27 de março de 2023

Pete Burns (1959-2016).


  Há já algum tempo que vos queria falar de um artista britânico falecido anos atrás, o Pete Burns, vocalista dos Dead or Alive. Burns surgiu no panorama musical inglês no final dos anos 70, fundando algumas bandas, até que se estabeleceu como vocalista dos Dead or Alive. O grupo obteve grande sucesso no seu país-natal e resto do continente europeu, e relativo nos EUA, na era do synth pop, com influências notórias do punk. O maior êxito do conjunto foi o clássico das pistas de dança You Spin Me Round (Like a Record), cujo vídeo me influenciou decisivamente. Embora já o fizesse antes, Burns foi o responsável, em larga medida, por ter recuperado o uso do eyeliner quando saio. Não o faço todos os dias; faço-o quando me sinto mais sensual, quando me apetece.



   Nessa altura, começaram a surgir rumores de uma rivalidade com Boy George, que também ganhava popularidade à frente dos Culture Club. George arrojava com o seu visual fortemente marcado pelas cores, o uso de maquilhagem chamativa e vibrante e roupas andróginas. Tudo o que Burns fizera anteriormente, e segundo consta chegou a acusar George de o imitar.

   Os anos 80 passaram, a influência de ambos também, e começaram a ser mais comentados pelos seus excessos pessoais. Centremo-nos em Burns. Plástica após plástica, a carreira foi ficando para trás. O dinheiro ganho nos anos de sucesso foi gastado a retocar aqui, corrigir erros dali. Burns ficou irreconhecível após tantas idas ao cirurgião. Fala-se em centenas de operações estéticas que o deixaram arruinado (em meados da década passada, admitiu-se na bancarrota). Para conseguir dinheiro, entrou em formatos televisivos como reality shows e vendeu a sua história a documentários de canais de televisão. Faleceu em 2016, de insuficiência cardíaca decorrente, muito provavelmente, das intervenções cirúrgicas que lhe arruinaram os órgãos vitais.


   

  Especulou-se imenso sobre a sexualidade de Burns, que nos anos 80 mostrava toda a sua excentricidade. No vídeo de You Spin Me Round, e noutros, há vários elementos associados ao feminino, nos gestos, poses, atitudes, e tudo isso reportou-me à minha própria exuberância quando era mais pequeno e, em adolescente, me maquilhava e usava sandálias de plataforma, bem assim como o uso de cores mais quentes, num Portugal de início do século XIX ainda bastante imerso no cinzentismo social, que se reflectia na moda e nos costumes. À minha maneira, fui precursor, pagando o devido preço, claro, quando os iguais se juntam para nos julgar.


19 de março de 2023

A Baleia.


   Julguei que estaria perante um título pejorativo. Equivoquei-me. Depois verão de que baleia se trata, e do simbolismo que essa baleia adquire na narrativa. Este filme emocionou-me, quiçá pela minha fragilidade -sou frágil, fui frágil-, que se agudizou na actual conjuntura, e embora não seja de chorar com filmes, saí de tal forma comovido da sala de cinema que não consegui segurar as lágrimas, que me inundaram o rosto, caindo sem parar, como numa crise compulsiva.

   A Baleia é uma estória da fragilidade da condição humana, do amor, da redenção. Também da aparente maldade, que poderá não o ser; da fronteira entre a honestidade, a transparência e a maldade. Uma estória de gente desafortunada, por um ou outro motivo. Muito emotivo. Não há enredos complicados (como no desastre Everyting Everywhere All at Once), nem deles precisa, porque nós somos mais comuns do que julgamos. Num simples apartamento, conectam-se traumas e desgraças pessoais, que afinal são as nossas - podem ser as nossas.

   A Baleia entra no meu contido catálogo de filmes preferidos de sempre, e mereceu-me a pontuação 9 no IMDB.






12 de março de 2023

The Fabelmans.


   Um filme que tem muito de biográfico. As interpretações são de excelência, sobretudo de Michelle Williams. Spielberg seguramente saberá destrinçar entre o que há da sua experiência e o que resulta da inegável capacidade criativa a que nos acostumou, transportando-nos aos anos 60 com maestria; a uma família de classe média tão normal nos hábitos, nos “pecados”, nos anseios, nos desejos, incidindo no crescimento de um miúdo entre as câmaras de filmar e um terrível segredo capaz de abalar o núcleo aparentemente tão comum e inabalável, e afinal é-o, comum, porque inabalável, nem tanto. Não há estórias completamente felizes.




10 de março de 2023

Um ano.


   Um ano. Um ano de dor, de adaptação a uma nova realidade. Quando perdemos alguém que esteve sempre presente nas nossas vidas, há que aprender a viver com esse vazio, com essa falta. Cresce-se com o sofrimento. Vejo-o em mim. 

    Se fosse eu que tivesse feito isto, provavelmente faria com que as pessoas crescessem sem ter de sofrer, mas, como não sou, sujeito-me às leis universais.

27 de fevereiro de 2023

Lugo.


   Há umas semanas estivemos em Lugo. O M. já conhecia a cidade, mas eu não. Junto a Pontevedra, era a única cidade galega, das mais importantes, em que nunca tinha estado.

   Lugo é a capital da província homónima. Lucus Augusti, no seu nome romano, está circundada por uma muralha que se pode percorrer por cima, e assim ter uma visão privilegiada pela maior parte do seu perímetro. A muralha tem dois mil anos e mantém-se praticamente inalterada desde então.


A muralha romana de Lugo


    No centro, podemos encontrar a praça composta por uma coluna e uma enorme águia; é a praça do bimilenário de Lugo, construída aquando da comemoração dos seus dois mil anos de história. Li que a águia que decora o topo da coluna, de asas abertas, substituiu a de asas fechadas, transposta para o Parque Rosalía de Castro.


Uma praça que nos remonta a Roma


  O Parque Rosalía de Castro é amplo, luminoso, com um miradouro. Evoca a memória de uma das maiores escritoras nacionais, responsável pelo renascimento das letras galegas. 


Luminoso


   Perto do miradouro está a ponte romana de Lugo, engenho clássico que foi sofrendo inúmeras alterações durante a Idade Média e já mais recentemente, quando passou apenas a receber o trânsito peatonal.


Aqui vê-se um pôr-do-sol magnífico.


    Outro dos atractivos de Lugo é a sua catedral, que embora não seja tão magnânima quanto a de Santiago, é bonita.


Desde o alto da muralha, a catedral al fundo


      Lugo é uma cidade tranquila, entre o rural e o urbano, de gentes amáveis e bastante mais sossegadas do que a generalidade dos galegos, e é tida como uma das mais formosas da Galiza. Gostei bastante.

21 de fevereiro de 2023

Uma igreja (pouco) católica.


  Nunca como agora dois mil anos de história se viram tão ameaçados. As pessoas cansaram-se do controlo sobre as suas vidas, sexualidade, e finalmente dos crimes da instituição, os crimes sexuais, que todos conhecíamos de ouvir falar, e que se juntam aos crimes de maus-tratos e outros que tais. É que aqueles homens (e mulheres) que fazem a igreja podem (e são) ser tão maus como quaisquer outros. Durante demasiado tempo abusaram da sua posição de poder, de influência junto do poder político, da sociedade. Neste momento já não gozam desse poder; não podem silenciar os que os denunciam, travar as investigações, os processos criminais. Ainda bem que assim é. 

    É-me difícil encontrar um lado positivo na existência da Igreja. Sem querer trazer à colação o tema “Deus”, essa entidade é tão pessoal que não vejo a necessidade de haver intermediários na relação humanidade-entidade criadora, existindo. Como no tempo em que não nos permitiam ler a Bíblia -ler, em geral, pois tinham o monopólio do conhecimento-, e tudo quanto sabíamos, sabíamo-lo filtrado. Esse tempo terminou, o que lhe sucedeu também, e antevejo uma mudança social (e religiosa) significativa, que este escândalo não despoletou, tendo vindo ajudar a concretizar.  

16 de fevereiro de 2023

Crime e Castigo.


   Escandalosamente, só agora terminei de ler este clássico da literatura universal. E comecei-o há meses. Entretanto, entre as mudanças para a nova casa e as minhas crises de saúde mental, fui deixando a leitura de lado.

    O que se poderá dizer de Crime e Castigo que ainda não tenha sido dito? É uma obra sobre os dilemas morais e filosóficos das condutas humanas, das más condutas humanas; os tormentos psicológicos entre o que é e o que devia ser. A narrativa está repleta de acontecimentos comuns do quotidiano, porém, todos revestidos de uma enorme tensão. Não se vislumbra um único momento de paz de espírito nas personagens. Há, além do medo, uma ansiedade, como se estivesse algo de pior por acontecer. Será esse, enfim, o castigo que cada um carrega quando a consciência nos condena permanente e perpetuamente. No final, contudo, Dostoievski é cínico o suficiente para nos abrir a porta a um cenário de esperança que, a cada palavra que escreve, desmente, por tudo aquilo que vocês também terão lido e saberão, suponho. 

25 de janeiro de 2023

Que futuro?


    Embora viva longe (e vai entre parêntesis porque a distância é relativa, sobretudo nos dias que correm, com os meios de informação de que dispomos), continuo a acompanhar a actualidade social e política em Portugal. A sensação que me dá é a de que tudo vai muito mal. No governo, os casos de corrupção sucedem-se abruptamente, perante a parcimónia do Chefe de Estado e dos cidadãos. O custo de vida aumenta a um ritmo impressionante, a especulação imobiliária também. A gestão das finanças torna-se o mais difícil dos desafios. Há fome. Há frio. Muitos não conseguem aquecer as suas casas pelos valores exorbitantes das facturas da luz. Aonde iremos parar? Não há prazer algum na vida das pessoas. Procuram ultrapassar cada dia da melhor forma sem daí retirar nenhum proveito. É por isso que compreendo a euforia com vitórias desportivas, citando. Realmente há que encontrar um escape para uma realidade diária tão complicada. Uma ilusão. Algo que faça com que cada um se evada dos seus problemas. 

    Os portugueses não são pessimistas, tristes e melancólicos por que queiram; são-no porque não têm motivos para sorrir. Venderam-lhes sonhos que não se concretizam. Os avanços e as conquistas são tão lentos e escassos que não originam nenhuma satisfação. Olhamos para trás e constatamos que melhorámos, mas a comparação temos de a fazer não relativamente ao nosso passado, senão àqueles que nos servem de referência, e que já nesse passado gozavam de melhores condições do que nós naquele então. Teremos sempre de nos contentar com o poucochinho, quase nada, com o espólio e o engano?

19 de janeiro de 2023

Uns fazem inimigos; outros, amigos.


   Eu não sei se a canção está a ter algum impacto em Portugal. A Shakira lançou un tema no qual arrasa com o ex-companheiro, pai dos filhos, Piqué, e com a sua actual namorada. Em Espanha, não se fala doutra coisa, e já está a bater recordes no streaming. Estas “coisas” incomodam-me, ainda que como espectador. Creio que as querelas se devem resolver civilizadamente. Até há crianças no meio, e eu sei o quão doloroso pode ser um processo de separação (não era criança, tinha vinte anos, mas sofri como se fosse).

   Enquanto aqueles dois se matam, estes dois, o Goku e a Mia, tornam-se amigos inseparáveis. Quem disse que cão e gato não se podem dar bem?




16 de janeiro de 2023

O Balneário de Mondariz.


    Eu adoro termas e águas medicinais. As minhas primeiras termas não foram em Espanha (e vivo na província das termas), nem em Portugal, senão na Hungria. 

    Já há meses que queríamos ir ao Balneário de Mondariz, vontade que não se concretizou por todas as peripécias do ano passado e também (talvez o principal motivo) pelo trabalho do M., que raramente dispõe de dois dias livres (excepto quando tira férias). Este fim-de-semana foi uma excepção, e depressa nos propusemos a fazer as tais ansiadas termas em Mondariz. Desde já, um aviso: a afluência é muita, pelo que os aconselho a reservar com antecedência. Eu reservei na antevéspera (com o trabalho do M., nunca podemos fazer planos antecipados) e quase que não conseguia uma vaga. 


A Fonte de Gándara, cuja água, com uma concentração elevada de bicarbonatos, é utilizada no tratamento da pele e de distúrbios digestivos, sobretudo


  O Balneário de Mondariz é o mais afamado de Espanha, considerado em 2012 o melhor spa do país, entre numerosas outras menções honrosas. Por lá encontrarão várias instalações, reformadas em 2020, dedicadas ao ócio termal. O que esteve na origem deste balneário foi a descoberta em 1872 da Fonte de Gándara, uma fonte de água medicinal. O Balneário entrou em funcionamento em 1873 e depressa se converteu num ponto de referência, epicentro da vida social e medicinal da região. Cem anos depois, justamente em 1973, um incêndio de enormes proporções destruiu-o, sendo que a actividade termal foi retomada apenas em 1993.


Um dos três edifícios que compõem o Balneário de Mondariz, com 194 quartos no total


    A par de toda a oferta, eu recomendar-lhes-ia duas actividades: o Circuito Celta [que consiste em: 1) duche com efeito peeling; 2) banho interior com jactos de água; 3) sauna celta; 4) jactos a pressão com efeito de choque e, por último, 5) banho de contraste ao ar livre, ou seja, numa piscina de água quente no exterior] e o Palácio da Água (composto por piscina de spa, jacuzzis e várias saunas). Não necessitam levar toalhas, que o Balneário fornece-lhes robes e até chinelos (quanto a estes últimos, pela qualidade, será melhor que levem os seus). 


As recordações que trouxe: um livro sobre a história do Balneário, um conjunto de fotos antigas do conjunto termal, um sabão dermatológico e um gel de banho composto por água mineral medicinal


    O Balneário dispõe de alojamento próprio e de dois restaurantes, um dedicado à gastronomia galega e o outro de comida italiana. O último serve refeições até às 0h, pelo que poderão estar no spa até às 23h (última hora), subir ao quarto, tomar um duche e ir jantar (foi o que fizemos). A partir das 21h, não podem entrar crianças na piscina. Das 21h às 23h é o horário ideal para quem não tem miúdos.


10 de janeiro de 2023

O saque de Roma, perdão, Brasília.


  As imagens das invasões populares aos órgãos de soberania brasileiros são impressionantes. Independentemente dos motivos. Lembraram-me o saque de Roma pelos bárbaros. Admiro sempre quando um povo se mobiliza, e o uso deste verbo não deve ser mal-interpretado. Admirar não significa que apoie ou condene. Admiro a coragem. Condeno os motivos, neste caso, e os modos. A imagem que passa é a de selvajaria, desordem total, descontrolo, de democracia em fanicos. Agora repare-se: segundo o meu pai (eu não vou a Portugal há quase um ano), o tempo de espera por lá nos hospitais públicos é de vinte horas, há cerca de 10.000 (em numeração assusta mais) pessoas a viver na condição de sem abrigo e metade da população portuguesa está em risco de pobreza. O pais bateu no fundo. Só que ali não há colhões para fazer o mesmo em São Bento e arredores.

7 de janeiro de 2023

I Wanna Dance with Somebody.


   Nunca tinha vivido tão perto de um cinema, que me lembre. E há tantos anos que não podia ir à sessão das 22h. Recuperei un petit peu das minhas rotinas urbanas. O filme é que… meh. É um argumento fraco, embora Naomi Ackie tenha estado francamente bem. A vida de Whitney Houston não deve ter sido tão aborrecida, e ela tão desinteressante. São duas horas e meia de um enredo superficial e entediante. Salvam-se os velhos clássicos de uma geração e a mímica da actriz.