No primeiro de Dezembro, dia em que se assinala uma efeméride, o Dia Mundial de Luta Contra a SIDA, meritório e sem dúvida pertinente, ainda que em sociedades cada vez mais esclarecidas quanto ao VIH (ou HIV, como preferirem; adopto a norma lusófona), há um acontecimento histórico que teve lugar há alguns séculos e que teima em cair no esquecimento dos cidadãos (a política integracionista europeia não permite que se exaltem valores patrióticos, bem como a crise económica que levou à supressão do próprio feriado comemorativo). Refiro-me, claramente, à Restauração da Independência, que venho, desta feita, abordar.
A conjura do º1 dia de Dezembro de 1640, não pensada ao acaso, milimetricamente teve lugar. Por volta das nove da manhã, um grupo de fidalgos, jovens, dirigiu-se ao Paço da Ribeira, o palácio real, e, conseguindo fintar a resistência montada por soldados castelhanos, irrompeu pelos salões, jogando Miguel de Vasconcelos, português, secretário de Estado, pela janela, e prendendo a duquesa de Mântua, Margarida de Saboia, representante do rei.
O golpe de Estado visava, sobretudo, obter a plena independência do nosso reino, não obstante as promessas feitas pelo primeiro dos Habsburgos a reinar em Portugal, Filipe II de Espanha (I de Portugal), que, nas Cortes de Tomar em 1581, ao ser coroado, jurou respeitar as prerrogativas e peculiaridades deste pequeno reino da Europa ocidental. D. João IV seria aclamado Rei no mesmo dia pelos revoltosos, sendo proclamado posteriormente, dias depois.
O descontentamento surgiu manifestamente a partir de 1612, já decorridas mais de três décadas de Monarquia Hispânica. A crise assentava na diminuição da população e na estagnação económica. A contestação política não foi logo tão evidente. Já em 1619, aquando da visita de Filipe II (III de Espanha), sempre adiada por se temer algum atentado contra a vida do monarca, as Cortes manifestavam insatisfação quanto à administração castelhana e à quebra dos compromissos firmados em 1581, nomeadamente a nomeação exclusiva de portugueses para os cargos do reino e ainda os benefícios da Igreja. Rapidamente os protestos desceram às ruas, com o povo queixando-se de carestia de pão e fomes. Em 1621, eclodiu o primeiro motim, em Barcelos. Em 1629, o povo do Porto, apoiado por nobres, ameaça linchar Francisco de Lucena, secretário de Estado vindo de Madrid com a incumbência de lançar mais um imposto... Durante a década de trinta do século XVII, a carga fiscal não parou de aumentar e, com ela, as sublevações, sendo que a mais grave teve lugar em 1637, meros três anos antes da Restauração, por motivos igualmente fiscais.
Além do povo, a nobreza queixava-se das mobilizações para os palcos de guerra na Europa, vendo-se ainda atingida nos seus privilégios fiscais pelo duque de Olivares, valido espanhol, o preferido de Filipe III de Portugal. Por outro lado, pelo facto de não haver Corte em Lisboa, os nobres refugiavam-se nos seus domínios rurais, mantendo a nostalgia do esplendor cortesão da época em que havia um monarca português de ceptro na mão. Daí que muitos comecem a aderir à ideia de que era melhor sentar um português no trono.
Da parte dos funcionários e letrados, também estes eram favoráveis ao duque de Bragança, muito devido ao imposto da meia-nata que pendeu sobre eles.
A crise económica agudizava-se e agravava a situação já instável em Portugal. O império português, alvo de ataques de holandeses, regra geral, que mantinham um ódio de estimação aos castelhanos, caía, nessa zona remota do globo, mediante invasões às nossas praças a oriente, conquistadas uma a uma, o que alterou o eixo principal do nosso império de oriente para ocidente; as especiarias, em queda, deram lugar ao comércio açucareiro; proliferou uma actividade mercantil espalhada por diversos portos no Brasil, essencialmente, originando uma burguesia numerosa. Por sua vez, a Companhia de Jesus converteu-se, também ela, numa sociedade política e economicamente organizada, o que auspiciava novos ventos.
A par destes factores, há que referir outros, talvez menos importantes, ou mais, dependendo esta valoração da consciência nacional de cada um. Houve alguns aspectos culturais que pesaram na hora da decisão. A língua portuguesa era, aos poucos, substituída pelo castelhano, optando artistas e escritores cada vez mais por se exprimirem nessa língua. A maior parte das obras impressas em Portugal era-o... em castelhano.
Em progressivo e crescendo, cada vez mais vozes se erguiam contra esta dominação estrangeira, o subalternizar da nossa língua e cultura perante forças opressoras. Surgiu alguma literatura que reclamava a independência, o que levou, consequentemente, ao aumento da censura nos últimos anos da "união ibérica".
Todo este conjunto de factores ajuda a explicar o golpe do 1 de Dezembro de 1640. Foi, primeiramente, um acto político, com um significado profundo de libertação do domínio castelhano. O reencontro com o passado e o desejo de retomar as velhas glórias. Algo, todavia, não deixa dúvidas: tratou-se de um projecto assumido por todos, do camponês ao mais alto representante de linhagem.