Antes de mais, devo dizer que não assisti a todos os debates. Apenas a alguns. O acto eleitoral do próximo dia 6 de Outubro, no qual os portugueses irão eleger os seus deputados, não se reveste, no meu entender, de tanto interesse. Já sabemos de antemão quem irá ganhar, e não vale a pena vir-se dizer que quem decide são os eleitores, como se as sondagens e até o senso comum não valessem de nada. Claro que as eleições não se fazem nas televisões e nas rádios, mas, a menos que ocorresse uma catástrofe até lá, parece-me pouco provável que o PS não ganhe. Vai ganhar. As projecções indicam-no, e também indicam que a direita terá o pior resultado de sempre, com intenções de voto abaixo dos 30 %. Nem no PREC, em 1975, se registaram números assim. O que não se sabe é se António Costa logrará a maioria absoluta sozinho ou com o PAN, que parece que também vai crescer, acompanhando, aliás, a tendência europeia na proliferação destes movimentos ambientalistas, ou eventualmente com o apoio das restantes forças de esquerda.
De todos os debates, o que me pareceu mais crispado foi o de Assunção Cristas, presidente do CDS-PP, com André Silva, porta-voz do PAN. Tenho visto os debates em diferido, e este foi precisamente o último que vi. Assunção Cristas sabe que é expectável que o CDS diminua a representatividade e que o PAN a aumente. O eleitorado de ambos não é o mesmo, ou seja, quem vota no CDS não ponderará votar no PAN, e vice-versa. O que a jurista quis foi pôr a descoberto as fragilidades dos ambientalistas, que são muitas, contornando um crescimento daquele partido em deputados na Assembleia da República. André Silva, venho-o dizendo, faz mal o trabalho de casa. Vê-se que se sente à vontade em temas ambientalistas, porque, em tudo o que fuja às bandeiras programáticas do PAN, não só não apresenta números, as contas feitas, como se atrapalha, gagueja, hesita, e Cristas conseguiu atacá-lo justamente no seu calcanhar de Aquiles. Duvido que André Silva tenha conseguido contornar a imagem que passou para o eleitorado, de partido inflexível, com tiques autoritários, que quer impor o modo de vida e de estar dos seus membros e simpatizantes a todos. Para o PAN, a liberdade individual pouco importa. Escudando-se nas alterações climáticas, pretende impor a alimentação vegan aos cidadãos, incluindo a crianças e jovens, que, como tão bem sabemos, precisam de uma alimentação equilibrada, e uma alimentação equilibrada exige proteína animal. É uma agenda da esquerda, depois de anos da agenda LGBT. O lobby ambientalista é outro dos que teremos de enfrentar pelos próximos anos, porque eles vieram para ficar.
Assunção Cristas parece-me das líderes que mais se tem afastado do PS. Não é que acredite em si quando diz que não vai aumentar impostos ou que se preocupa muito com as famílias, os idosos, os mais desfavorecidos. O CDS jamais irá enfrentar o seu eleitorado, composto por empresários, grandes proprietários do norte do país. De igual modo, não pode maquilhar, no seu currículo, algumas das reformas do anterior governo em que participou, e que nem sempre foram vistas como benéficas para as pessoas comuns, para a classe média. Assim mesmo, sabe bem qual é o seu eleitorado, o de centro-direita, de uma classe média ligeiramente mais conservadora. Disputa essa área com o PS, ao centro, e com o PSD, ao centro-direita. O que acontece hoje que não acontecia no passado é que se prevê uma fuga do eleitorado de centro-direita para outros partidos. Lembro-me por ora do Aliança, de Santana Lopes. As pessoas estão cansadas do PSD / CDS. Têm presente, na memória, os anos difíceis de 2011 a 2015. Má sorte para estes partidos, que tiveram de governar numa conjuntura de crise internacional e de falhanço socialista anterior, durante o consulado de Sócrates. Ficaram irremediavelmente colados a uma página de austeridade a que ninguém quer regressar.
O debate entre Costa e Rio era o mais aguardado. Costa e Rio representam o dito centrão, e as semelhanças entre eles são mais e mais profundas do que as diferenças. Este debate, mais do que ajudar a decidir o sentido de voto num ou noutro, porque as pessoas vão julgando os políticos ao longo do tempo e não em duas horas, serviria para deixar patente quais as soluções, distintas, que um e outro propõem para os problemas do país. Era Rio quem tinha de correr atrás do prejuízo, passo a expressão. Fê-lo? Não. Esteve melhor do que tem estado, seguramente que se superou, mas acabou por vir confirmar o que todos já sabíamos: a sua tendência é a de alinhar com o governo nos assuntos decisivos. Honra lhe seja feita: um homem que está à frente do principal partido da oposição e que sabe convergir, quando todos esperariam que divergisse, e profundamente, coloca os interesses do país acima dos do seu partido e dos seus, que presumo que sejam continuar à frente do PSD, mantendo-se fiel àquilo em que acredita.
Costa, claro, com a vantagem do seu lado, tem procurado adoptar uma postura mais descontraída, simpática, sorridente, e ainda não o consegui ver desarmado. No debate com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins, e sobretudo no último, encontrámos uma extrema-esquerda bastante mais combativa e desconfiada daquilo que será o PS dos próximos quatro anos. Terem apoiado o governo foi uma faca de dois gumes: o eleitorado da extrema-esquerda desconfia dos socialistas. Os ódios são antigos. Poderá haver algum desagrado pelo apoio comunista e bloquista a esta solução governativa, e a maioria dos portugueses contentes com as políticas seguidas pelo governo irá votar PS, esquecendo-se de que este PS teve de negociar para poder governar. Sem ter de negociar, vendo-se com maioria, será um PS muitíssimo mais imprevisível. O diálogo é sempre preferível a quaisquer maiorias absolutas.
A direita vem falhando rotundamente. A ideia mais repetida por Rio e por Cristas é a de que houve o maior aumento de impostos de sempre, e houve, mas não é isso que paira entre o eleitorado. Vive-se num clima de confiança e de folga tributária, uma vez que Costa foi sábio em diminuir aqueles impostos cujas variações afectam mais as pessoas: o IRS e o IVA. Depois, claro, aumentou noutros, nomeadamente nos indirectos, como o combustível, e sempre com aquele escudo fantástico das alterações climáticas e da perseguição ao uso do carro próprio. A ausência de qualquer crise económica europeia e internacional foi a cereja no topo do bolo. Eis, mui resumidamente, os quatro anos de governo socialista. Ah, já me esquecia: os passes sociais foram a cobertura de chocolate do bolo. As eleições vencem-se nos grandes centros urbanos. Enquanto político, Costa ganhou e a direita perdeu, porque foi incapaz, quatro anos depois, de fazer o eleitorado acreditar que estamos pior, que o país está pior. Incapacidade sua ou efectivamente o país não está pior? Houve pouquíssimo investimento público, quase nenhum, menos do que nos anos de Pedro Passos Coelho. O Serviço Nacional de Saúde, que há dias assinalou o seu quadragésimo aniversário, está cheio de problemas, com quebras no fornecimento de medicamentos, falta de profissionais de saúde, embora o balanço de quarenta anos seja francamente positivo. Em alguns indicadores macroeconómicos, estamos com números iguais àqueles deixados por Passos Coelho.
Independentemente dos resultados que saírem do escrutínio de Outubro, não é saudável que uma democracia esteja praticamente toda voltada à esquerda. Portugal ruma em sentido oposto ao da maioria dos países europeus. Se por lá fora se vive uma deriva à extrema-direita, aqui arriscamo-nos a uma à extrema-esquerda, com tudo o que isso implica, nomeadamente perseguições pessoais e ideológicas a quem se define de direita, o que já vem sucedendo. É isso que temo. Um enorme desequilíbrio de poder e influência, porque, forme governo quem formar, as linhas orientadoras serão relativamente as mesmas, para cumprir com os compromissos assumidos em Bruxelas. Espera-se um abrandamento progressivo da economia, e daí é que virão as grandes novidades.