugnam esse reatamento. Nas localidades, os cidadãos vivem a cercania de um modo distinto, talvez incompreensível para os moradores dos grandes centros urbanos e, seguramente, para os poderes de Lisboa e de Madrid.
A adesão da Galiza à CPLP representaria um primeiro e primordial passo na história que agora ambos, portugueses e galegos, estamos dispostos a reescrever.