17 de setembro de 2022

Férias, Independência do Brasil e Isabel II.


    Já há muito tempo que não escrevo nada aqui. Quando não há nada para dizer, melhor calar, e saber calar é uma virtude, diz a sabedoria popular. Continuo, como imaginais, a atravessar um período de luto muito difícil, com dias melhores e outros piores. Entretanto, porque a vida continua, dizem também, fomos de férias para as Canárias. Repetimos a ilha, a Gran Canaria, que nos encantou no ano passado; as suas praias, as pessoas, as paisagens. Pensámos noutra ilha, mas no Verão gosto de fazer turismo de praia, e as praias das demais ilhas, pelas aplicações de viagens, pareceram-me muito rochosas. Pelo sim, pelo não, melhor jogar pelo seguro. Pensei na minha mãe todos os dias (novidade...), excepto, pela adrenalina, no dia em que fomos ao Aqualand Maspalomas, o parque aquático da ilha. Nos próximos dias, é provável que vos vá escrevendo sobre as férias, se tiver força de vontade.

   Entretanto, apanhei, durante os dias em que estive fora, dois acontecimentos: o bicentenário da independência do Brasil e a morte de Isabel II. O blogue sempre foi um espaço que utilizei para escrever breves (ou extensas) palavras sobre factos, ocorrências que não me deixam indiferente.

   Quanto ao 200º da independência do Brasil, naturalmente que é uma data que está indelevelmente relacionada a Portugal. A perda do Brasil, numa sociedade colonial e esclavagista como a portuguesa de então, representou a perda da sua mina de ouro, literalmente, e do seu estatuto como potência, que a bem ver já não era o da época gloriosa do século XVI. Portugal fez-se representar ao mais alto nível, com Marcelo Rebelo de Sousa nas festividades ao lado de Bolsonaro, um sapo que o Chefe de Estado português teve de engolir.

    A relação entre o Brasil e Portugal é bastante boa, contrariamente àquilo que sucede aqui em Espanha com os Estados emergidos das suas antigas colónias. Em todo o caso, o Brasil não tem para com Portugal nenhuma atitude reverencial baseada na antiga relação de domínio. É um pais que soube fazer o seu percurso, inclusive no que respeita à língua comum com Portugal, e culturalmente não tem em Portugal uma referência. Há o reconhecimento desse vínculo, do passado que une ambos os países, há laços de amizade, cordialidade e cooperação, e pouco mais. Já Portugal, e não é de estranhar, vê o Brasil com um certo paternalismo advindo do passado; é-lhe um território quase místico, que remonta a uma idade gloriosa, e em tudo o que envolve o Brasil de forma crucial, Portugal gosta de estar presente, de acompanhar, respeitando a soberania do país, certamente, porém com aquela atitude de pai que observa atentamente os passos de um filho que já há muito voou.

    Brasil e Portugal estarão sempre unidos. A comunidade brasileira em Portugal é a maior no país, não parando de crescer, e há desafios que ambos os povos terão de superar: da parte dos brasileiros, exige-se o fim de antigos mitos relacionados à figura dos portugueses, mitos que não correspondem mais à realidade; por sua vez, os portugueses terão de fazer um esforço maior para compreender que o Brasil tem a sua identidade cultural e linguística autónoma, que não têm por que ser igual à portuguesa. De igual modo, exige-se o fim de muitos preconceitos relacionados à figura do brasileiro, sobretudo da mulher brasileira, que sim é vítima de estereótipos e generalizações perigosas.


   A morte de Isabel II teve uma enorme repercussão fora do espaço britânico e da própria Commonwealth. Portugal decretou três dias de luto oficial, e não foi o único país a fazê-lo. Falamos de uma pessoa que ocupou a chefia de estado de uma potência como o Reino Unido durante 70 anos, atravessando vários governos dos seus reinos e de fora deles. Gostemos ou não, foi uma mulher que marcou o século XX, quando mais não seja pela longevidade do seu reinado. Eu não gosto, o que não deixará de me levar a reconhecer o impacto que teve, nomeadamente cultural, atraindo turistas e consequentemente lucro ao seu país. Se há monarquia emblemática, é-o a inglesa, pelo seu prestígio, que está intimamente ligado ao do Reino Unido como herdeiro da potência imperial, mercantil, cultural que foi durante séculos, mais exactamente até ao fim da I Guerra Mundial.

    Isabel II e a sua imagem estão envoltas num manto de romantismo que não nos deve impedir de ver as injustiças da monarquia. Afinal, o que fez Isabel II pela paz ou pelo bem-estar mundiais? Qual o seu mérito em ter ocupado um trono para o qual não foi eleita; um trono que recebeu por ter nascido em determinado berço? Em 70 anos, encobriram-se escândalos, de corrupção até, envolvendo a monarca e a sua família. Sete décadas de bajulação naturalmente deturpam o carácter de qualquer um. Para um democrata, a concessão de privilégio tal durante tanto tempo não é concebível nem tolerável. Não há tradição que o explique e ainda menos o justifique. Desde já, observam-se limitações às liberdades de expressão e manifestação no Reino Unido de sectores anti-monarquia que não dignificam o Reino Unido como secular sociedade tolerante, que tanto avançou no domínio das liberdades individuais quando a Europa continental fazia o caminho inverso. A atitude da polícia inglesa vem demonstrar que as mais sólidas democracias tremem perante o despotismo de privilegiados que se julgam investidos por um deus qualquer (e o Reino Unido tão-pouco é um Estado aconfessional ou laico) para reinar, neste caso, até que o mesmo deus os chame à sua presença. Lembra-me a entronização de Juan Carlos em 1975, quando ficou bem claro que só responderia perante o tal deus no dia em que fosse chamado a prestar-lhe contas.