17 de fevereiro de 2021

Características a combater.

 

  Esta publicação visa dois temas igualmente complexos, e pretende fazer uma comparação entre algumas das características dos povos espanhol e português. Desde logo, começaria com a nomeação de um juiz conhecido por, em 2010, ter manifestado uma posição polémica, mas legítima, sobre a homossexualidade e o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, que na altura se discutia, foi a votos e passou no crivo do parlamento (e inclusive do tribunal constitucional português). Falo-lhes de João Causpers. O que sucede é que não se trata de mais uma inócua opinião de um cidadão; trata-se da opinião pública de um indivíduo nomeado juiz do Tribunal Constitucional, órgão de soberania que zela pelo cumprimento da Constituição e cujas decisões vão além do jurisdicional: têm um conteúdo iminentemente político. Na opinião manifestada há dez anos, João Causpers tece uma série de observações que só se explicam na profunda ignorância de alguém que não viveu na primeira pessoa -como eu e muitos dos que não pertencem à estimada maioria heterossexual a que aludiu então- o preconceito, a injúria diária, os atentados mais vexatórios à dignidade. Também eu, homossexual, discordo de muitas das posturas que alguma da dita comunidade LGBT vem tomando; também eu sou crítico dos excessos. Confundir-se, porém, lutas pela igualdade, pelo respeito e pelo bom nome com um activismo teatral, histérico e por vezes inadequado não me parece responsável, e esperaria pelo menos uma opinião mais informada e esclarecida de alguém com um currículo que a isso obriga. Talvez estes dez anos tenham feito bem a João Causpers; entretanto, o que disse está dito, está sujeito à nossa interpretação, tal como o que vier a dizer, se vier a dizer alguma coisa. 

   A sua eleição provocou algum eco em Portugal, pelo que li, mas seguramente que aqui em Espanha provocaria mais, país onde declarações públicas homófobas, como neste caso, estão sujeitas a um maior escrutínio por parte da população. Parte de esclarecimento público, de informação e de consciência crítica. Os portugueses estão formatados para a inactividade, para que escolham por si, e aqui poderíamos perguntar o seguinte: são conhecidos os juízes do Tribunal Constitucional? O seu método de designação é conhecido igualmente? 


   Sigo já para outro tema, o das injúrias à coroa, crime tipificado no código penal espanhol que encontra correspondência também no código penal português, no capítulo dedicado às ofensas à honra do presidente da república. Nos dois casos, o bem jurídico tutelado não é o bom nome do titular do cargo, senão da instituição: a coroa, em Espanha, a presidência da república, em Portugal. Sucede que, em Espanha, confunde-se a coroa com o país, o respeito à coroa com o respeito a Espanha, e o rei é praticamente a personificação do país, a figura humana, se quiserem, de Espanha e da sua inquebrantável unidade. Há uma sacralização do cargo que, em Portugal, pelo espírito que preside ao regime republicano, de rotatividade dos cargos, de rejeição de privilégios de sangue e nascimento, de igualdade, não existe. Daí que, em quase quarenta anos de vigência do código penal português, não tenhamos um único caso  de condenação pelo crime de ofensas à honra do presidente, que em Espanha se multiplicam. Hoje mesmo se soube de mais uma condenação, desta vez de um artista de rap, pelo crime, entre outros, ao que parece, de injurias a la corona. Há dias, a estação pública TVE fez uma piada de gosto duvidoso, é certo, propositadamente ou por grosseria, sobre a princesa, comparando a sua saída de Espanha para completar os estudos com o exílio a que Juan Carlos se sujeitou. Pois pendeu sobre a TVE uma enorme pressão que levou ao afastamento dos jornalistas implicados e a um pedido de desculpas formal, no qual a estação garantia o compromisso com a coroa. Ora, digo eu, o compromisso de uma estação pública de televisão, para mais estando em causa a sua informação, deve estar com o povo espanhol, na busca por uma informação independente, rigorosa (que não foi) e, sobretudo, livre, que não é. O Estado espanhol tem sido condenado em instâncias internacionais por excesso de zelo no que diz respeito ao tal crime de injurias à coroa, que os partidos à esquerda do PSOE vêm tentando derrubar sem sucesso, por falta de solidariedade de um dos partidos do arco da governação, precisamente o PSOE, de espírito republicano nos princípios e monárquico na prática e nos posicionamentos.

   Em Portugal, provavelmente não se toleraria esta excessiva, quanto a mim, protecção jurídica de um cargo público e, por inerência, do seu titular. Críticas ao Rei de Espanha e à Coroa são perigosas e há quem as evite por temer a perseguição da polícia e das entidades judiciais.


  Se houvesse uma permuta, por assim dizer, de algumas das características dos espanhóis para os portugueses, e vice-versa, teríamos povos mais tolerantes, e nesse sentido mais perfeitos, seja lá isso da perfeição o que for, e seguramente que se viveria melhor, aqui e lá.

2 comentários:

  1. Olá amo ver o teu blog e foi graças a ti que criei o meu.
    Gostava muito que o visses.
    https://e-tudo-se-cria.cms.webnode.pt/
    Um beijinho enorme

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    1. Olá. Se isso for verdade e não for apenas mais uma mensagem de circunstância, muito obrigado.

      Não consegui entrar no teu.

      Cumprimentos.

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