Há muito que me ocorreu a ideia de escrever sobre a dinastia filipina, a mais odiada pelos portugueses. Em boa verdade, o período que mediou entre 1580 e 1640 não foi próspero para o pequeno (considerando a escala europeia...) e depauperado Reino de Portugal. Nestes sessenta anos, os ataques às nossas possessões ultramarinas, que eram muitas, intensificaram-se, estando o reino inadaptado para combater holandeses e ingleses. Por ora, cingir-me-ei a Filipe I.
Peço desculpa pelo tamanho desta biografia.
Filipe II de Espanha, que seria o I de seu nome em Portugal, era filho de Carlos I de Espanha, V da Alemanha, e de D. Isabel, já por mim aqui abordada, filha do Venturoso D. Manuel I. Nasceu em Valladolid, a 21 de Maio de 1527. Como filho primogénito, seria jurado sucessor e herdeiro de todos os reinos hispânicos no ano seguinte, em 1528.
Embora pretenda forcar-me nos aspectos relacionados à sua actuação como rei de Portugal, torna-se indispensável fazer uma referência ao contexto político da época. A parte do enorme império que o pai lhe deixara era composta por uma pluralidade de territórios, de tamanhos diversos e características jurisdicionais distintas. Espanha, que fazia parte dessa miríade de reinos, era ela mesmo complexa, englobando o reino de Castela, Aragão e o condado da Catalunha, Navarra, constando ainda nos títulos do monarca reinos medievais e antigos como Valência, Galiza, Sevilha, Córdova. Era tudo menos um reino homogéneo. Um dos segredos de Carlos I para manter unidas essas realidades consistiu em respeitar os foros, liberdades, isenções e cortes próprias dos territórios. No século XVI, com a afirmação da centralização do poder real, os soberanos foram gradualmente limitando as autonomias históricas. Portugal, ao juntar-se a essa realidade, também viu o seu ordenamento jurídico, a sua língua, cultura, império e demais respeitados. Mais do que Espanha, é correcto falar-se de uma Monarquia Hispânica, que destaca a coesão num espaço político múltiplo, ou Monarquia Católica, que acentua o pendor religioso, sobretudo desde que o Papa Alexandre VI atribuiu a Fernando de Aragão e a Isabel de Castela o título de 'Reis Católicos' (que seria usado a partir de então por todos os soberanos espanhóis).
A par das várias regências que foi assumindo ao longo do tempo, o pai, Carlos I de Espanha, V do Sacro Império Romano-Germânico, agilizou-se no sentido de que o seu filho fosse jurado seu sucessor; em 1542, sê-lo-ia nas Cortes de Aragão e da Catalunha; em 1548, na Flandres, Alemanha e Itália. A recepção em Génova e Milão foi calorosa; o mesmo não se pode falar da Flandres, onde a sua postura fria causou má impressão, a par de não falar a língua flamenga, tendo igualmente pouco domínio do francês.
A expectativa de Carlos V de construir uma República Cristiana saiu gorada. O seu irmão, Fernando, que tinha o governo da Casa da Áustria, pretendia a coroa imperial para o seu filho, Maximiano. Tinha o apoio dos alemães que, num assomo de nacionalismo germânico, aspiravam a ter um imperador compatriota. Filipe seria ainda jurado herdeiro no reino de Navarra, em 1551.
Ao ter de aceitar a paz de Augsburgo, em 1555, a Alemanha e o resto da Europa saíram fracturadas entre dois blocos, o católico e o protestante, fazendo cair por terra o sonho da Respublica Christiana de Carlos V, levando-o a abandonar o trono e a abdicar em Filipe. Filipe II tornava-se, então, rei de Espanha, Nápoles, Sicília e Sardenha, senhorio de Milão, soberania dos Estados hereditários da Casa de Borgonha, integrados pelos Países Baixos e Franco Condado, aos quais se juntava o extenso império ultramarino espanhol, dependente apenas de Castela. Tinha 29 anos. Não era mais Imperador como o seu pai, embora se sentisse como tal.
Casou com D. Maria, filha de D. João III, rei de Portugal, e de D. Catarina de Áustria, em 1543. Do casamento nasceu o príncipe D. Carlos, em 1545, mas quatro dias depois, devido ao parto difícil, faleceria D. Maria. Este casamento teve, como é evidente, subjacente o interesse de aproximar os dois reinos numa hipotética união ibérica. Com efeito, após a morte de D. João III, Carlos V pretendeu obter da irmã, Catarina de Áustria, agora regente, uma pragmática segundo a qual sucederia ao trono português este príncipe D. Carlos, seu neto, caso D. Sebastião, que por sua vez era filho de D. João, outro filho de D. João III, e D. Joana de Áustria, filha de Carlos V, morresse sem deixar descendentes. Complicado? Irei explicar melhor porque sei da dificuldade que estes enlaces reais suscitam. Vejamos: Carlos V casou a sua filha, D. Joana, com D. João, filho de D. João III, e casou Filipe I, seu filho, com D. Maria, também filha de D. João III. Fizeram troca por troca. Destes enlaces nasceram o nosso D. Sebastião e o tal D. Carlos.
D. Catarina não acatou essa pretensão pois sabia da sua provável impopularidade em Portugal, mesmo considerando que o pequeno D. Carlos também era seu neto. O assunto desvaneceu-se, até porque o Imperador fecharia os olhos para sempre. D. Carlos morreria com 23 anos, em 1568, muito jovem, e em condições trágicas. Entretanto, D. Sebastião tomaria as rédeas do poder no mesmo ano.
Filipe casar-se-ia ainda com Maria Tudor, rainha de Inglaterra. Deste matrimónio não nasceriam filhos. Em terceiras e quartas núpcias, casaria com Isabel de Valois e, morta esta, com Ana de Áustria. Teria mais filhos e filhas, incluindo o seu sucessor, Filipe III (II de Portugal).
A 17 de Agosto de 1578, chegou ao Escorial, onde Filipe II se encontrava, a confirmação da morte de D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir. Mais rapidamente chegou a Madrid do que a Lisboa. Aqui só se soube no dia 24. Segundo o historiador Luis Cabrera de Córdoba, Filipe saiu apressado e pela porta dos jardins. Reuniu o Conselho de Estado e prontamente expôs os seus direitos ao trono português. Ordenou de imediato ao marquês de Santa Cruz que fosse em auxílio da praças marroquinas de Portugal, para que não caíssem em mãos mouras. Enviou, também, um capitão para negociar com o xeque árabe vencedor o resgate de cativos portugueses e espanhóis e um embaixador junto da Santa Sé para advertir que, morto o Cardeal D. Henrique, teria o direito ao trono português.
Não foi fácil para nenhuma das partes. Variadíssimos pretendentes surgiram na disputa pela coroa portuguesa. Ganharia Filipe II, o mais bem colocado, de longe. O processo desencadeou a procura dos homens letrados e juristas que escalpelizavam, em exercícios de malabarismo jurídico, as posições dos pretendentes para quem trabalhavam. Emanuel Felisberto de Sabóia apresentou um documento; D. Catarina de Bragança, quatro, onde constam os pareceres da sua casa ducal e de onze lentes da Universidade de Coimbra; D. António, dez; Rainúncio de Parma, onze. Filipe II... cinquenta e quatro, posição maioritária em que entra o parecer da Universidade de Salamanca, mas também de reputados juristas espanhóis, franceses e até portugueses. Não houve apenas o
"desejo de medrar". Filipe II era filho de princesa portuguesa, D. Isabel, e neto de D. Manuel I. Além disso, era varão e mais velho em dias. O principal problema era o ser-se
natural do reino, o que implicava que nele tivesse nascido e vivido.
É indiscutível que, de todos, Filipe era o mais poderoso. Sabia da situação de endividamento de muitas famílias e da aspiração de muitos em ascender na hierarquia nobiliárquica. Soube avançar com dinheiros e fazer promessas... Por exemplo, acenou com a abolição da Lei Mental, que em Espanha não existia. À luz desta lei, promulgada por D. Duarte, em 1434, todos os bens doados pela Coroa a ela revertiam caso não houvesse sucessão masculina na casa. Assim conquistou muitas famílias para a causa filipina. A riqueza de Filipe II graças aos metais preciosos vindos do
Novo Mundo inundavam o nosso mercado, o que suscitou o desejo de nobres, conhecendo dos privilégios superiores da nobreza espanhola. Outro factor: muitos nobres portugueses estavam casados com senhoras espanholas. Há ainda que referir uma característica interessante que demonstra bem a personalidade portuguesa: os nobres portugueses recusavam-se a ter como rei um igual, o duque de Bragança. Como dizia um letrado da época:
"não levavam a bem beijar a mão ao duque com os joelhos no chão, sendo bem diferente fazê-lo a Vossa Majestade" (Filipe II).
Ainda em vida de D. Henrique, em 1580, foram convocadas Cortes, em Almeirim, para apresentar a negociação que este fizera com Filipe II tendo em vista as condições em que Portugal ficaria unido a Castela. E isto é de suma importância: previa-se uma união personalizada entre a Coroa de Portugal e a de Castela, nunca a de Espanha. O rei-cardeal procurou que os Três Estados (as Cortes) aceitassem o reconhecimento do seu sobrinho, Filipe. O braço popular rejeitou. Entretanto, D. Henrique morre e sucede-lhe de imediato um corpo de regentes. Antes de morrer, o rei-cardeal tomou a sábia decisão de entregar os destinos de Portugal às Cortes. O poder estava diluído num conselho de regência. A decisão sobre quem devia suceder pertencia a onze juízes. As Cortes continuaram em funcionamento e o povo, representado por 195 procuradores, opôs-se ao seu encerramento, esvaziando o poder dos regentes. Tanto António Prior do Crato como Filipe II faziam promessas veladas ao reino; todavia, as de Filipe II tinham sempre no horizonte um possível cenário de guerra, palavras de intimidação. As Cortes acabariam por ser dissolvidas, porém, o corpo de regentes encontrava-se dividido entre os que apoiavam um pretendente português e aqueles que defendiam os direitos de Filipe.
O prenúncio de uma invasão já se fazia sentir. Por Portugal, os regentes tudo faziam para munir o reino de estratégias de defesa. Não se conseguiu a nomeação de um general devido às rivalidades entre dois dos pretendentes, o duque de Bragança e António Prior do Crato. Filipe mantinha-se em Badajoz com forte concentração militar, fazendo pressão por toda a linha raiana. Não era intenção de Filipe invadir o reino vizinho, pelo menos em vida de seu tio, o Cardeal D. Henrique. Falecido este, não pôs de parte a hipótese de tomar pela força aquilo que, em suas palavras, lhe pertencia. Nessa senda, um protesto-ultimato de 13 de Junho de 1580 exortava os regentes à sua aclamação, sob ameaça de invasão militar.
Tudo se precipita. Filipe II faz uma revisão ao seu exército. Várias localidades como Elvas, Campo Maior, Arronches e Olivença aclamam Filipe como rei de Portugal. Isto no dia 18 de Junho. No dia seguinte, em Santarém, António Prior do Crato é aclamado rei pelos seus pares, encabeçados pelo bispo da Guarda. As cartas expedidas para todas as cidades e vilas do país suscitaram uma onde de exaltação nacional nas camadas populares. D. António partiu para Lisboa onde seria aclamado pela câmara e recebido na Sé. Filipe II responde à aclamação de D. António com a emissão de um édito de repúdio, classificando-o como
"acto de rebelião digno de exemplar castigo", anunciando o avanço do seu exército para tomar posse do reino.. Foi neste documento, redigido a 26 de Junho de 1580, que pela primeira vez se intitulou rei de Portugal, usando o selo real da Coroa. Escrito em língua portuguesa - o príncipe era fluente: a sua mãe, D. Isabel, foi uma princesa portuguesa.
Perante este clima tumultuoso e com a vida a perigar, três dos regentes conseguiram fugir. Estava traçada uma conjuntura em que dois dos pretendentes se intitulavam reis de Portugal, D. António Prior do Crato e Filipe II de Espanha, embora a legitimação dependesse dos governadores cujo poder emanava da escolha das Cortes conjugada com a vontade do falecido D. Henrique. A decisão foi tomada em Castro Marim, a 17 de Julho de 1580: os três regentes emitiram um alvará no qual reconheciam a ilegitimidade de D. António, declarando por rei legítimo Filipe II de Espanha, de agora em diante Filipe I de Portugal.
Houve uma enorme agitação social e o país pendia para a guerra civil. Tumultos, rebeliões, motins, alvoroços. A guerra civil que estalara prolongar-se-ia até Outubro do mesmo ano. D. António começou desde logo a preparar um exército que respondesse aos avanços do duque de Alba que, desde dia 17, estava em Setúbal. Após longas e penosas batalhas, no norte do país, passando pelos Açores, que não posso esmiuçar por falta de tempo e espaço próprio, a resistência de D. António acabaria por ser derradeiramente vencida em 1583, na ilha Terceira (Açores). Todo o império português jurara obediência a Filipe I.
O duque de Alba entraria em Lisboa, já depois da célebre Batalha de Alcântara, em Agosto de 1580, onde derrotaria as forças fiéis a D. António. Entre saques, próprios das guerras e pilhagens de então, urgia pacificar a cidade e prepará-la para a justa aclamação de Filipe I. O duque sabia que o monarca não queria uma Lisboa saqueada e humilhada. Estas pilhagens afectaram ainda mais o prestígio do duque, acusado de ser incapaz perante as extorsões, além de cruel e sádico, defeitos que lhe apontavam e o entristeciam. A sua má reputação vinha desde os tempos em que fora governador nos Países Baixos. O general Sancho D'Ávila, que junto ao duque defendia os interesses de Filipe I, esteve incumbido do protocolo que aclamaria solenemente Filipe I. O general instalara-se nos arredores de Lisboa devido à peste que grassava pela cidade. A pacificação da cidade não foi fácil e também se esperava pelo fim da pestilência. O adiamento da vinda do soberano obrigou a que o general passasse a tratar das questões do governo, para as quais não havia sido preparado. Era um militar, não um político.
Aproveitando o facto da armada espanhola estar em Lisboa, pensou Filipe I em invadir a Inglaterra de modo a fazê-la regressar ao catolicismo. Perante pareceres negativos, a invasão ficou adiada para a Grande Armada de 1588, que se revelaria fatal para Filipe I. A partir de então, Espanha começaria a perder o estatuto que alcançara, que nunca mais recuperaria, destacando-se a Inglaterra no cenário internacional. Portugal, no seio desta união pessoal, via-se envolvido em problemas que não eram os seus e que muito seriam prejudiciais...
A Santa Sé reconheceria Filipe I e concedeu-lhe um breve para que castigasse os frades revoltosos. Muitos apareceram a boiar, mortos, no Tejo. Filipe I viria, finalmente, em Junho de 1581, a Lisboa,. Alba manteve-se, neste impasse temporal, à frente do governo em Portugal.
Nas Cortes de Tomar, em 1581, Filipe I seria aclamado rei de Portugal, ficando deste modo legitimada a sua realeza. A esta nova dinastia, a história trataria de designá-la por
filipina. Efectivamente, os três monarcas desta nova dinastia teriam idêntico nome próprio. Estava perto de completar 60 anos e há 25 que era rei. Reinaria em Portugal por dezoito anos, concretizando um dos sonhos de vários soberanos portugueses e espanhóis: a unificação política da península sob a égide do mesmo monarca. Pelas Cortes de Tomar procedeu-se à legitimação de D. Diogo, filho de Filipe, então herdeiro (morreria mais tarde). Entretanto viúvo, uma vez que a sua última esposa, Ana, havia morrido de peste, propuseram-lhe casar-se com mulher portuguesa, além do pedido para que D. Diogo fosse educado em Portugal, nos costumes portugueses. O terceiro estado pediu a garantia de que o reino ficaria para sempre separado de Castela. Na sua ausência de Portugal, a nobreza pedia que o reino fosse confiado a portugueses; o clero insistia que fosse entregue a Maria, sua irmã. Questão consensual foi a da retirada das guarnições estrangeiras que estavam espalhadas pelo reino. Outros pedidos se fizeram: o povo quis ter acesso ao império ultramarino espanhol e a abolição de alguns impostos; a nobreza pedia a abolição imediata da Lei Mental a que acima fiz referência, o aumento dos ordenados dos oficiais de justiça de modo a prevenir a corrupção e o afastamento dos letrados e dos cristão-novos de cargos; o clero, claro está, garantias na evangelização nas novas terras do império colonial. A uns pedidos o novo monarca acedeu; a outros, recusou.
O Estatuto de Tomar foi promulgado, em 1582, e era claro: respeitava-se os foros, privilégios, garantias, usos e costumes de Portugal. A língua continuaria a ser o português. Nenhuma assembleia estrangeira poderia legislar sobre assuntos portugueses, a Cortes sempre se fariam em Portugal sobre questões do reino. Na ausência do rei, a sua representação estaria a cargo de um vice-rei de sangue-real auxiliado por governadores que teriam de ser portugueses. Manter-se-ia a capela real. Não haveria alterações nas ordens militares. Os cargos da justiça, fazenda, exército, armada e Igreja pertenceriam apenas a portugueses. A Igreja não seria tributada como em Castela. No tocante aos impérios ultramarinos, o império português e o império espanhol seriam totalmente distintos. Entre outros. Respeitou-se a identidade portuguesa e levou-se a autonomia de Portugal ao limite. Dois reinos absolutamente separados. Um só monarca. Filipe I isto jurou e cumpriu. Uma das cláusulas não seria cumprida: a presença de guarnições militares castelhanas ficaria até 1640. Os filipes não confiavam na fidelidade dos súbditos portugueses.
Em Lisboa, após a sua entrada triunfal, Filipe I quis - e conseguiu - reformar o Palácio da Ribeira (que seria totalmente destruído, séculos mais tarde, com o sismo de 1755). A reformulação tinha como objectivo dar mais dignidade ao antigo palácio mandado construir por D. Manuel I. Juan de Herrera, arquitecto do enorme e imponente Escorial, acompanhou Filipe I durante a sua estadia prolongada em Portugal. Além do Palácio da Ribeira, pediu Filipe I o levantamento de todos os paços régios de Portugal. Felipe Terzi, o executor das obras, daria uma nova fachada de três andares ao Palácio da Ribeira, dotando-o ainda de um torreão de quatro andares, imponente, virado para o Tejo. Tudo se perderia. Outro monumento reconstruído de raiz foi o Mosteiro de São Vicente de Fora, fundado por D. Afonso Henriques mas já com restauros de D. João III.
Simbólico gesto teve a transladação dos restos mortais de D. Sebastião para o Mosteiro dos Jerónimos. Quis-se, com isto, terminar de vez com os mitos sebastiânicos que iam surgindo com maior ou menor intensidade. Muitos
D. Sebastiões falsos apareceram. Filipe I pretendeu pôr termo à velhinha dinastia de Avis e mostrar o poderio da sua, Habsburgo.
No final do ano, morreria o seu herdeiro, D. Diogo, motivo de grande desgosto para o monarca. Reunidas as Cortes no ano seguinte, em Janeiro, os três estados juraram Filipe II de Portugal (III de Espanha) como sucessor de Filipe I. Filipe I demonstrou um enorme respeito pela memória histórica de Portugal. Diz-se que era encantado por Sintra. Deu especial atenção à Torre do Tombo, então no castelo de São Jorge, onde estava guardada a documentação. De forma a captar a simpatia popular, obteve a licença do Papa para a realização de touradas, menos aos domingos e dias santos.
O seu espírito reformador levou a que fossem revistas as Ordenações Manuelinas, do que resultou um novo código a que se chamaria Ordenações Filipinas, concluídas em 1595 mas que apenas seriam promulgadas em 1603, já morto Filipe I. Ainda na justiça, transferiu a Casa Cível para o Porto, sob a designação de Relação do Porto. Ficava, assim, o reino provido de duas instâncias judiciais supremas. No ensino, deu novos estatutos à Universidade de Coimbra, em 1591, revistos seis anos depois.
Filipe I deixou Lisboa a 11 de Fevereiro de 1583, iniciando o seu regresso a Madrid, onde entraria triunfalmente. Ainda visitou uma das antigas pretendentes ao trono, D. Catarina de Bragança, lembram-se?, a quem apresentou a suas condolências pela morte do duque. Mal sabia Filipe que um dos netos de D. Catarina, o futuro D. João IV, restauraria a união dinástica portuguesa... Em Portugal, deixou como vice-rei um sobrinho, filho de sua irmã Maria, o cardeal-arquiduque Alberto, que vinha substituir o duque de Alba, válido de confiança de Filipe, falecido em Dezembro de 1582 com a pródiga idade de 72 anos. Alberto seria vice-rei de Portugal por dez anos. Era imperioso dotar Portugal de fortificações e assegurar a hegemonia ibérica nos mares, agora que ingleses e holandeses começavam a disputar territórios e posições.
Vários títulos de nobreza seriam atribuídos durante o reinado de Filipe I, a maioria tendo por finalidade contrabalançar o prestígio da casa ducal de Bragança.
Para terminar, não podia deixar de falar da derrota amarga que Filipe I ainda viveria para assistir. A sua Armada Invencível. A história mundial nunca mais seria a mesma. Espanha ficaria para todo o sempre eclipsada diante de Inglaterra, a nova senhora dos Mares. E com Espanha, Portugal, cujo prestígio naufragou com as embarcações portuguesas que se perderam na expedição naval contra o reino de Sua Majestade britânica. Sairia vitoriosa Isabel I, última monarca da dinastia Tudor, a célebre
Rainha Virgem que se casara apenas com Inglaterra. Na sua irreverência, Isabel ainda apoiaria D. António Prior do Crato nunca última oportunidade de recuperar o trono de Portugal. Garantiu-se que a sua chegada provocaria um levantamento geral... Na verdade, o cerco a Lisboa mostrou-se infrutífero, em Maio de 1588. A cidade resistiu. O arquiduque, vice-rei, preparara bem a defesa, apregoando-se ainda que os ingleses eram hereges! A peste que se declarou nas hostes inglesas obrigou ao levantamento do cerco em Junho. Perdeu D. António a esperança de ser rei de Portugal. Em 1593, o arquiduque Alberto deixava Portugal para ir governar os Países Baixos. Foi substituído por um corpo de cinco regentes. D. Catarina, indisposta com esta solução, escreveria a Filipe I, visto que desejava ver o filho, D. Teodósio, no lugar de vice-rei. Durante o domínio filipino, nenhum membro da Casa de Bragança esteve à frente do país.
Filipe I morreu a 13 de Setembro de 1598. Viveu 71 anos. Sucedeu-lhe Filipe II de Portugal (III de Espanha).