Uma cidadã portuguesa viu o seu pleito decidido favoravelmente pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Estava em causa uma decisão judicial do Supremo Tribunal Administrativo, que havia reduzido a indemnização fixada anteriormente num caso de negligência médica. A fundamentação provocou enorme alarido, pois aquela instância judicial arrogou-se o direito de dispor sobre as idades da sexualidade humana, considerando que, aos cinquenta anos, o sexo não desempenha o mesmo papel.
Desde logo, pareceu-nos mais um caso de sexismo nos tribunais portugueses, um entre tantos. Assim entendeu o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. A discriminação em função do género tem um longo historial na jurisprudência portuguesa; é particularmente notória nos casos de abuso sexual, numa tendência que vem diminuindo, sim, acompanhando a evolução natural que se efectivou na sociedade portuguesa, todavia ainda presente.
Há uma tendência quase irresistível nos magistrados portugueses para, em tom paternalista, distinguir entre o homem e a mulher, as necessidades de uns e de outros. Não raras vezes o homem é representado como aquele que age por instinto, por natural avidez sexual, e a mulher, a vítima, como o agente sedutor que despoletou, por assim dizer, uma reacção incontrolável no macho latino.
No seio do matrimónio, o sexo é entendido, pelos tribunais portugueses, como um dos deveres conjugais, que não o é (ou não o devia ser). A recusa de um cônjuge em manter relações sexuais está na esfera do seu direito a fruir livremente da sexualidade, e isso contempla ter ou não ter relações sexuais. Casar não nos vincula, per se, ao dever de ter sexo para suprir as necessidades do esposo ou da esposa. O sexo faz parte, mas não é uma obrigação e nem nos pode ser exigido.
Os magistrados são homens e mulheres. A sociedade em que estão inseridos não lhes é indiferente. Fazem a sua interpretação da lei, que assenta, queiramos ou não, nos seus preconceitos. Transportam-nos para o tribunal, causando-nos maior perplexidade ao termos conhecimento de magistradas que, pela imparcialidade, se esquecem da sua condição de mulheres quando se vêem em mãos com casos que envolvem vítimas do sexo feminino.
O que se pretende é que o homem e a mulher, para efeitos de apreciação judicial, sejam iguais. A cidadã que viu o Supremo Tribunal Administrativo considerar que, por ser mãe e ter aquela idade, o sexo não lhe seria tão importante, pode estar segura, porque eu estou, de que outro entendimento teria aquele órgão judicial se as lesões infligidas tivessem ocorrido num homem. O tribunal entendeu que a mulher, deixando de ser fértil ou porque já gozou das maravilhas da maternidade, deixa de atribuir ao sexo a importância que este assume, entendendo-se, então, que a relação sexual visa a procriação somente. Para os tribunais portugueses, mui sucintamente, o sexo é um dever conjugal e tem como objectivo a perpetuação da espécie. É assim que estamos.
O TEDH condenou o Estado português, numa decisão que louvo. Não podemos continuar a tolerar e a condescender com estes preconceitos enraizados, inclusive entre os magistrados. Os tribunais não devem substituir-se à nossa consciência do justo e do injusto, e tudo isto, a qualquer cidadão minimamente razoável, assemelha-se a um rol de aberrações jurídicas.
O TEDH condenou o Estado português, numa decisão que louvo. Não podemos continuar a tolerar e a condescender com estes preconceitos enraizados, inclusive entre os magistrados. Os tribunais não devem substituir-se à nossa consciência do justo e do injusto, e tudo isto, a qualquer cidadão minimamente razoável, assemelha-se a um rol de aberrações jurídicas.