Desde 2010, salvo erro, que não publicava consecutivamente em dois dias. Todavia, nunca antes havíamos assistido à saída, que ainda não foi formalizada, e cujo processo levará vinte e quatro meses, no mínimo, de um Estado-membro do seio da União Europeia. A Europa e o mundo acordaram para a decisão inesperada dos britânicos, após todos os dados apontarem para a vitória do 'Remain' sobre o 'Brexit'. O impacto fez-se sentir, desde logo, nas bolsas europeias e na desvalorização da libra esterlina. De igual forma, os investidores em solo britânico temeram, e já há quem exija um acordo entre Bruxelas e Londres, tentando-se acautelar as posições económicas conseguidas no Reino Unido.
Com o Tratado de Lisboa, de 2007/09, está prevista a saída de um Estado-membro. As formalidades terão de ser respeitadas. Nada impedirá, é importante que isto se diga, que o Reino Unido torne a aderir à União Europeia, cumprindo-se todo o moroso ritual de adesão. E a UE poderá celebrar um acordo com o Reino Unido, à semelhança dos que já existem entre a organização internacional e a Noruega ou a Suíça.
Este referendo demonstra o predomínio do eurocepticismo das gerações mais velhas sobre o espírito europeu, que encontra maior acolhimento nos jovens. Os britânicos são nacionalistas, são proteccionistas. No primeiro artigo, enunciei alguns dos pontos de discórdia numa relação que desde o seu início, em 1973, foi tensa. Apesar de não ter ainda compreendido qual a expectativa dos britânicos quanto à desvinculação, provavelmente pensarão num plano b. Lideram a Commonwealth of Nations, são a quinta maior economia global, pertencem ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e são, excluindo a Rússia, a maior potência militar da Europa. Desiluda-se quem vê aqui o fim daquela que foi a maior potência mundial até 1918 e a senhora de um vastíssimo império. A UE, que remonta a 1992, é apenas a herdeira de velhas comunidades que têm a sua origem no contexto europeu pós-II Guerra Mundial.
A primeira baixa na UE deixa-nos motivos para apreensão. Avizinham-se tempos complicados. Esta decisão dos eleitores britânicos poderá desencadear processos semelhantes em alguns dos demais Estados que integram a UE. Em França, a extrema-direita já alude a um referendo assente nos mesmos moldes, bem como na Dinamarca. Temo que o 'Brexit' proporcione um choque com efeito dominó. Em contrapartida, o referendo evidenciou cisões dentro das fronteiras do Reino Unido. A Inglaterra e o País de Gales votaram maioritariamente pela saída; a Escócia e a Irlanda do Norte optaram pela continuidade. Os escoceses querem manter o vínculo à União, e as feridas secessionistas não ficaram saradas com o referendo pela independência, de 2014, no qual os eleitores, por uma margem não significativa, se decidiram pela permanência no Reino. Partidos políticos escoceses pretendem iniciar os trabalhos que levarão à realização de uma nova consulta popular. Pela Irlanda do Norte, há quem fale numa eventual reunificação com a República da Irlanda. A sobrevivência do Reino estará em causa, e não ficaria surpreso caso se opere uma desintegração entre as suas quatro nações constituintes.
Pela Europa continental, verificando-se o êxito de movimentos secessionistas, países como Espanha, nomeadamente, não terão motivos para sorrir, embora determinados nacionalistas espanhóis vejam aqui a oportunidade de anexar Gibraltar a Espanha - o rochedo que está em mãos britânicas desde inícios do século XVIII.
David Cameron demitiu-se no seguimento da decisão britânica pelo leave. Encarou-o como uma derrota pessoal. A campanha pela manutenção da permanência não convenceu os súbditos de Isabel II. Às relações bilaterais entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, o 'Brexit' não comportará alterações. Persiste a velha aliança luso-inglesa, firmada em pleno século XIV, a mais velha aliança diplomática ainda em vigor, que certamente será recuperada à sua plena força. E conhecemos todos os condicionalismos do direito europeu que manietam a soberania dos Estados-membros. Portugal estará sempre, até que se decidisse a sair, vinculado aos compromissos que aceitou.
O 'Brexit' terá repercussões na organização da UE e nas relações do bloco com países terceiros. Refrear-se-á, assim creio, a política de alargamento. Para o Reino Unido, será a chance de estimular uma reaproximação com os países com os quais mantém vínculos afectivos. A Austrália já afirmou manter-se ao lado da sua pátria-mãe.
Algo é certo: amanhecemos numa Europa que não mais será igual.
O 'Brexit' terá repercussões na organização da UE e nas relações do bloco com países terceiros. Refrear-se-á, assim creio, a política de alargamento. Para o Reino Unido, será a chance de estimular uma reaproximação com os países com os quais mantém vínculos afectivos. A Austrália já afirmou manter-se ao lado da sua pátria-mãe.
Algo é certo: amanhecemos numa Europa que não mais será igual.