18 de outubro de 2022

Goku&Mia.


   Creio que lhes tinha comentado, quando ocorreu, da morte do Diesel. Dois anos e três meses na nossa companhia, alguém no-lo envenenou (esta parte não me recordo se cheguei a contar-lhes, terrível). O M., médico, e o veterinário, pelos sintomas e rapidez da crise que culminou na morte do cão, foram levados a crer em envenenamento. Se acidental ou não, eu tenho as minhas suspeitas. Não lhe quisemos fazer uma autópsia pela inutilidade do procedimento.

   O Diesel morreu numa sexta-feira, e os dois dias que se seguiram, sábado e domingo, foram de muita angústia e solidão. O M. está a trabalhar desde manhã até à noitinha, as horas que passo sozinho são imensas, e o cão fazia-me muita companhia. Na segunda-feira imediatamente a seguir, adoptei o Goku. O Goku -nome também escolhido pela senhora do canil- tinha 3 meses quando veio para a nossa casa. É um bodeguero, uma raça andaluza com origens no Reino Unido, e totalmente diferente do Diesel, inclusive por ser um cachorro: extremamente carinhoso, é enérgico, não pára quieto um minuto, e parece-me mais inteligente. Reúne todas as características dos cães bodegueros.

   Com o Goku, redobrei os cuidados. Tal como o Diesel, nunca está sozinho, e quando temos de fazer algo deixamo-lo em casa. Nas férias de Verão, claro, num hotel canino. A diferença está quando vou ao supermercado. Como vivo numa vila pequena, deixava-o atado à porta enquanto fazia as compras. Não o repito com o Goku, porque, se o Diesel foi envenenado intencionalmente, foi-o durante os parcos minutos em que fazia as minhas compras.





    Os gatos. Eu gosto de gatos. Mais de cães, assumo. Há dois anos, adoptei um gato, no mesmo canil em que adoptara o Diesel, porém, tive de o devolver uma semana depois por incompatibilidade com o meu transtorno obsessivo-compulsivo. Bem sei que os animais não se devolvem -não foi uma decisão que tenha tomado de ânimo leve-, mas pesando tudo devidamente na balança, cheguei à conclusão de que seria melhor para ambos, para mim e para o felino. Os gatos, adoráveis, têm uma personalidade que não se coaduna com o meu TOC, nomeadamente o pular por cima de tudo, as arranhadelas nos sofás, móveis, colchas, plantas, quando o meu transtorno se manifesta sobretudo na incapacidade de lidar com a desarrumação e a deterioração de objectos.

    Há uns dias, o M. trouxe-nos uma gata. A Mia (nome escolhido por mim). A história da Mia é triste. Foi abandonada pelos donos -vê-se que é uma gatinha de casa-, refugiou-se num centro de saúde de uma vila onde o M. faz vários plantões e uma mulher crudelíssima matou-lhe os filhotes (acabara de parir). A Mia, sendo uma gata e com as suas características inatas, não estraga nada. Às plantas, nem lhes chega.

   Foi uma decisão do M., o que de certa forma também me tranquilizou. Havendo algum outro problema, a “culpa” seria sua. Até este momento, tudo está a correr bem. Consigo sair de casa deixando-lhe as portas todas abertas, quartos incluídos, tentando superar o meu TOC, e a Mia ainda não deu cabo de nada. Com o Goku, a relação é tensa, particularmente da parte da Mia, que lhe mostra os dentes e as unhas, registando eu altos e baixos. Conseguem estar juntos numa mesma divisão da casa, sem que se aproximem em demasia. Suponho que com o tempo melhore. O não se engalfinharem já é bastante bom.




15 de outubro de 2022

Contas simples, Senhor Presidente.


   Marcelo Rebelo de Sousa deu um tiro no pé. O maior, direi eu, desde o momento em que tomou posse como Presidente da República, no seu primeiro mandato, com a diferença de que está no segundo, o último, permitindo-se a estas e outras afirmações, estas e outras atitudes, que não o dignificam nem ao cargo. Falo-lhes, como imaginarão, das declarações do Chefe de Estado a respeito das investigações a abusos sexuais cometidos por clérigos. A dita comissão independente chegou ao número aproximado de 400 casos, tendo Marcelo dito que não lhe pareciam muitos, ipsis verbis.

  Nem a sua extrema religiosidade justifica uma afirmação tão infeliz e infame. Tínhamo-lo como um homem inteligente e sensato. Não ponho em causa o primeiro, duvido do segundo. Marcelo esteve mal. Qualquer um tem dias maus e diz parvoíces irreflectidas. Contudo, no dia seguinte, e após auscultar a revolta no país, Marcelo, longe de pedir desculpas, como se anunciou na imprensa, saiu à tangente: se -se- alguma vítima de sentisse ofendida, ele desculpava-se.

   Marcelo ofendeu não apenas as vítimas da Igreja Católica - as milhares (milhões?) de crianças que tem a seu cargo e que maltrata e abusa; Marcelo ofendeu-nos a todos, até a quem, como eu, felizmente nunca caiu no leito de um padre ou um bispo pervertidos. Porque a sua patética dedução -o Presidente comparou os casos investigados em Portugal com os dos demais países europeus- baseia-se em números, e aquelas vidas não são números, e a censurabilidade daquelas condutas também não diminui por serem 400, 200, 100 ou 10 casos. Ainda que fosse 1, como se diz por aí. São contas simples de se fazer, inclusive para um jurista.