Acompanhei este acto eleitoral com grande expectativa. Os números são redondos e não enganam: dos 230 deputados, 226 estão eleitos. Os quatro que faltam representam os círculos da emigração. O PS ganha incontestavelmente as eleições, com 36,65 % dos votos e com 106 deputados eleitos, seguido do PSD, com 27,9 % e 77 deputados eleitos; em terceiro lugar vem o BE, com 9,67 % dos votos e 19 deputados eleitos; em quarto, situa-se a CDU, com 6,46 % dos votos e 12 deputados eleitos. Em quinto lugar, aparece-nos o CDS, com 4,25 % dos votos e 5 deputados eleitos, e em sexto o PAN, com 3,38 % dos votos e 4 deputados eleitos. Temos três novas forças partidárias na Assembleia da República: o Chega, com 1, 3 % , o Iniciativa Liberal, com 1,29 e o LIVRE, com 1,09 %, cada um com um deputado eleito.
Começarei pelo PS, o grande vencedor, todavia, sem a maioria absoluta que tanto pediu ao eleitorado. Os resultados falam por si: o PS consegue mais 20 deputados face a 2015 e pintou o mapa do país a rosa. É, sem sombra alguma de dúvidas, uma vitória do partido, uma vitória pessoal de Costa e das suas políticas. A geringonça, pese embora todos os maus agouros, agradou às pessoas. Estes bons resultados vêm, aliás, na senda daquilo que tenho dito: embalado ou não pelo clima económico favorável destes últimos quatro anos, a classe média, que no fundo é quem decide as eleições, sente que ganhou em qualidade de vida, que os aumentos salariais foram repostos, as carreiras da função pública descongeladas, as taxas de IRS reduzidas, de IVA, ou seja, em parcas palavras, as pessoas sentem que hoje estão melhor do que estavam no tempo de Passos Coelho. Não deram a maioria ao PS. Querem convergências parlamentares, entendimentos. Os vinte deputados ajudarão à margem de manobra do PS. Agora, para governar, precisará só do BE ou do PCP. Só, como se fosse coisa pouca. Costa já manifestou vontade de querer dialogar.
O PSD é um dos grandes derrotados, e não convém fazer disso um tabu. Quando vi Rui Rio no antepenúltimo discurso da noite, todo sorridente - como se tivesse motivos para sorrir! -, cheguei a pensar que fosse o vencedor. Só que afinal não. Para quê maquilhar os números e tentar passar a mensagem de que, afinal, não teve só 20 % e teve 27 %? Pois não, e então? Perdeu 12 deputados. Conseguiu ter um pior resultado do que Passos Coelho num período de profunda crise, instabilidade social e revolta popular. O que será isto senão uma derrota? Justiça lhe seja feita, e os debates ajudaram-no a evitar que a tragédia fosse ainda pior. Assim mesmo, faria melhor se perdesse o sorriso patético, porque o PSD não tem motivos para estar tranquilo, e vê-lo em estado de negação chega a ser confrangedor. Dificilmente escapará ao descontentamento dos barões do partido.
E já que falo em tragédia, o CDS teve um dos seus piores resultados de sempre, à altura dos obtidos nos já distantes anos de 1987 e 1991, quando, no tempo das maiorias absolutas de Cavaco Silva, se viu reduzido a um número ínfimo de deputados. Onde terá falhado o CDS? Eu elencaria algumas causas: Assunção Cristas está demasiado conotada ao governo de Passos e Portas, do qual fez parte, aliás. Na campanha, atiraram-lhe em cara as leis das rendas e de não-sei-mais-o-quê. A memória do povo é curta, mas nem tanto. Depois, o CDS foi vítima da dispersão à direita. Muitos votos foram perdidos para o Iniciativa Liberal, para o Chega, para o Aliança (que não elegeu qualquer deputado) e sabe-se lá para quem mais. Terceiro, o centro-direita / direita vive dias de indefinição. Cavaco Silva enterrou o liberalismo. O CDS também dele se afastou. Ambos já abraçam causas outrora fracturantes, nomeadamente as que dizem respeito à moral e aos costumes. Afinal, o que é que apresentam que leve a que o eleitorado neles confie? É essa a grande pergunta. Eu até considero que Cristas tenha feito uma boa campanha, só que não se soube claramente posicionar numa determinada área do espectro político. Deambulou por aqui e por ali, e isso foi-lhe caro. A convocação de um congresso e a promessa de que não se recandidatará é uma forma elegante de assumir a derrota.
O Bloco de Esquerda mantém os deputados e chega-se à frente como terceira força. É um bom resultado, muito favorecido também pela sua coordenadora, como lhe chamam, Catarina Martins, que surgiu, se bem se lembram, como uma líder fraca, e que se soube impor gradualmente. Amem-na ou odeiem-na, as pessoas ouvem-na e reconhecem-lhe mérito na defesa daquilo em que acredita. O Bloco, ao contrário do PCP/PEV, não saiu prejudicado do
arranjinho de 2015 - tem eleitores mais urbanos e escolarizados, ao contrário dos comunistas. E o voto no BE tem um significado claro, a meu ver: as pessoas querem que participe de uma solução governativa suportando um governo do PS. Querem entendimento e estabilidade. Catarina Martins, que tanto lutou contra uma maioria absoluta do PS, tem agora de mostrar trabalho e procurar chegar a consensos com António Costa.
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Mapa político da legislatura 2019 - 2023 |
A CDU, ou, melhor dizendo, o PCP, que os Verdes não elegeram qualquer deputado, continua a decrescer a um ritmo frenético. É bem verdade que o Partido Comunista Português tem um eleitorado muito fiel, sobretudo a sul do Tejo, com causas socialmente históricas e paradigmáticas. O que se passa é que esse eleitorado está a desaparecer, e com ele a levar a força do partido. Doze deputados, menos cinco do que há cinco anos. É um partido bafiento. Os trabalhadores, a sua grande bandeira, votam no BE também. Camponeses, já vai havendo poucos. O que lhe resta? Nada. É claramente um partido com os dias contados. Dias, como quem diz, décadas. A tendência é para continuar a diminuir, até desaparecer de cena.
O PAN aumenta. Já se sabia. Julgava que aumentasse mais, devo dizer. É um partido do qual desconfio profundamente. Não se posiciona politicamente, não se parece importar com nada mais do que as alterações climáticas e os direitos dos animais e revelou fortíssimas insuficiências e fragilidades nos debates. No discurso de rescaldo eleitoral, André Silva disse que era o "partido feminista", que tinha "mais mulheres deputadas do que homens". É este nível rasteiro que domina a vida política portuguesa, e com tristeza o digo.
Restam-me o Iniciativa Liberal, o Chega e o LIVRE. Vou, desde já, assumir que não conheço os partidos a fundo. O que melhor conheço é o Chega, de Ventura. O Iniciativa Liberal, direi eu, vem ocupar um espaço que o PSD e o CDS há muito deixaram vago: o do liberalismo tradicional, da meritocracia e do individualismo. A direita tem um lado liberal, próprio, histórico, que a tradicional direita portuguesa abandonou. É, destes partidos minoritários, aquele no qual reconheço alguma vantagem e que vem, efectivamente, colmatar uma nítida lacuna. O Chega é populismo puro e duro. Como li algures por aí, resume o que de pior têm as caixas de comentários dos jornais online. O tal LIVRE, bom, na reacção aos resultados, ouvi algumas palavras da deputada eleita, e foi algo como "lutar contra o fascismo". Está tudo dito. É mais uma daquelas esquerdas reaccionárias que não fazem falta alguma. Já tínhamos o BE. A questão é a de se saber se estaremos perante epifenómenos ou se, como no caso do PAN há quatro anos, teremos partidos que virão cimentar as suas posições.
Em verdade, estou curioso para ver o que sairá daqui. Acredito que o PCP se afaste do PS, para recuperar força entre o eleitorado mais céptico do arco da governação. Esta legislatura terá desafios que a anterior não teve. Com o abrandamento da economia, o descontentamento será maior, e naturalmente as cisões entre PS e BE virão à tona. Se a última legislatura assentou na reposição de direitos, e nisso ambos estavam de acordo, esta implicará outro grau de ambição para o BE. Optando Costa por acordos pontuais, a instabilidade política será maior, uma vez que, mal ou bem, a legislatura cessante dispunha de acordos escritos que asseguravam a governabilidade. Isso poderá não acontecer agora. A maioria relativa do PS permitir-lhe-á fazer aprovar medidas sem o apoio implícito da esquerda, bastando-lhe a abstenção de PCP e BE. O PS terá, então, outra margem de manobra. Não nos podemos esquecer de que esta legislatura, a priori, terminará em 2023. Pelo meio, haverá uma eleição presidencial e uma autárquica em 2021. Marcelo Rebelo de Sousa, reelegendo-se, seguramente será muito mais interventivo do que tem sido e, por conseguinte, a sintonia com o PS poderá não ser a mesma. Estamos no reino das suposições. São alguns dos cenários com os quais este PS se poderá deparar. Algo, porém, é certo: esta legislatura será mais instável do que a anterior. Exigirá malabarismos extra de António Costa, que até tem demonstrado ser bom nisso. Esgotando-se o efeito surpresa da geringonça, conseguirá outra? A porta a um entendimento com Rui Rio parece estar fechada. Fará acordos pontuais, para assegurar a aprovação das suas medidas?
Por último, gostaria ainda de manifestar a minha surpresa com a não eleição de uma histórica no parlamento, Heloísa Apolónia, vinte e alguns anos depois, e a não eleição de Santana Lopes, pelo Aliança, que julguei ser, dos pequenos partidos, aquele que mais condições tinha de figurar na nova composição parlamentar. Uma vez mais, os descontentes com o sistema a negar o mandato a um homem claramente do sistema. Uma palavra para a abstenção: o divórcio entre os portugueses e o sistema político já é uma realidade certa e, daí o meu medo, irreparável.
Teremos um parlamento mais fragmentado, com maior representatividade de ideias para o país. Pela primeira vez desde 1975, nove forças partidárias estarão em confronto directo.