28 de maio de 2016

O golpe militar de Maio de '26.


    Assinala-se hoje, num espírito democrático, e de pazes feitas com o passado, o nonagésimo aniversário do golpe de 28 de Maio de 1926 que instituiu a ditadura militar em Portugal. Um regime que teria poucos anos de vigência, substituído pelo Estado Novo meros sete anos transcorridos. A revolta militar, todavia, permitiria a ascensão de Oliveira Salazar a Presidente do Conselho de Ministros, cargo que ocupou até à sua destituição, em 1968. Não compreenderíamos o Estado Novo, um período profícuo em bibliografia, sem conhecer a fundo o que o terá motivado, o circunstancialismo histórico e social que Portugal vivia nos conturbados anos da I República.

   O golpe militar de 28 de Maio de 1926 não pretendia expurgar todo o regime republicano, que à data perfazia dezasseis anos. O ideário republicano não esteve em causa. A instabilidade dos anos da I República e todo o jogo eleitoral e de conquista de poder, com uma alternância avassaladora de presidentes e de governos, não se garantindo uma verdadeira política de restauração económica, permitiram que os movimentos autoritários começassem a ganhar forma. A períodos de grande agitação e convulsão social e política, a História ensina-nos que sucedem facções extremistas, com o propósito de restabelecer a ordem e assegurar o progresso das nações. 

    Nos idos anos vinte do século passado, os regimes liberais entraram em crise pela Europa, quadro que se precipitou sobremodo com o advento da Primeira Guerra Mundial e com a vitória dos bolcheviques na Rússia. Em Portugal, perante tal conjuntura de querelas partidárias, o Exército julgou-se a única força capaz de regenerar o regime republicano. Partindo de Braga, a sublevação tinha como destino a capital, Lisboa, demitindo-se o Presidente da República e encerrando-se o Congresso, o parlamento português. No mesmo ano, seria admitida a censura prévia à imprensa, e em 1928, Óscar Fragoso Carmona foi eleito Presidente da República. Durante o ano, Salazar recebeu o convite a ocupar o cargo de ministro das Finanças, após uma breve passagem pelo governo no seguimento imediato ao golpe. Salazar era, à época, um professor universitário com uma carreira louvável. Já havia tido uma experiência enquanto deputado, e os seus ideais antiparlamentares e profundamente religiosos, que se contrapunham ao parlamentarismo e ao anticlericalismo da I República, ficaram perpetuados nos discursos que deixou. A ascensão foi meteórica. Em 1932, era já Presidente do Conselho de Ministros.

  Não se pense, contudo, que o pronunciamento militar foi recebido em Lisboa com movimentos oposicionistas. O general Gomes da Costa atravessou a cidade como que numa parada gloriosa. Os regimes autoritários proliferavam na Europa e o povo, bem como os grandes proprietários e os capitalistas, estava fatigado com o contexto social e político do país. A I República granjeara inimigos pela sociedade portuguesa. O golpe, entretanto, passaria por vicissitudes: houve mudanças significativas nos chefes de Executivo; de igual forma, houve um aumento do défice orçamental, favorecido pela impreparação técnica dos militares. Exigia-se um líder forte e carismático. O caminho estava aberto a António de Oliveira Salazar, que obteria, nos anos seguintes, um saldo orçamental positivo, consolidando o seu poder.

23 de maio de 2016

A escola pública e a escola privada.


   Tenho acompanhado com alguma atenção a polémica em torno dos contratos de associação do Estado com os estabelecimentos de ensino privado e de ensino cooperativo. Em boa verdade, a decisão adoptada pelo actual executivo não deveria surpreender assim tanto, na medida em que essa modalidade contratual, idealmente, visava suprir as necessidades de ensino em determinadas localidades que, pela distância ou pelo difícil acesso, não estavam abrangidas pelo ensino estatal. Como vem sucedendo, o tempo tratou de deturpar as boas intenções destes contratos, estendendo-se o seu âmbito primitivo.

    O actual Governo mais não fez do que adoptar um maior rigor nos contratos de associação que o Estado celebra com os privados, não fazendo sentido, por isso, que alunos frequentem o ensino privado quando há uma rede de ensino público que consiga abarcar as necessidades das populações. Quando ouço pais e alunos defendendo que é um direito escolher o estabelecimento de ensino a ser frequentado - que é - tão-pouco é censurável que o Estado opte por favorecer a escola pública em detrimento da privada. O Estado, ao agir numa evidente preferência pelo ensino privado, assume que, por um lado, o seu ensino não é de qualidade; pelo outro, que a educação pública não deve ser uma prioridade sua.

    Há que ter em conta, ainda, que a vigência dos contratos não é infinita. Os contratos têm um começo e um termo. Ninguém, e por maioria de razão também o Estado, que é uma pessoa colectiva, fica vinculado ad aeternum a um contrato, e o que é a excepção não pode passar a ser a regra. Claro está que o Estado não deve agir de má-fé, tendo de acautelar as legítimas expectativas das pessoas. Pelo que tem sido veiculado, o Governo compromete-se a respeitar os contratos assumidos pelo anterior executivo, o que evidencia uma preocupação em honrar os compromissos já firmados. E reserva-se o direito de alterar a sua posição para o futuro.

    Estudei mais de doze anos da minha vida no ensino privado. Desde os três aos dezoito. Sou do tempo em que o ensino público era diabolizado. A mãe estudou no privado e o pai estudou num liceu público. Pelos cuidados que exigia, os pais decidiram que frequentaria um estabelecimento de ensino privado. Aí estive, desde a, na altura, infantil, passando para o pré-escolar e para os primeiros quatro anos do ensino básico. Para o segundo ciclo de estudos, mudei de colégio, uma vez que o primeiro só contemplava o primeiro ciclo. Nesse segundo estabelecimento de ensino, estive dos dez aos dezoito. Chegada a hora de decidir pelo estabelecimento de ensino superior, ponderei entre uma faculdade privada ou uma estatal, optando pela segunda por reunir maior prestígio.

   No ensino privado, e faço questão de sublinhar que se trata de uma observação pessoal, vi muito facilitismo. Espero que algo tenha sido alterado nestes anos recentes, mas tenho falhas a apontar. Tenho conhecimento de casos de alunos que transitaram de ano lectivo porque os pais pagavam boas mensalidades, sei de alguma incúria no ensino dos conteúdos programáticos e até mesmo no rigor a adoptar na correcção das provas de avaliação, crescendo com a ideia, que se mantém, de que o ensino público forma melhor os alunos, embora com todas as críticas que lhe possamos fazer. E certamente que haverá profissionais não tão exigentes no ensino público. Referi apenas a minha experiência enquanto ex-aluno de um colégio consagrado. Compensará na segurança, nas actividades extracurriculares e na tranquilidade dos encarregados de educação, se bem que passávamos demasiadas horas em salas de estudo. Entretanto, jamais esquecerei os bons docentes, que os havia.

     Ao Estado compete assegurar um ensino público de excelência. Aos pais e tutores compete confiar nesse ensino. A lógica dos privados assenta no capital que as famílias podem despender para prover à educação das suas crianças. Não podemos querer que estes se substituam ao ensino público. Sequer é natural ou desejável que tal viesse a suceder.

19 de maio de 2016

O Campeonato e o Euro.


      O Sport Lisboa e Benfica sagrou-se campeão nacional da Primeira Liga. Conquistou o seu trigésimo quinto título, afirmando-se como uma verdadeira instituição no universo português, incluindo aqui as comunidades que, graças à diáspora, se expandiram por todos os continentes. Mereceria, decerto, uma análise sociológica o fenómeno de comemoração que percorreu o país, de norte a sul, do interior ao litoral. Já sabemos em como o futebol consegue mover multidões; num país pequeno como Portugal, tendencialmente dado à melancolia e à tristeza, não deixa de surpreender ver novos e velhos, pobres e ricos, de todos os credos e raças, festejando por um motivo comum: o amor ao seu clube.

        Enquanto sportinguista, o lado emotivo impelia-me a acreditar na possibilidade de lograrmos o título; a razão, por sua vez, sabia que seria altamente improvável que tal viesse a suceder, por dependermos ainda de um desaire do Benfica na última partida da época. Polémicas à parte, o Sporting Clube de Portugal teve um percurso notável nesta época que agora finda. Há uns anos, seria impensável assistir à disputa pelo Sporting até ao minuto final. Terminámos num honroso segundo lugar, com um plantel incansável, que lutou até ao fim. Em Braga, concluímos o derradeiro jogo com quatro bolas a zero, perante uma equipa com qualidade unanimemente reconhecida, em noventa minutos limpos e sem máculas. Nada há a assinalar. O clube e os seus adeptos nada têm que ver com as afirmações de treinadores e dirigentes. Eles passam; a crença e o orgulho permanecerão.

         Nos dias seguintes, conhecemos a lista dos convocados pelo seleccionador nacional para o Campeonato da Europa, que realizar-se-á entre o dia 10 de Junho e o dia 10 de Julho. A par das ligas de clubes, aprecio verdadeiramente as competições internacionais, particularmente os designados Euros e os Mundiais. Tenho por hábito, até, adquirir umas revistas especializadas, com as datas de todos os jogos e com informações relativas às selecções participantes e aos atletas. Regra geral, incluem um painel, no qual, religiosamente, assinalo os resultados das partidas. Para evitar ter de me dirigir, obrigatoriamente, aos estabelecimentos comerciais por forma a poder assistir aos jogos que não são emitidos em sinal aberto, subscrevi a SportTV. Faço questão de acompanhar todos, em directo ou não.

   No que diz respeito à selecção nacional, não guardo grandes expectativas. Todas saem irremediavelmente defraudadas. Bem sei que temos bons jogadores; individualmente, vamos para a França munidos de jovens talentosos. Em conjunto, há sempre polémicas de bastidores que afectam o nosso desempenho, a somar aos escândalos que não raras vezes despontam, como o do célebre Campeonato do Mundo de 2002 no Japão e na Coreia do Sul, em que saímos pela porta dos fundos, com casos de agressões à mistura. Concedo o benefício da dúvida a estes rapazes. Espero, sinceramente, que percebam o que está em causa, que trabalhem em sintonia, que coloquem de lado a irresistível tendência para o exibicionismo pessoal. Não é um jogador que faz um clube ou uma selecção; são todos. Todos os valores, unidos, propondo-se a um mesmo objectivo.

        Portugal defrontará a Islândia, a Áustria e a Hungria, por esta ordem. Selecções manifestamente não tão experientes, o que não significa assim tanto, se atendermos aos momentos que cada jogador vive e aos circunstancialismos internos e externos à selecção nacional, dos quais já dei conta de alguns. Renato Sanches, a promessa que dá que falar, foi um dos nomes escolhidos por Fernando Santos. Será a oportunidade de o jovem português singrar representando Portugal. Oriundo da Cova da Moura, Sanches vestirá a camisola do Bayern de Munique, naquela que foi uma das mais avultadas transferências de sempre do mercado nacional.

        Reticente, mas sem deixar de ser exigível um desempenho ao mais alto nível, defendo que o mínimo é chegar às meias-finais. Considerando as equipas da fase de grupos e o jogo dos quartos-de-final, a selecção tem todas as condições para sair desta prova com uma participação equilibrada e que honre todo o valor que se lhe atribui. Menos do que isso, será um desastre. Não podemos esquecer o histórico. Fomos finalistas do Euro 2004, chegámos aos quartos-de-final do Euro 2008 e às meias-finais do Euro 2012.

14 de maio de 2016

Quotidiano.


        Há muito que temos presente a crise de valores que perpassa a sociedade ocidental. Eu, que não sou conhecido por nutrir especial apreço e fascínio pelos países orientais, vejo-me obrigado a reconhecer a relevância que os laços familiares assumem no sudeste asiático e no Japão, enquanto que por cá fazemos a trajectória inversa. Manifestação dessa importância encontramos no respeito pelos anciãos, pelos patriarcas e pelas matriarcas. Os mais velhos vêem as suas opiniões serem tidas em consideração pelas gerações mais novas. A idade é um posto.

     Não sou um velho do Restelo, tão-pouco um admirador da época em que os pais acertavam os casamentos dos filhos, em que os namoros proibidos eram vividos em segredo (mantendo certo encanto, talvez) e em que os consentidos não iam muito além de breves encontros ao postigo ou nas salas de estar das moças, com os irmãos, os avós e, sobretudo, com o pai a observar com salutar atenção os movimentos do rapaz e as suas investidas sobre a donzela. Isso não implica que seja indiferente à libertinagem a que assistimos e, o que me preocupa mais, ao desrespeito que se verifica em idades progressivamente mais precoces. As crises na adolescência, naturais nessa fase de desenvolvimento, não surpreendem e não são em si uma novidade. O perigo está no estágio imediatamente anterior, na infância, onde constatamos meninos paulatinamente mais caprichosos e mimados, verdadeiros déspotas em miniatura.

     Ontem, à tarde, lanchei numa pastelaria aqui perto de casa, como de costume. A páginas tantas, entrou uma senhora já de certa idade, acompanhada por uma miúda que não teria mais de seis, sete anos (a julgar pela estatura e pelo comportamento). Fui de imediato tomado por alguma perplexidade ao verificar que a menina caminhava sorridente e feliz, em excessiva euforia, e a avó carregada com a sua bolsa e ainda com a mochila da neta. O natural seria a menina carregar o seu material, ajudando a velha avó. A avó fez os pedidos, ao balcão, e a neta sentada à mesa. A senhora levou-lhe uma mousse de chocolate e aguardou, ao balcão, pelo chá. Já com a chávena na mão, pediu à neta para que se encaminhasse até uma outra mesa, supondo eu que não lhe agradaria ficar na mesa entretanto escolhida pela pequena, num canto com escassa luminosidade. Ora, a menina, se educada fosse, acataria a decisão da avó, levantando-se e cumprindo com a sugestão da senhora, que assim foi; não senti qualquer tipo de ordem nas suas palavras. Pelo contrário, cerrou os braços por cima da mesa, pousando-lhes a cabeça, amuou e começou a fazer birra. A avó cedeu e, aproximando-se, ouviu o seguinte comentário: "Se querias, ficavas tu ali!", rematando com um: "Parvinha!", acompanhado de uma expressão facial sarcástica e cheia de soberba. 

      Respirei bem fundo e ainda ponderei mudar de mesa para evitar confrontar aquela criança com um olhar de reprovação. E se é verdade que lamentei por aquela avó, não deixo de ser sensível ao facto bastante notório de aquela criança ser assim porque lho permitiram. Provavelmente não a pobre senhora, mas os incautos dos seus pais, ainda que a explicação se encontre num conjunto de factores, entre os quais a personalidade da pessoa, daquela menina, e o convívio com os coleguinhas de escola. Sabemos como somos susceptíveis, acentuando-se a tendência nestas idades, em que o carácter está longe de ser definido, e por isso mesmo o papel dos pais e dos educadores é decisivo, evitando-se futuros males maiores. Como diz a sábia voz do povo: "De pequenino se torce o pepino".

      Eu tenho autoridade para criticar o comportamento daquela menina. À chegada da mãe, contei-lhe o sucedido, reagindo com passividade ao que lhe acabara de relatar. Sabe que errou na minha educação. Fui igualmente um menino e um adolescente mimado, autoritário, contumaz, cheio de manias. Fiz birras. Muitas vezes sujeitei os pais a comprarem-me brinquedos naquele dia, àquela hora, caso contrário choraria até suar. Prontamente me satisfaziam a vontade. Não sinto qualquer refreamento em contá-lo, pois, anos volvidos, não fui o culpado; fui a vítima. E ainda hoje sofro com as consequências de uma educação leviana. Apenas considero curioso que eu próprio saiba fazer o meu diagnóstico, e tão-só. E por temer que o fenómeno se multiplique e prolifere, estou atento e pronto a alertar para os perigos que comporta descurar a educação de uma criança. Tornem-nas adultos saudáveis, mentalmente equilibrados e, preferencialmente e dentro dos possíveis, felizes.

11 de maio de 2016

Los Hermanos.


        Assistimos, serenos, à crise social e humanitária na Venezuela, ofuscada que está pela situação política conturbada no Brasil. Quando, por fim, verdadeiramente percebemos o cenário de catástrofe em que vive o povo venezuelano, regozijamo-nos, por mim falo, por estarmos inseridos numa comunidade europeia regulada por organismos supra-estatais que, embora com contrapartidas, nos ajudam a suportar os ventos desfavoráveis.

     A Venezuela acompanhará a desditosa consequência comum a todos os Estados que rumaram à extrema-esquerda: o caos. Serviços suspensos, inflação galopante, acesso à energia eléctrica nacional e à rede de abastecimento de água potável racionado, carestia de bens essenciais nas superfícies comerciais, recrudescimento da tensão social, que se manifesta pelo aumento da criminalidade de roubo, e pilhagens.

        O falecido Hugo Chávez foi um líder carismático. Ninguém o põe em causa. A sua orientação política originou, inclusive, uma corrente: o chavismo. Todos estes dirigentes, incendiários, sobrevivem por obra do seu populismo desenfreado. A tónica em Chávez era a de "combater o inimigo americano". Conseguiu colocar a Venezuela no centro das atenções internacionais e, por alguns anos, muitos foram os que admiraram a sua coragem e até o aparente êxito das suas reformas estruturais. O caudilho morreu, mas o seu sucessor, Nicolás Maduro, manteve similar linha ideológica, colhendo os frutos de políticas desastrosas que não vêem na humanização o genuíno coração do progresso. A "revolução socialista" fracassou.

       Presentemente, a Venezuela é um país à beira da ruína. A atrocidade do seu regime, que tão-pouco privilegia o diálogo político, exercendo censura sobre os opositores, traz-nos à memória as vivas recordações das democracias populares, totalitárias, em que o indivíduo existe somente no e para o Estado, servindo de mero instrumento à prossecução dos objectivos impostos pelos auto-intitulados "pais dos povos". Até em Chávez, sobretudo, verificámos o tão acarinhado culto da personalidade.

      Maduro, seu correligionário, vê nos imperialistas americanos os instigadores da discórdia, o alvo a abater. Esquece-se, porém, de que não são apenas estes a exigir a sua cabeça numa bandeja, à semelhança do sucedido a João Baptista. O povo venezuelano, do torpor de uma síndrome de Estocolmo adaptada, começa então, timidamente, a insurgir-se em nome da mudança, que ainda vai tardando em chegar.

7 de maio de 2016

O "trump"eção com Trump.


    O sistema constitucional norte-americano, ou estadunidense, como prefiro designar (até por uma questão de correcção linguística e cultural - norte-americanos são, a bem ver, canadianos e mexicanos, lembrando essa apropriação indébita aquela que Espanha empreendeu ao tomar abruptamente a hispanidade e Las Españas dos portugueses), é substancialmente oposto ao português. A experiência, inclusive. O constitucionalismo estadunidense, na senda do britânico, e na tradição anglo-saxónica, é estável, cimentando-se pelos tempos. A Constituição dos EUA, de 1787, é bastante sucinta, com poucos artigos e tendo passado por brevíssimas emendas ao longo da sua provecta vigência (há dias, a propósito de outra publicação, recordo-me de mencionar, sem enumerar, textos constitucionais menos exaustivos e mais duradouros). O Presidente da República é, efectivamente, a primeira autoridade da União. Simultaneamente Chefe de Estado e Chefe de Executivo, o Presidente dos EUA incorpora a figura estável e eficiente. O Presidente detém o poder executivo federal, executa as leis, superintende nos serviços da Administração e é o Comandante-Chefe das forças militares. O Presidente, em síntese, foi adquirindo um papel de elevado protagonismo, tornando-se o condutor político do Estado federal e, nesse sentido, o centro da vida pública estadunidense.

     As eleições presidenciais estadunidenses revestem-se de extrema complexidade, envolvendo gastos astronómicos que ascendem aos milhões de dólares. As campanhas, como não poderia deixar de ser, são imensamente personalizadas. Os eleitores votam nos ideais, no entanto também escrutinam o carisma, a postura e a própria vida pessoal. A imprensa estadunidense é ágil, livre das amarras que em determinados países, como Portugal, comprometem, de facto, um olhar esclarecido e verdadeiramente livre. Num Estado federal, com uma multiplicidade de entidades federadas, todo o processo é intrincado. As eleições, por sua vez, subdividem-se em primárias, cuja finalidade centra-se na escolha de cada partido, Partido Democrata e Partido Republicano, pelo seu candidato, que será o que tiver obtido o maior número de delegados. Esse candidato, muito provavelmente, conseguirá a nomeação na convenção do partido. Seguir-se-á o dia da eleição propriamente dita, em que cada cidadão será chamado às urnas. Em todo o caso, o sufrágio estadunidense não é directo. Os cidadãos escolherão os eleitores presidenciais, republicanos e democratas (colégio eleitoral). Posteriormente, esses eleitores presidenciais reúnem-se nas capitais dos seus Estados e votam nos candidatos que lhes parecerem idóneos, que é como quem diz, os candidatos do seu partido (à Presidência e Vice-Presidência) - o constitucionalismo informal que também persegue a Constituição dos EUA. Os cidadãos, que votam nos eleitores de certo partido, sabem que esses eleitores votarão no candidato do partido.

        Escusando-me a mais considerações acerca do sistema constitucional estadunidense, o que me é muito estimulante e apela às minhas saudosas aulas de Direito Constitucional comparado, deter-me-ei na fase em que estamos, nas eleições primárias, sobretudo no candidato que, pelo decurso dos acontecimentos, dada a desistência dos seus oponentes no interior do seu partido, será a escolha dos republicanos. Falo-vos de Donald Trump, como é sobejamente conhecido. Pelo Partido Democrata, Hillary Clinton vai-se assumindo como favorita, muito embora Bernie Sanders vá ganhando alguma vantagem pontual. Trump e Clinton, aliás, têm-se revelado mui bem sucedidos nas suas respectivas campanhas pelos Estados federados da União.

      Donald Trump. Um magnata do social. Conhecido da imprensa cor de rosa. Recordo-me de o ver - porém sem o levar a sério - associado a alguns escândalos com a socialite Ivana Trump, sua ex-mulher. Desconhecia-lhe a faceta política, como julgo que muitos dos seus compatriotas. A política estadunidense lembra-me a brasileira, por vezes, dada a descontracção e informalidade. Quando ouço e vejo Donald Trump, não sei se hei-de rir ou chorar. A sua demagogia é asfixiante. Que assim fosse e estaríamos confortáveis. O pior é o perigo que nela reside. Trump sabe galvanizar as massas, sabe apelar ao que de pior existe em cada estadunidense; conhece as aspirações do povo, o desejo por segurança, marcando como alvos fáceis os imigrantes. Noto-lhe o tom belicista que me preocupa sobremodo. Os EUA são a única potência hegemónica desde a queda da União Soviética e são, de facto, um dos líderes do planeta desde que destronaram a sua pátria-mãe, o Reino Unido, após o final da I Guerra Mundial. Em boa verdade, os estadunidenses escolherão um pretenso Presidente Mundial, um homem ou uma mulher que terá em suas mãos os destinos do planeta. Não subestimemos o peso de um país como os EUA no quadro geopolítico internacional. Sabemos em como organismos como a ONU e o FMI são facilmente manobrados. A ONU viu a sua legitimidade fortemente ameaçada desde que a administração Bush não teve o menor pudor em fazer a guerra sem o seu aval; o FMI tem como um dos seus maiores financiadores - senão o maior - os EUA. Se acrescermos tudo isto ao poderio bélico e militar, chegamos à superpotência que, de uma ou de outra forma, tem influído nas relações entre os povos ao longo de todo o século XX e destes primeiros dezasseis anos do século XXI.

        Obama, presidente cessante, brincou - e bem: Trump tem fragilidades, não tem sentido de Estado; será inusitado, no mínimo, vê-lo actuar enquanto Presidente dos Estados Unidos da América. Preenche, quanto a mim, o velho e gasto estereótipo do estadunidense desinformado, que conhece apenas o seu umbigo, demonstrando uma grotesca ignorância relativamente ao mundo que o rodeia. Talvez assim não seja. Da habilidade de Trump ninguém duvida. Não é qualquer um que passa de piada a epicentro de uma histeria colectiva. Esse mérito já não lhe tiram.

3 de maio de 2016

VIII Aniversário.


   E dita o relógio que é hoje. Foi há oito anos que inaugurei este espaço. Deixarei as considerações todas atinentes a como surgiu para os anos anteriores, uma vez que desde 2009, portanto, desde o primeiro aniversário, assinalo a data.

    A blogosfera não está morta. Os utilizadores é que esmorecem ao sentir que os demais estão em stand-by. E eu por cá continuo, às vezes como o Padre António Vieira, pregando aos peixes, mas não me posso lastimar: este blogue reflecte exactamente o que sou e, olhando para trás, vejo que cimentei o que queria. Amadureci, sim, mal seria ter parado no tempo. Não me interesso por muito do que me prendia a atenção. Faz parte do ser humano, gostar e desgostar. Tão-pouco me preocupa se desperto a curiosidade ou se agrado a quem me lê. Presumo, à partida, que quem o faz já sabe ao que vem.

    Não tenho expectativas, nem metas. Escrevo porque quero, porque me faz bem, porque fervilham em mim ideias que necessariamente preciso de exteriorizar. É um exercício purgativo. Estou bem ciente de que oito anos já é algum tempo. De que, provavelmente, o meu blogue, atendendo à minha faixa etária, será um dos que perdura. Frequentemente, dou por mim a pensar em como será aceder ao blogue daqui a vinte anos, se ainda não tiver sido substituído e eliminado por tecnologia mais avançada, e clicar sobre as publicações, percorrendo o histórico. Percebo que é bem possível que já cá não esteja. Não o blogue; eu. Indivíduos em constante alvoroço psicológico soçobram a um derrame qualquer ou algo que os valha. E eu sou um ser inquieto por natureza.

     Por forma a que não me alongue, resta-me agradecer a atenção de quem me segue e se dá ao trabalho de perder uns minutinhos do seu dia para ler o que resolvo escrever. Um muito obrigado. A sessão continua dentro de momentos.

lots of love,
Mark

1 de maio de 2016

O Dia do Trabalhador.


  Coincidentemente, o Dia da Mãe é assinalado, este ano, com o Dia do Trabalhador. Já expus anteriormente o que penso sobre tais dias comemorativos dedicados aos ascendentes. Não vislumbro uma utilidade prática que não seja a puramente comercial. Tomando como certo de que uma mãe deve ser honrada diariamente, considerando até redutor que se lhe dedique um dia específico do calendário, não vejo o que este dia terá a acrescer à saudável relação entre uma progenitora e os seus filhos. Um estímulo à hipocrisia, presumo que sim, numa época em que se acentua a quebra da importância dos laços familiares.

    De maior relevância será, destarte, o Dia do Trabalhador, que em Portugal passou a ser oficialmente assinalado apenas após a Revolução de Abril de 1974. Com a precariedade laboral, com os milhões de desempregado por este mundo, o dia pretende consciencializar-nos para a dignificação necessária e premente do trabalho humano, tão depreciado nas modernas sociedades capitalistas, em que o trabalhador é encarado como um instrumento ao serviço e à disposição do patronato e não enquanto verdadeiro artífice da construção da economia de um país. Fazendo uma retrospectiva histórica, percebo que muito evoluímos desde que a Igreja, através das suas encíclicas, ao longo do século XIX, alertava para a exploração dos operários fabris pelo patronato. O trabalhador foi adquirindo direitos através dos tempos. Presentemente, aludindo à realidade portuguesa, temos um Código do Trabalho que enuncia uma série de normas que visam a protecção do trabalhador. A experiência, contudo, diz-nos que não há paridade alguma entre trabalhador e patrão. O trabalhador mantém, não raras vezes, o seu vínculo laboral à custa de sacrifícios que vão muito além do humanamente exigível. A mulher grávida é preterida; o desempregado que atinge determinada idade, ainda que qualificado, vê as suas chances de reintegração no mercado de trabalho bastante reduzidas; o jovem licenciado vê-se impelido a emigrar pela falta de oportunidades no seu país de origem, levando consigo o conhecimento que será aproveitado lá fora, privando a sua pátria de uma mais-valia. É este o quadro alarmante que temos em Portugal, e não será apenas por cá.

     «Todos têm direito ao trabalho.», expressa o artigo 58.º da Constituição, logo no número 1. Aqui, e estando o Estado obrigado a promover a execução de políticas de emprego, somos confrontados com a falta de concretização dos dispositivos constitucionais. A Constituição é, em matéria de trabalho, um manual de boas intenções. Sabemos que só há trabalho com uma conjuntura económica e estrutural saudável, que também se consegue por intermédio de políticas responsáveis que estimulem a fixação das empregas, que são as geradoras de postos de trabalho, e a contratação de trabalhadores. Exactamente o que não tem sido feito, propiciando-se o trabalho precário e mal remunerado. Com o novo executivo, renasceram algumas esperanças com as medidas que têm vindo a ser aplicadas, no entanto ainda não se conseguiu reverter a tendência dos últimos anos. Um primeiro passo, positivo, está na mudança de entendimento e de sensibilidade relativamente a estas matérias.