A mãe não saía antes do almoço. Viagens pela manhã, não, certamente, porque dormir mais um pouco, sobretudo podendo, era um luxo que não deveria ser desperdiçado.
Claro que o descanso era permanentemente interrompido pela minha ansiedade, pulando na sua cama até sentir os pés quentes sobre a colcha madrepérola. Tudo acabava, inevitavelmente, com um ataque de beijos. Oh, e que agradável era o seu perfume!
A irrequietude, própria da infância, não havia lá por casa. Demasiado formal, apenas me excedia quando a excitação ruborizava o meu rosto. Nesses casos, dificilmente se evitaria um choro, por vezes prolongado, pedindo uma palmada que nunca conheci.
Aprendi a dizer à mãe para ligar os faróis de nevoeiro. Rindo-se do conselho, cantarolava comigo algumas músicas natalícias. Quando, cansada, mergulhava no silêncio
eterno dos adultos, ligava o rádio e, aleatoriamente, ouvíamos o que passava. A sua melancolia não me era indiferente - sabia que sentia a falta dos filhos mais velhos que, por decisão das partes, ficavam com os outros progenitores. Percebendo que melhor seria aproveitar o tempo que dispúnhamos, cuidava de mim como se pudesse perder-me a qualquer instante. Ganhou medo às separações - algumas assemelham-se a partos.
Há cordões umbilicais que nunca se talham.
O carro entrava nas muralhas medievais e adivinhava o destino, agora diante de nós. Via, invejando, a sua destreza em manobrar o veículo por entre as ruas de paralelepípedo, estreitas, mediadas por casas típicas e regionais. Não havia sentimento de pertença, apenas o confronto anual com uma realidade distinta da vivida até então. O tempo, em tenras idades, passa a um ritmo diferente, lento. O suficiente para o esquecimento incompreensível anos mais tarde.
As luzes que iluminavam a praça principal eram pequenos pirilampos, estáticos, enfeitando os aros metálicos que uniam fachadas dispersas ao longo das avenidas. Pelo destaque na cidade pequena, dificilmente teriam o seu brilho eclipsado como ocorria na capital.
Os meus olhos, impressionáveis, aprenderam a relativizar. Ano após ano, as luzes ficaram menos nítidas.
Fundira-se a cidade do Natal.