Estamos a exactamente quinze dias das eleições presidenciais. Os debates televisivos, por sua vez, já começaram. Muitos se têm acusado, mutuamente, de «falta de coerência». Como pauto a minha conduta pela coerência, disse-o, há uns tempos, num artigo também sobre estas eleições, que a disputa é entre os candidatos Marcelo Rebelo de Sousa, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém. Nesse sentido, foi a estes debates que assisti e é sobre eles que venho falar. Os demais, se é que os houve, presumo que sim, e com todo o respeito pelas pessoas envolvidas e pelos partidos que representam, são meros fait divers. As eleições não se ganham nos extremos; ganham-se ao centro.
Não querendo que pareça um ataque pessoal, que não o é, é natural e até saudável que tenhamos candidatos que caem no nosso apreço e outros que são alvo das nossas críticas políticas. Já o disse, não o queria repetir: conheço pessoalmente o Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa, tenho sincera estima e consideração por ele. Mais, certamente, do que muitos dos que dizem que o defendem e apoiam. Discordo do Senhor Professor politicamente. Estamos em campos diametralmente opostos. Não releva se é católico, se é conservador. Lido bastante bem com isso. Tenho familiares conservadores, estudei em estabelecimentos conservadores, formei-me numa faculdade conservadora, contacto diariamente com pessoas conservadoras. Quem é convicto nas suas posições, não teme o confronto. Nunca fui aluno do Senhor Professor, nunca assisti a uma aula sua, já tive alguns momentos de cavaqueira com ele, como outros alunos. Tão-pouco estudei pelos seus manuais. Fui aluno, em contrapartida, de um Professor de Direito Constitucional ainda mais religioso. O mais conservador daquela instituição de ensino superior. Um dos meus maiores mestres, posto que o Direito Constitucional é uma das minhas áreas, ex aequo com o Direito Penal (que vira a seguir), dilectas. Guardo maravilhosas recordações desses tempos. Que eu sei fazer as necessárias distinções.
O aparte está feito, e não tornarei a tocar no assunto. Centremo-nos nos debates. Assisti a três debates muito crispados. Houve o que é lamentável: ataques pessoais. Falou-se muito no passado e pouco no futuro. No debate entre Sampaio da Nóvoa e Marcelo Rebelo de Sousa, é inevitável fazermos a comparação entre um académico brilhante, político, e um académico com alguma consideração no meio. Dei por mim, frequentemente, a anuir perante as afirmações do Senhor Professor. Sampaio da Nóvoa revelou uma certa desorientação quanto às competências do Chefe de Estado no ordenamento português, ao demonstrar querer ser um Presidente com um pseudo-programa de Governo (cito: «Eu não vou deixar a política em Portugal nas mãos dos mesmos»). Não pode. Não deve. Um Presidente não governa. Clara de Sousa, moderadora, alertou-o. Sampaio da Nóvoa esteve mal aí, e o Senhor Professor, ademais constitucionalista, deu-lhe algumas lições. Fatalmente, Sampaio da Nóvoa aludiu às contradições do Professor Marcelo, que são várias, e às quais eu também teci comentários. Por seu lado, um Presidente não carece necessariamente de ser um político. O Professor valeu-se de alguma experiência política, de ter estado no centro político de decisão em determinados momentos da sua vida, para, munindo-se disso, diminuir o seu adversário perante o eleitorado. Ora, eu diria que os portugueses querem menos políticos e mais pessoas creditadas. Terminando, Sampaio da Nóvoa mencionou os ex-Presidentes que o apoiam. Era evitável. O Professor respondeu-lhe, e bem, que estava sozinho na campanha, pese embora o apoio de bastidores do PSD e do CDS, como o Professor Sampaio tem do PS, maioritariamente. Conselhos de ex-Presidentes, a meu ver, não legitimam candidatos. Sampaio da Nóvoa deveria furtar-se às sucessivas referências a uma facção de "tempo novo", que anuncia, contra o "tempo velho". Se vier a ser Presidente, sê-lo-á de todos os portugueses, dos que têm determinada orientação política e dos que têm outra. Deve gerar uniões, consensos, e não divisões.
No segundo debate, a intriga agudizou-se. Marcelo Rebelo de Sousa e Maria de Belém conhecem-se dos tempos em que ambos participaram activamente na vida política, quer no Governo, quer na oposição, e tivemos conhecimento, todos, dos esquemas que estiveram na base, nomeadamente, da aprovação de determinados Orçamentos de Estado. Adiante. Ambos perderam demasiado tempo com as tricas políticas, o estilo pessoal de cada um. Num insólito, analisaram-se psicologicamente.
A Dra. Maria de Belém é uma senhora. Educada, sóbria, com sentido de Estado. Tem o tal passado político que tanta confusão, a sua ausência, aliás, causa ao Professor Marcelo. É uma senhora de causas. Minou um pouco as suas intervenções no debate com o diz-que-disse, o que a terá prejudicado. Tem apoiantes no Partido Socialista. Não do Presidente do seu partido, Carlos César. Ainda assim, determinada, avançou. Não gostei nada, repito, nada, do tom arrogante com que o Senhor Professor se referiu às «notinhas» da sua opositora no debate. Cada um tem o seu estilo, e são sobejamente conhecidas as capacidades do Senhor Professor. Maria de Belém mostrou trabalho, afinco, dedicação. Preparou-se, esquivando-se apenas ao confronto espontâneo, conforme o circunstancialismo, no qual o Professor é mestre. De igual modo, a ida de Marcelo Rebelo de Sousa ao Hospital de São José, aquando da morte do jovem por falta de equipa de neurocirurgia, pareceu-me claramente uma instrumentalização, como o foi a sua entrevista na Faculdade de Direito, a que já fiz referência em outro artigo. Não vejo, ainda, a necessidade que o Professor tem de, simultaneamente, associar-se ao anterior executivo, quando lhe é útil, e distanciar-se, quando lhe é igualmente útil. Recorda-me da sua dificuldade em assumir-se como político, no início da saga presidencial; agora, inversamente, critica quem não é político. Contradições. Maria de Belém tem a sua candidatura, não fracturou o PS. Fez bem em propor-se aos portugueses. E o Professor quis dinamitar a candidatura da Dra. Maria de Belém pela ex-Ministra não reunir em si o apoio entusiástico do Partido Socialista. Esteve mal, quando se proclama um candidato independente.
O terceiro debate foi mais regrado. Ambos, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém, reconheceram que o seu principal adversário é Marcelo Rebelo de Sousa. A Dra. Maria de Belém expôs as suas causas, o seu pretenso conhecimento das instituições e da realidade do país. Por sua vez, foi confrontada por Sampaio da Nóvoa por, alegadamente, ter duvidado da capacidade do PS em conseguir acordos com os partidos à sua esquerda, ficando associada à anterior liderança de António José Seguro. A admitir essas afirmações como verdadeiras, não vejo em que termos poderá a candidatura de Maria de Belém ficar ameaçada de falta de independência. Em sentido inverso, não ter o apoio maioritário do PS fortalece-a. Trouxe-se novamente à colação o "tempo novo" de Sampaio da Nóvoa e a sua ausência do debate político por décadas. Temo que o intervencionismo desmedido, que prevejo numa Presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, possa também ter lugar se Sampaio da Nóvoa vencer o acto eleitoral. Há alguma confusão entre estar presente e ingerir no quotidiano político do país. Mais contido, Sampaio da Nóvoa procurou evitar revelar esse intervencionismo, que salientou no debate com o Professor Marcelo. O cumprimento da Constituição foi um tema muito presente. Maria de Belém não vê lugar para se ser um ou uma Presidente diferente com esta Lei Fundamental que temos; Sampaio da Nóvoa defende-se, dizendo que o que pretende trazer para a Presidência da República é exactamente o que a Constituição prevê. Recusa a omitir-se dos seus deveres se for eleito. Nóvoa lembrou ainda que Maria de Belém não pediu a fiscalização sucessiva, ao Tribunal Constitucional, do Orçamento de Estado de 2012. Teme, portanto, nas suas palavras, que Maria de Belém, Presidente, deixe nas mãos de outros o que lhe compete fazer. Sampaio da Nóvoa tem o apoio do LIVRE, do MRPP e de boa parte do PS. No entanto, frequentemente relembra a independência da sua candidatura, procurando impor na Dra. Maria de Belém o ónus de demonstrar que a sua, efectivamente, por ser militante do PS há mais de quarenta anos, é independente. A dela, que nem reúne consenso. Depois, limitaram-se a trocar as boas intenções quanto à luta contra a precariedade, a pobreza infantil, e ao estímulo ao emprego e ao desenvolvimento científico, com críticas de Maria de Belém a declarações de Sampaio da Nóvoa que visaram, em 2011, a actuação de Mariano Gago, já falecido.
Em boa medida, o exercício do cargo de Presidente da República, sem prejuízo dos poderes que a Constituição lhe atribui, evidencia uma magistratura de influência que o titular não deve descurar. E se o Presidente não deve intrometer-se no panorama político-legislativo, pode sempre exprimir uma palavra quando achar oportuno fazê-lo. O actual Presidente cessante foi omisso quando, pelo contrário, todos esperavam da sua parte uma postura firme.
Os debates tiveram, quanto a mim, uma utilidade: reforçaram os motivos que de sempre avancei para não votar em alguns candidatos, e suscitaram dúvidas em relação a outros. Ainda não decidi. Mas defini o meu leque, que já havia delimitado, a bem ver. Digamos que os próximos dias revelar-me-ão em quem votar.
Não sei se voltarei a escrever sobre as Presidenciais. Talvez o faça num apelo ao voto. Entretanto, achei oportuno publicar esta análise, pedindo desde já desculpas pela extensão da mesma.