31 de janeiro de 2019

Cultural Sunday (take 26).


   Este domingo levou-me a um concelho também da Grande Lisboa, no entanto, à data, foi a visita que mais me afastou de onde resido. E aonde fui? Mafra. Fui ao Palácio Nacional de Mafra, conhecido também por reunir, num mesmo espaço, igreja (basílica) e convento.

É encantador

   Há uns dez anos que não punha lá os pés, a ponto de já não me recordar de praticamente nada. A viagem faz-se bastante bem, de autocarro. O tempo lá ameaçou chuva, ameaçou, sem o cumprir. Fazia muito vento, sim, mas já se sabe. Estamos no Inverno.

A basílica. Desafortunadamente, já não é permitido aceder-se à cúpula e aos terraços, percurso que fiz em 2008

A biblioteca contém mais de trinta mil volumes, incluindo edições raras, como a segunda d'Os Lusíadas


   O Palácio de Mafra é de tal forma imponente que o vemos logo, assim que chegamos. As construções que o circulam, presumivelmente por se tratar de uma zona histórica, são tão rasteiras que o palácio se eleva, grandioso, deixando-nos uma sensação de pequenez. Com efeito, Dom João V não escolheu Mafra ao acaso. O Palácio de Mafra nunca serviu de residência permanente à família real, senão local de paragem sazonal, sobretudo em período de caça. Foi construído como cumprimento de um voto de Dom João V caso Deus lhe proporcionasse descendência com Dona Maria Ana de Áustria, o que se veio a verificar em 1711, com o nascimento da infanta Dona Maria Bárbara. Há quem refira que, pelo contrário, Dom João V prometeu a sua construção caso fosse curado dos males que o afligiam. Em todo o caso, o palácio começou a ser construído poucos anos depois, arrastando-se as obras até 1732. Dom João V ficaria doente dez anos depois, pouco tendo usufruído do espaço. Dom José, com o terramoto, ganhou fobia a recintos fechados. A partir daí, ora em Queluz, ora na Ajuda, Mafra era visitada apenas regularmente. Teve um papel significativo em 1807, porque de lá partiu a família real, levando todo o rico recheio, e também foi em Mafra que Dom Manuel II passou a sua última noite antes do exílio em Inglaterra.

Sala da Caça
   Actualmente, podemos visitar os antigos cómodos dos monarcas, seus quartos e salas, a ala que albergava a farmácia, os aposentos dos religiosos e dos doentes, a sala do trono, a biblioteca, lindíssima, e pouco mais, que há uma área ocupada por um quartel militar. A basílica pode ser visitada, todavia já não se insere no âmbito da visita ao palácio, porque a entrada se faz por outra porta. Há um pequeno claustro e um oratório que também têm interesse.

O quarto onde Dom Manuel passou a última noite
   No final, passeei pelo Jardim do Cerco, que fica nas traseiras do palácio e que já não pertencerá a este. É um jardim bonito, bem cuidado, estimado, e que fica ali muito bem. De entrada gratuita. Não fosse o vento e estar-se-ia lá melhor.

O Jardim do Cerco

   Foi uma visita mui agradável. O Palácio de Mafra representa o expoente máximo do barroco português. Saramago, nas artes, eternizou-o, escolhendo-o para epicentro da sua narrativa. Importa dizer que as suas torres sineiras têm dos maiores carrilhões da Europa. Na basílica, temos alguma da escultura barroca mais impressionante, o que mais do que justifica uma passagem por todo aquele conjunto de inestimável valor arquitectónico e histórico.

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.

29 de janeiro de 2019

Roma.


   Roma é o primeiro filme da Netflix nomeado para vários prémios Oscar. Depois de o vermos, entendemos o porquê. Roma, ao contrário da maioria dos filmes, faz-se por sinais. Temo-los em abundância através das duas horas, como se cada cena quotidiana correspondesse a um pico de tragédia. Alfonso Cuarón não se poupou aos planos minuciosos, que nos dão, muitas vezes, a impressão de que o tempo se pode evadir por entre os nossos dedos.

   A acção passa-se quase inteiramente numa casa de família. Ao início, radiante; para o final, tomada pela apatia. O carro, também ele de família, vai-se amolgando, à medida em que as personagens vão igualmente amolecendo. Cleo, de criada a quem nem um bom-dia a manca avó dava, passa a elemento indispensável daquele núcleo coxo. Yalitza Aparicio, sem precisar de muito, dá-nos muito. Na simplicidade de um olhar, de uma boca semicerrada, de movimentos lentos, tão lentos quanto a vida pode ser e a acção do filme, Cleo transparece um sofrimento enorme. 

  Entendi o carro novo como um renascimento. A partir da sua compra, a família começa a acordar para a necessidade de se seguir em frente. Quando se despedem do antigo, patroa e empregada fitam-se, com a primeira a desviar o olhar. A insegurança está lá, como se mais 5 segundos pudessem ser a confirmação de que ambas estavam (eram?) profundamente infelizes.



  O que Cuarón quis fazer daquela mulher, Cleo, ao mesmo tempo que a entrega ao papel de mera subalterna, uma criada de merda, nas palavras de Férmin, eleva-a a uma deusa, que consegue concretizar o movimento do mestre de artes marciais, vedado a todos os que o tentaram. A dedicação - devoção - de Cleo àquela família e os sucessivos planos da bosta do cão são uma antítese: no início da estória, Cleo e a sua colega representavam pouco ou nada para a família, que nem a luz podiam deixar ligada por uns momentos. Não deixou, ainda, de ser uma forma de o realizador tecer certa crítica social ao México do início dos anos 70, quando as minorias étnicas serviam uma classe média americanizada nos gostos.

  Roma é um filme que, estou seguro, certamente levará tempo para que o deixemos sair-nos da cabeça. É quase uma obra-prima da cinematografia recente, e acredito que será um dos clássicos desta década.


p.s.: Certamente terão reparado que as minhas crónicas sobre cinema aumentaram substancialmente em número. A razão prende-se ao seguinte: pretendo ver todos os filmes, ou o máximo que puder, nomeados para Melhor Filme nesta edição dos Oscars.

28 de janeiro de 2019

Green Book.


   Tenho-lhes falado de filmes tão, tão maus, e este Green Book é tão, tão bom. Uma maravilhosa estória, inspirada em factos reais, ambientada na América ainda mal convalescida do esclavagismo. Neste contexto, movimentam-se as duas personagens principais: Frank Vallelonga, descendente de imigrantes italianos, e Don Shirley, um afroamericano. Vallelonga é o típico americano dos bairros problemáticos de Nova Iorque: bronco, incivilizado, rude, de maus modos. Don Shirley, pelo contrário, é um músico de formação clássica, culto, regrado, de fino trato. Os seus destinos cruzam-se quando Vallelonga responde a um anúncio de emprego, logo ele, tão racista, para ser motorista de Don Shirley.

   Os dois rumam aos estados do sul dos EUA,  de um preconceito inimaginável, em tournée, onde observamos situações que têm tanto de deplorável quanto de caricato. Plena inversão de papéis: motorista branco e patrão negro, que tamanha celeuma foi causando. Todos sabíamos do estigma racial dos anos 60 naquele país, mas, a confirmar-se que o que se vê no filme foi mesmo assim, o mais desconfiado torna-se solidário com Luther King. E este filme, quase providencialmente, surge numa altura em que tanto se fala de racismo em Portugal.

   Vallelonga é, ele mesmo, racista, e a maior lição que tiramos do filme é esta: o amizade regenera, faz-nos mudar, crescer. Afinal de contas, Vallelonga tinha, ele mesmo, complexos por ser filho de imigrantes italianos, e isso vê-se no decorrer do filme. Diz-se que o medo gera preconceito. Às vezes, a máscara do preconceito ajuda-nos a esconder as nossas fragilidades. A hipocrisia social também lá está: não aceitamos pôr a boca num copo em que negros beberam, mas oramos a Deus Nosso Senhor antes das refeições. Não permitimos que um negro use a nossa casa de banho, sacie a fome entre nós, mas queremos que nos dê música. Tudo terá sido pensado ao milímetro. Depois, entre um argumento de excepção, temos duas interpretações inenarráveis, e que justificam as nomeações nas categorias de melhor actor principal e melhor actor secundário na cerimónia dos Oscars deste ano, de Viggo Mortensen e Maershala Ali, respectivamente, que este último, ganhando, junta a estatueta à que já tem por Moonlight.



  Green Book também justifica bem a nomeação para melhor filme. É, efectivamente, uma longa muitíssimo bem idealizada, com uma narrativa coerente, organizada. Daquela amizade improvável, que tinha tudo para correr mal, aprendemos a confiar mais na natureza humana. E que não se pense que o filme é um drama carregado. Não. Vallelonga consegue ser quase um selvagem caricato. Da relação que se estabelece entre eles, que depressa passa de profissional para pessoal, ganham ambos: Vallelonga, em respeito, em tolerância, em rectidão moral; Don Shirley, por seu turno, passa a ter um amigo, um fiel amigo, apesar de tudo, numa sociedade que o aplaude e rejeita, inclusive pelos seus pares, que não se revêem num negro que veste fato e gravata. Shirley, que se sujeita a tudo porque acredita poder participar na construção de um país mais justo para a portentosa comunidade de afrodescendentes, mais não seja derrubando estigmas e mitos, entre frango frito no banco traseiro do carro alugado.

   Ficamos também a saber o que é o Green Book afinal, o livro verde, que de verde teria muito pouco; negro, a cor do carvão. A cor da vergonha, da vergonha que todos deveríamos sentir por ter permitido que tamanhos atentados à dignidade humana subsistissem por tanto tempo, e nos EUA, de forma ostensiva, até há meros quarenta anos. Na Europa, dificilmente acreditamos que aquilo que vemos em Green Book fosse possível.

   É, até agora, o meu favorito.

27 de janeiro de 2019

Mudanças.


   Quem passou pelo blogue no dia de hoje certamente terá reparado que lhe dei uma demão. Desde 2014 que mantinha o mesmo esquema, as mesmas cores, o mesmo tipo de letra, tudo inalterado. Deveu-se também à apatia que foi começando a dominar a blogosfera. Nos anos gloriosos, era mais vaidoso com a apresentação do blogue. Com o tempo, passei a centrar-me mais no que escrevia e menos na parte mais estética, digamos.

   A grande alteração que fiz, em quase onze anos, foi passar a ter a minha foto visível, e não recortada. Também isso tem uma explicação. Quando eu surgi na blogosfera, muita gente utilizava os blogues para desabafar: uns porque não eram aceites pelos pais, outros pelos amigos, outros porque eram vítimas de bullying na escola, enfim. O anonimato protegia-os, e eu, que não sabia muito bem como lidar com a novidade, mas que também preferia não me expor, fiz o mesmo, muito embora nunca tenha escrito nada que me comprometesse ou envergonhasse. Havia ainda os blogues cheios de relatos sexuais…

  Ora, os anos passaram-se. A maioria dos meus leitores e comentadores até já me conhece pessoalmente. O blogue é a minha casa. Tenho, até, prazer em que se saiba quem sou. É bom que a minha escrita, o que penso e vivo, tenha um rosto. Além disso, há muito que ando a reflectir sobre se deva ou não criar um vlogue. É uma ideia que há anos paira sobre mim. Não me decidi ainda por uma natural incapacidade em tomar decisões (ou adiá-las indefinidamente) e por um certo receio em expor-me em demasia. Um vídeo tem outro impacto. Somos vistos por milhares, senão milhões. Não sei se estaria preparado para tamanha exposição repentina, e o Youtube está cheio de adolescente ridículos. O meu canal, a existir, seria algo sério. Gravar palhaçadas e publicá-las não faz muito o meu género.

  Tudo isto para lhes dizer que sim, já me podem ver. E não é que gostei do novo rosto do blogue? Sendo algo simples, como o blogue sempre foi, até porque não levo muito jeito com os códigos e não-sei-mais-o-quê, ficou de cara lavada. Espero que também seja do seu agrado.

26 de janeiro de 2019

Vox Lux.


   Este filme, ou melhor, a visualização deste filme é acompanhada de uma pequena e curiosa introdução: não era suposto ter visto o Vox Lux. Equivoquei-me, expliquei-me mal na bilheteira e acabei por ter de suportar mais de cento e vinte minutos de puro terror, e não, não lhes falo do terror enquanto género cinematográfico; terror porque o filme é muito mau.

   Falhou tudo. Para começo de conversa, o argumento era fraquinho. Uma miúda, vítima de um trauma, que vira estrela no universo da música, com a ajuda da irmã e de um obstinado produtor. E daí? Nunca se vem a entender qual é o mote do filme. Vislumbro um: acompanharmos os anos difíceis dos EUA que coincidem com os do crescimento daquela miúda, interpretada, em adulta, por Natalie Portman, que até tem um desempenho razoável, embora todo o frenesim do figurino e das músicas baratas e de má qualidade, a lembrar à Sia, estrague o resultado final.

   Creio que pretenderam focar vários assuntos: a ascensão, os bastidores negros da vida de uma estrela, aqueles atentados nas escolas que, volta e meia, têm lugar lá nos states, mas depois não souberam conjugar as ideias de modo a que resultassem. O filme é profundamente fastidioso. É um exercício penoso assisti-lo, suportar aquelas duas horas. Os números musicais, como referi, são outro tormento. As interpretações ainda são o único ponto mais ou menos positivo, que também não há assim nenhuma arrebatadora. Portman, como referi, quis humanizar aquela cantora. Mostrar que, atrás de toda a purpurina e dos fatos espalhafatosos, há uma mulher real, que vive e sofre, meio perturbada, alienada, como queiram.  A actriz jogou todas as cartas que tinha.


25 de janeiro de 2019

Violência ou terrorismo?


   Não haverá, presumo eu, português que não tenha ficado com um semblante de estupefacção no rosto ao se dar conta dos acontecimentos dos últimos dias na Grande Lisboa. Habituámo-nos a conhecer o nosso país como um espaço plural, harmonioso, onde diversas raças e origens confluem pacificamente, meio que imunes aos ventos agrestes que nos sopram um pouco dos dois lados, da Europa e das Américas. Talvez devêssemos repensar a ideia que temos dele.

   Lisboa mergulhou numa onda de terror. Forcas de segurança e imigrantes envolveram-se em confrontos - a Avenida da Liberdade, há dias, parecia uma rua do Médio Oriente. De um lado, acusações de racismo e xenofobia; do outro, a certeza de que a PSP desenvolve um trabalho notável em bairros problemáticos, enfrentando grandes dificuldades e com os seus agentes correndo inúmeros riscos  - ontem mesmo soubemos de dois colhidos por um comboio, quando estavam no encalço de um suspeito.

   A polícia deve ser respeitada. Quando a sua actuação transcende as competências, temos o direito de resistir. A nossa experiência poderá ajudar-nos a entender o que por ali se passou. Falamos do Bairro da Jamaica. Para quem não sabe, e há gente boa e má em todo o lado, é um bairro conhecido por albergar delinquentes, zona ligada ao tráfico de droga e a outros delitos. Não falamos exactamente de pessoas ordeiras, honestas, inseridas naquilo que será uma vivência saudável em sociedade. Quando chamada ao local, presumo que os agentes sejam recebidos com desconfiança, com atitudes hostis. Nós sabemos como as coisas se passam nesses bairros, sabemos quem lá mora e conhecemos a sua índole. As acusações de racismo e excesso de força por parte da polícia não me merecem credibilidade alguma. Em todo o caso, o uso da força está justificado em determinadas situações. Repito, a polícia deve ser respeitada e deve fazer-se respeitar.

  Custa-me que uns e outros, sobretudo à esquerda, ponham em causa a integridade ética das nossas forças de segurança, contribuindo para o desrespeito e desautorização dos nossos agentes e para a descredibilização das nossas instituições. Li declarações, de gente ligada ao Bloco de Esquerda, que me deixaram indignado. De uma leviandade inadmissível em quem tem responsabilidades políticas. O que seria das nossas ruas e das nossas cidades se não houvesse agentes a patrulhá-las com afinco, conscientes do papel que desempenham. Incitar ao desrespeito pela PSP é uma conduta merecedora da mais veemente reprovação, e aqui exigia-se mais, nomeadamente do Presidente da República, que, entre telefonemas para programas de televisão e viagens com camionistas, poderia mostrar mais alguma firmeza, afinal, ele é o garante do Estado de Direito Democrático, segundo a Constituição, e estes incidentes são claramente actos que o põem em causa, bem como à nossa segurança e tranquilidade. Não senti que a classe política lhes tenha dado a atenção devida, que o assunto é sério e da maior gravidade. Arriscamo-nos a ter uma conturbada Paris, multiétnica, qual barril de pólvora, aqui mesmo, na capital.

  Quando a bandeira do multiculturalismo só é hasteada na Europa - dizem que há cem mil portugueses em Angola, mas, à data de hoje, não parece que tenhamos provocado distúrbios lá - não nos admiremos que partidos mais conservadores aumentem a representatividade no parlamento. Portugal não tem uma verdadeira direita que defenda o país e os nossos interesses. É preciso que o digamos: Portugal é dos portugueses, e a estas pessoas, que não se acostumam com os nossos modos, resta sair. Não acredito que tenhamos falhado na sua inclusão, porque elas mesmas se excluem, reunindo-se em nichos, segregando-se e segregando-nos, que em grande parte das vezes nos tratam com imenso desdém - a esquerda reaccionária dirá que é a outra face da moeda, sendo certo que lutaram pela independência, e conseguiram-na, não se percebendo o porquê de não contribuírem mais para o bem-estar dos seus. Que o façam logo, que estamos perante o gérmen de algo que só terá tendência a se avolumar, para mal dos nossos pecados, que muitos de nós não os cometeram: nunca pisei em África.

22 de janeiro de 2019

Cultural Sunday (take 25).


   Este domingo, reservei-o a todo para uma das visitas mais aguardadas. Qual? O Oceanário de Lisboa. Por incrível que pareça, provavelmente eu seria um dos poucos portugueses que não conheciam o Oceanário, que perfez, no final do ano passado, o seu vigésimo aniversário. Foi construído no âmbito da Exposição Mundial de 1998, vulgo Expo 98, a que também não fui. Enfim. « Em casa de ferreiro, espeto de pau. »

  O Oceanário, o melhor do mundo, eleito por especialistas, constitui uma das visitas que mais nervoso me deixaram. Receei as filas para comprar bilhetes, a afluência, o defraudar de algumas expectativas. Diz-se que, quando elas são elevadas, facilmente nos desiludimos. A mim, não desiludiu nada, bem antes pelo contrário. O Oceanário é um encanto. Tem muita gente, sim, o que também não seria novidade. Não perdi dois minutos na fila, porque fui logo de manhãzinha, quando abriu, para evitar esse incómodo.

O tubarão-touro, o exemplar mais antigo no Oceanário, presente desde a abertura, em 1998

   É um recinto maravilhoso. Não imagino os metros cúbicos de água que o aquário central comportará. Começando pelo início, passo a redundância deliberada, têm duas exposições à escolha: a temporária e a permanente, sendo que a temporária é opcional. Eu decidi-me por ambas. A temporária fica no primeiro piso. Estava subordinada ao tema Florestas Submersas, inspirada num fotógrafo japonês, Takashi Amano, que introduziu um conceito novo na decoração de aquários: técnicas de jardinagem japonesas e o conceito wabi-sabi - uma abordagem estética também ela nipónica, ou seja, recriar-se o que seriam florestas tropicais em aquários. No piso, além do belíssimo aquário, que envolve todo o espaço, somos alertados para as ameaças que o abate de árvores representa nos ecossistemas, marinhos e não só. Terão, também, à disposição headphones que lhes permitirão ouvir os sons dos animais das florestas tropicais, incluindo anfíbios e aves.

Exemplares da exposição temporária "Florestas Submersas"

   Claro que o meu sentido estava na exposição permanente, nos animais que iria ver e que nunca antes havia visto. Sim, sim, os tubarões, as raias, o peixe-lua, os caranguejos e o polvo gigantes, as medusas, por aí fora.

As medusas, um animal cujo corpo é 90 % composto de água

   O aquário central, sendo um, está dividido retratando os vários oceanos da Terra. Em dois pisos, temos uma visão desafogada sobre o que será a vida num oceano… e é tão mágico. Não se pense, contudo, que só de profundezas vive o Oceanário. Entre peixes, crustáceos e moluscos também há lugar para aves marinhas, os pinguins, e mamíferos marinhos, as lontras marinhas, que pude ver serem alimentadas. Foi um momento lindo. As lontras, como todos os mamíferos, interagem entre si. Poderão encontrá-las, bem assim como a outras aves, no piso superior.

Um dos vários pinguins

   Os aquários mais pequenos também nos mostram os imponentes corais, que são vida, vida marinha, embora raramente nos lembremos disso, entre outras espécies, algumas bastante exóticas, que nos mostram o quão colorida e criativa pode ser a Natureza. Frequentemente nos esquecemos das belezas que os nossos mares encerram.

Os corais, magníficos, entre outras espécies

   Por mais fotos que lhes deixasse, nada substitui uma visita ao Oceanário. Estive 6 horas lá dentro. Passou, inclusive. O final da manhã e toda a tarde. Dificilmente conseguirão ver todos os aquários com calma, porque se formam sempre aglomerados em seu torno, daí que, no meu entender, o Oceanário merece que o visitemos pelo menos duas vezes. A primeira deixa-nos deslumbrados; a segunda, que ainda irei fazer, lá mais para o meio do ano, permitirá atentar em pormenores que nos escaparam na primeira. De preferência a um dia da semana, porque ao fim de semana não é fácil, e de manhã, logo à abertura.

   Além de algumas fotos - já sabem que poderão acompanhar tudo através das minhas redes sociais - que foram mais de 200 - sim, mais de 200 - deixo-lhes, num inédito, um vídeo. Espero que seja do seu agrado.




Todas as fotos e o vídeo foram captados, sem flash, pelo meu iPhone. Uso sob permissão.

20 de janeiro de 2019

Maria, Rainha dos Escoceses


   Ontem, depois do exame - sim, ainda não me vi livre de Direito Fiscal -, fui ao cinema. A minha ideia inicial era a de ver outro filme, contudo o tempo fez-se curto, e ainda tive de jantar, pelo que escolhi este Maria, Rainha dos Escoceses, cujo foco incide num período da história que muito me fascina,  ali o século XVI inglês. Tinha, também, imensa curiosidade para ver como Saoirse Ronan se saía, de quem sou fã desde Lady Bird.

   Contextualizando-o um pouco, a acção do filme tem lugar na Escócia e em Inglaterra, à época reinos distintos. Na Escócia, reinava Maria Stuart e, em Inglaterra, Isabel I, a última dos Tudor a sentar-se no trono inglês. Maria e Isabel eram primas, mas separava-as algo mais do que os seus reinos: a religião. Enquanto que a primeira era fiel a Roma, Isabel, como se sabe, restaurou o protestantismo, após breve interregno na reforma que vinha de trás, de Henrique VIII, protagonizada pela sua irmã e antecessora, Maria I. O filme, como se deduz, trata todas aquelas intrigas palacianas. Sem casamento e sem um herdeiro, Isabel temia que a prima lhe usurpasse o trono - o mesmo medo que tinha dos homens, levando-a a nunca se casar. Maria, talvez por ser católica e por não ter sido bem-aventurada no(s) casamento(s), que foram três, ao todo, reuniu muitos inimigos em seu torno. Isto é história. Foi deposta, já após ter sido mãe, e procurou asilo político na Inglaterra de Isabel, que lho deu por anos, até se provar (ter-se-á provado?) uma conspiração de Maria, que a levaria ao cadafalso.

   Gostei, modo geral, das interpretações. Imenso da fotografia e da caracterização. Ronan, como se esperava, sublime. Lamento não poder dizer o mesmo de Margot Robbie, que aqui é Isabel I. Não sei se por falha da actriz ou se pelo facto de qualquer tentativa de recriação de Isabel nos levar a compará-la com a magnânima Isabel de Cate Blanchett, não me convenceu. Faltou algo àquela Isabel I para ser totalmente credível. Não senti garra. A interpretação foi demasiado morna para uma personagem histórica daquela envergadura.


    Surpreendentemente, ou não, - para mim foi -, temos cenas íntimas bastante fortes no filme, e algumas de natureza gay. A surpresa não vem das cenas, e nem do serem gays, que já havia destas coisas naquele tempo; a surpresa vem da compreensão de Maria Stuart quando apanha o marido, Lord Darnley, na cama com o seu cortesão italiano, David Rizzio. Bom, bom, bom, quando vemos o actor que faz de Darnley, Jack Lowden, percebemos por que motivo o italiano não lhe resistiu, e vice-versa, que, a julgar pelo que vemos no filme, o rei-consorte também apreciava bem os dotes musicais, e não só, do músico… De salientar a descontracção com que Maria, católica, no século XVI, encarava aquilo a que, a determinado momento, chama de natureza.

   Com a morte de Maria, o trono da Escócia passa por regentes, e é o seu filho único, Jaime, que lhe sucede, como Jaime VI na sua terra-natal e como Jaime I em Inglaterra, que Isabel nunca deixou descendência. Todavia, ambos os reinos manter-se-iam distintos, partilhando apenas o mesmo monarca, quando o Acto de União, em 1707, já no reinado de Ana, os uniu por fim no novo Reino da Grã-Bretanha e Irlanda.

   Aconselho-o vivamente.

18 de janeiro de 2019

Uma Noite de Natal (concerto de Gisela João).


   À data, não lhes falei de um concerto a que fui, no dia 21 de Dezembro, no CCB. Foi o segundo dos meus concertos de Natal, sendo o primeiro na Aula Magna, e desse falei-lhes aqui. Temi, de certo modo, voltar a falar do Natal, e em Janeiro, porque é um tema meio extemporâneo, mas, tratando-se do meu primeiro concerto no CCB e de alguma desilusão, porque não fazê-lo?

  Eu adoro o Natal, já se sabe, e queria realmente entranhar-me no espírito da época. Pesquisei por concertos de Natal e soube deste, da Gisela João; melhor dizendo, de uma verdadeira residência, porque ela esteve três dias por lá.


   Foi um dia giro. Estive no meu pai e na minha avó. Depois, fui a Belém, passeei, tirei fotos, comprei um livro do Kafka, até que chegou a hora do concerto. Desde logo, e uma vez que comprara os bilhetes pela internet, escolhi mal o lugar. Fiquei numa lateral, com péssima visibilidade. Muito desconfortável. O bilhete não deixou de custar quase duas notas de dez. Não foi tão barato assim - não era dos mais baratos, nem de longe - para tamanho desconforto. Bom, mas isto é como tudo: queria melhor, comprava os mais caros. Todavia, não se justifica colocarem uns assentos daqueles. Eram cadeiras. O espaço dava para quatro delas. Fiquei espremido, literalmente, a um canto. Mal nos conseguíamos mexer, esticar as pernas, respirar!


   Em relação ao concerto em si: não gostei. Nunca tinha ouvido a Gisela João ao vivo. Ouvi-a um pouco na televisão, já interpretando as canções que levaria ao centro, e gostei bastante, a ponto de me decidir a ir. Ao vivo, é tudo diferente. Não gostei sequer da setlist. Esperava umas músicas mais animadas, com mais brilho. O palco tinha uma decoração escura, as canções escolhidas eram deprimentes - há outro cançonetismo americano, de Natal, com mais interesse - e ela realmente fala demasiado. Quer ser tão próxima das pessoas que se torna mais informal do que se pretendia. O público comprou os seus bilhetes. Queria música, e boa, e não tagarelice. Além de que não senti esmero, brilho, dedicação, na sua prestação. Esteve ali, cantou umas coisas. Tão-pouco tem voz para aquilo. Uma desilusão.

   Valeu pelo passeio e pelo livro. E ainda reencontrei uma professora minha, da faculdade, na livraria Bertrand do CCB.

17 de janeiro de 2019

Love is Strange.


   A Cinemateca tem, actualmente, um ciclo em exibição, 70 Anos de Cinemateca, com alguns filmes muito bons. O que lhes trago hoje, Love is Strange, de 2014, é um deles.

   Este Love is Strange é um drama familiar, protagonizado por dois homens de meia-idade que, ao fim de quarenta anos de relacionamento, se decidem casar, numa cerimónia íntima, com poucos, mas bons familiares. Todavia, como se não bastasse a dificuldade que ainda representa para muitos ser-se gay, na terceira idade pode ser atribulado. George e Ben sabem-no bem.

   Após um contratempo, ambos têm de se hospedar em casa de familiares, e tudo muda. Assistimos a essa degradação dos laços. Como Ben diz, a determinado momento, às vezes ficamos a conhecer as pessoas mais do que queríamos.



   É um drama do nosso tempo, das nossas cidades. Foca problemas reais, e quotidianos, como a especulação imobiliária, o preconceito, o peso excessivo do Estado na vida dos cidadãos, sobretudo devido à carga fiscal elevadíssima, a precariedade e a situação de desamparo em que se pode ficar numa idade particularmente sensível. E também de amor, de companheirismo, de solidão, de entreajuda, mesmo na doença, que, quando é, é para sempre.

   Foi interessante ter este lado, esta versão do ser-se gay numa grande metrópole como NY. Mas não enquanto jovem sadio, musculado, atlético; ver a mesma realidade em homens reais, avançados na idade. Nem sempre a indústria cinematográfica sente apelo para falar destas pessoas. Uma estória simples sobre dilemas concretos, que todos conhecemos.

  Gostei imenso do desempenho dos actores, quer dos principais, John Lithgow e Alfred Molina, quer dos coadjuvantes, inclusive do que encarna o jovem Choey - que, ali pelo meio, dá azo a algumas desconfianças, dada uma certa amizade que tem por um enigmático jovem, mas que não se vêm a verificar. De certo modo, é o típico adolescente, que até sabe morrer de remorsos quando é caso para tal.

   Está mais do que aconselhado.

15 de janeiro de 2019

Cultural Sunday (take 24).


   Dia de sol radioso. Embora tenhamos sido alvo de tantas ameaças, o dia não foi tão frio assim como vaticinavam. De todo o modo, nada me afastaria do meu plano inicial. E qual era? Pilar 7, pela manhã, e Castelo de São Jorge, à tarde, seguido da Sé de Lisboa, tendo tempo.

   O Pilar 7, como é designado, fica na Avenida da Índia, e está bem sinalizado. É um dos pilares da Ponte 25 de Abril. Não sendo gratuito, justifica bem o que pedem. Além de miradouro em si, de 2017, terão ainda uma pequena exposição, com maquete, sobre a história da ponte, e uma vasta informação - dados sobre a sua construção - que está literalmente escrita no betão, seja pelo chão ou pelas paredes. Por mais uns euros, terão acesso a um espaço de realidade virtual, onde podemos observar a ponte com óculos tridimensionais.



    A vista é assombrosa, mas desaconselhada aos que sofrem de vertigens. Eu, que não posso dizer que amo alturas, mas que também não sofro propriamente de vertigens, vi-me com algumas dificuldades. Depois da dita exposição permanente sobre a ponte, somos convidados a entrar numa pequena sala onde projectam um vídeo nas paredes de betão, em homenagem aos trabalhadores da ponte. De seguida, subimos num pequeno elevador, numa ampla divisão escurecida e já a ouvir o som do tráfego. Aí, há dois pequenos miradouros, chamemos-lhes assim, onde podemos observar os cabos metálicos da imponente construção de 1966.
   Todavia, é o elevador final, todo em vidro, que nos atrai até lá e que nos perturba o sentido da visão. Já lá em cima, a 80 metros de altitude, ao nível do tabuleiro da ponte, podemos, num pequeno miradouro todo em vidro, incluindo na base, desfrutar de uma vista única sobre a zona ocidental da cidade e o Tejo.



   Aviso já que os primeiros 5 minutos são complicados, até que nos acostumemos àquelas alturas. Depois, custa vir embora.


   A próxima visita também foi bastante bem planeada. Já não ia ao Castelo de São Jorge há uns anos. Há muitos anos, a ponto de não me recordar de praticamente nada. Estive, por lá, salvo erro em 2017, mas apenas no átrio de entrada, para uma noite de fados.

Uma das torres

   É encantador, e tem tanto para ver. Importa dizer, em início de conversa, que o castelo primitivo já não existe. Existirá, quando muito, as pedras da base, que o restante foi sendo construído e destruído ao longo dos séculos. Há, em toda aquela cidadela medieval, ainda um núcleo arqueológico do tempo dos árabes. Tudo o que conhecemos lhe é posterior. Com a conquista de Lisboa por Afonso Henriques, em 1147, o castelo passou a ser o local que acolhia a corte. Tornou-se um espaço de cortesãos, com o rei, os clérigos, e inclusive o arquivo real, que durante muito tempo esteve ali instalado. A construção do palácio, do qual hoje também só há ruínas, muito se deveu aos antigos espaços habitacionais islâmicos, daí que tenha resistido tão pouco até aos nossos dias. A pedra das casas islâmicas foi usada no palácio. No século XVI, com a construção do Paço da Ribeira, no Terreiro do Paço, pertinho da Casa da Índia, o vetusto castelo perdeu o posto de paço real, assumindo uma função puramente militar, que manteria até ao século XIX.



   Lisboa foi fustigada por três grandes terramotos, embora a memória colectiva só se lembre com frequência do último, de enormíssima magnitude, o de 1755. Houve outros dois, um no século XIV e outro no século XVI, que ajudaram, e em muito, à destruição quase integral do castelo. O que vemos actualmente nem cem anos tem. Data de uma reabilitação de finais dos anos 30, inícios de 40, com o Professor Salazar, no seu espírito nacionalista e patriótico. A descoberta do núcleo arqueológico, nos finais do século passado, ajudou a devolver aquele espaço ao usufruto dos cidadãos. Hoje, está aberto a todos, com um preço simbólico para o que se vê, e acreditem: terão muito para ver. Além do castelo propriamente dito, com as muralhas, as torres (onde poderão subir), têm o núcleo arqueológico, uma sala interactiva (giríssima!), um museu e, claro, uma vista belíssima sobre Lisboa.

O núcleo arqueológico

   Ah, já me esquecia: há visitas guiadas ao castelo, incluídas no preço do bilhete, às 13h e às 16h. O núcleo arqueológico pode ser visto de perto numa visita guiada. A sala interactiva também é guiada. Todas as visitas a que fui, três, foram em inglês. Dependendo dos horários, disponibilizam-nas em português e em castelhano.


   Cinco horas, das 13h às 18h, à hora em que o castelo fecha as suas portas. Posso, garantidamente, afirmar que calcorreei tudo, como gosto. Não ficou nada por ver, e com a devida calma.

Sem palavras

   À saída, preferi descer pelo meu pé, pois ainda queria entrar na Sé de Lisboa. Encantadora, claro, embora também ela nos seja contemporânea, que foi sendo reconstruída. A última reabilitação deu-se já no século passado.




   Um dia cheio, que começou às 9h da manhã, quando saí de casa, e que terminou já passava das 21h, quando cheguei. Sinto-me tão bem com estas visitas, mas tão bem, que nem dou pelo cansaço. Ele não existe sequer.

   Neste fim-de-semana, já sei onde irei, claro está. Até lá então!

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.

11 de janeiro de 2019

Escape Room & Moartea Domnului Lazarescu.


   Na terça-feira, tive a minha primeiríssima antestreia. Quando vou ao cinema, compro e pago os meus bilhetes. Esta antestreia, contudo, a par de ser a primeira, foi especialmente importante: levou-me a não gastar dinheiro, porque, uma vez que adoro terror, provavelmente iria ver o Escape Room de qualquer jeito.




   Escape Room conta-nos a estória de um grupo de pessoas em que cada uma, nas suas vidas, sobreviveu a um evento catastrófico qualquer. Receberam misteriosamente um artefacto, um cubo, com um convite para participar num jogo, que se revelaria fatal. Este conceito das escape rooms parece existir efectivamente, tendo levado a que alguns países adoptassem medidas para minorar os seus efeitos. 
   O filme não tem grande interesse. O único sentimento possível de suscitar é alguma inquietação, porque, de resto, já sabemos que quase todos irão morrer naquele jogo sádico.
    Tão-pouco valeu pelo brinde que me deram.


    Bem mais interessante foi o filme de ontem, Moartea Domnului Lazarescus, na Cinemateca. Uma longa de 2005, aclamada mundialmente, e que foi, aliás, a candidata da Roménia aos Oscars do ano seguinte, 2006. E do que trata esta estória? De um homem, que nem é assim tão velho, um sexagenário, que vive sozinho, num prédio de Bucareste, com os seus gatos. A filha está emigrada no Canadá. A mulher morreu há dez anos. Os vizinhos não gostam de animais. Em algumas das cenas iniciais, vemos como a vida prossegue, indiferente às necessidades dos outros. É particularmente notório quando Lazarescu se dirige à casa dos vizinhos da frente, para que lhe possam dar um determinado medicamento. 

    É uma tragicomédia sobre o desinteresse que a saúde de um velho homem, desgastado pelos vícios, tem entre os seus pares e a própria comunidade local, no caso os serviços que prestam cuidados de saúde em Bucareste. Falam-nos de incúria, negligência, burocracia,  insensibilidade, arrogância e vaidades. Lazarescu representa cada vez mais pessoas de meia-idade das nossas cidades.




   Importa ressaltar que é um filme-documentário, passado em ambiente hospitalar. A narrativa centra-se naquele homem, que à medida em que a madrugada avança nas horas vai perdendo os sentidos, vai morrendo, a bem dizer, vítima da incompetência e do descaso. É curioso salientar alguns pormenores que demonstram o cunho que o realizador que imprimir à narrativa. A determinado momento, um médico diz a Lazarescu: "Levanta-te e anda!" Repare-se no nome da personagem, Lazarescu, Lázaro, em Português, e na analogia com a Ressurreição Bíblica de Lázaro. Também um dos seus outros nomes - que o nome completo é repetido exaustivamente durante o filme, nos processos de triagem em cada hospital - é Dante, o que nos reporta à Divina Comédia, como se, aqui, pretendessem que nós tivéssemos a noção dos sofrimentos daquele homem, que acabara de descer aos infernos da precaridade dos cuidados de saúde na Roménia, quadro só mitigado pela aparente preocupação (caridade?) de uma paramédica, ou enfermeira, que o acompanhava desde que havia sido solicitada uma ambulância. Acredito que o filme, pelo impacto que teve, tenha causado bastante desconforto no governo romeno. Falta-me salientar isto: a imagem com que ficamos da Roménia, e sobretudo dos seus profissionais de saúde, não é, de longe, a melhor.

   Moartea Domnului Lazarescus é um filme muito prosaísta, cru. Assistimos, literalmente, ao lento definhar de um homem, numa noite chuvosa e fria. A cena final é subtilmente desconcertante: prepara-se um doente para uma cirurgia, quando, na verdade, aqueles procedimentos mais se assemelham a práticas de tanatopraxia.

8 de janeiro de 2019

Cultural Sunday (take 23).


   Não, o título não é uma miragem. Voltei aos meus fins de semana culturais, e em grande, com um dia que começou às 8h da manhã e terminou às 20h. Como repararão, o título da publicação segue a contagem dos sábados / domingos culturais, interrompidos - não terminados - em Junho. Isto porque não houve um corte verdadeiramente, e sim uma mera interrupção por motivos que expliquei recentemente, salvo erro na revista a 2018.

   Farei tal e qual costumava fazer, enumerando os sítios que visitei e, de seguida, falando um pouco sobre cada um deles, e mais o que considerar pertinente. Estive, por esta ordem, na Fragata Dom Fernando II e Glória, no Santuário do Cristo-Rei e, tal como há um ano, precisamente no dia 7 de Janeiro, no Museu da Marinha, para visitar o seu estaleiro, que não vi da primeira vez em que lá estive, neste mesmo dia, neste mesmo mês do ano passado. Hoje, segunda, fui ao Museu do Ar, na cidade de Alverca.

   Como comecei por lhes dizer, o dia começou cedinho, com uma neblina espessa. O frio não me demove, como imaginam. Quando me decido a algo, não cedo.



   Quer a fragata, quer o Cristo-Rei estão na outra banda, do lado de lá do Tejo, em Cacilhas, concelho de Almada, distrito de Setúbal. O trajecto, para quem vem de Lisboa, não engana: o cacilheiro no Cais do Sodré. Um percurso ínfimo, de dez minutos. Pouco se podia ver, pelo nevoeiro e pelo estado dos vidros da embarcação.

   Chegado lá, a fragata encontra-se a uns meros 100 metros da estação fluvial, ou menos. É uma fragata bonita, totalmente recuperada e aberta ao público aquando da exposição universal de Lisboa, de 1998, vulgarmente conhecida por Expo 98. A sua construção data de meados do século XIX, o que justifica o seu nome, em honra do casal real, Dona Maria da Glória, a II de seu nome, e Dom Fernando II. O trabalho de recuperação foi meritório, como observarão. A fragata foi totalmente destruída por um incêndio, em 1963, tendo ficado fundeada no Tejo. Um grupo beneficente apoiou a reabilitação da antiga embarcação, que agora pode ser apreciada.



   Gostei bastante da fragata. Vamos pelo seu interior, pelo convés, que tem interesse, pelos conveses de bateria, pelos aposentos da tripulação e dos passageiros... Vale a pena. É uma das mais antigas do mundo, do seu género.



   A segunda visita foi aquela de que mais gostei, e gostei realmente muito. Não conhecia o Santuário do Cristo-Rei, e tem tanto interesse. É realmente enorme, um dos monumentos mais altos de Portugal. Tem mais de 100 metros, e a paz, não fosse tanto turista, seria total, aqui tão perto de Lisboa. Subi ao seu terraço. A vista é deslumbrante, equiparável, quanto a mim, àquela que podemos desfrutar desde o alto do Padrão dos Descobrimentos. Não é preciso ir-se ao terraço do Cristo-Rei, contudo - porque se paga; cá em baixo, já no recinto do monumento, também se pode usufruir da vista esplêndida sobre a Ponte Salazar - não resisti à provocação - e Lisboa, lá ao longe, parecendo uma maquete.

A Capela, no interior do monumento e subindo o elevador que dá acesso ao terraço

O Cristo, visto desde o terraço, já no topo



   Em certa medida, custa-me que as pessoas para lá se desloquem apenas pelas fotos. Estão num santuário. Convinha que meditassem um pouco, orassem, se aproximassem mais de Deus. Aquilo é meio uma arena de fotos, o que me incomoda. Eu também as tiro, mas tive os meus momentos na capela superior, já quando se sobe o elevador, lá ao alto. Um pormenor: comprei uma Bíblia Católica, que a que tinha era uma edição comum, e uma imagem linda do Sagrado Coração de Jesus. Um pouco caro, mas valeu muitíssimo a pena. Cá em baixo, e sem nada a pagar, também têm uma pequena capela, onde, inclusive, podem escrever uns pequenos desejos e depositá-los numa urna de vidro.




   Da parte da tarde, já depois de um breve almoço no Chiado, fui, pela segunda vez, ao Museu da Marinha. Revisitei-o pelo estaleiro, que não conhecia e do qual só tive conhecimento há uns meses. É maravilhoso. Figura, ex aequo com o Cristo-Rei, e não querendo ser injusto com a fragata e com o Museu do Ar, entre as minhas visitas favoritas do dia. Houve duas embarcações que me encheram a vista: uma galeota de Dom João V e um bergantim real de Dona Maria I, que reproduzirei seguidamente. Também têm uma réplica, presumo eu, da aeronave que transportou Gago Coutinho e Sacadura Cabral na primeira travessia aérea do Atlântico sul, em 1922, pelo centenário da independência do Brasil, ligando, pelos ares, Lisboa e o Rio de Janeiro. Entre mais, claro, muito mais. Deu tempo ainda de revisitar o museu, bem en passant, que o que me levava lá era o estaleiro, e já cheguei pouco mais de uma hora e meia antes do encerramento. 

Bergantim Real (1778)

Galeota (1728)


   Hoje, segunda, decidi ir ao Museu do Ar, em Alverca, também um local que andava há algum tempo a querer visitar. Não é deslumbrante, longe disso, mas tem o seu interesse. Aviões, motores, hélices... Já se sabe. Encontrarão também miniaturas de aviões de combate, artefactos vários ligados à aeronáutica, alguns quadros e fotos, insígnias. Não sei se valerá a pena a deslocação propositada, mas, passando-se pela cidade, e sendo uma segunda-feira, é de visitar.




    Foi tudo, e não pouco, por este final de semana. Como de costume, já sei onde irei no próximo domingo. Até lhes direi mais: onde irei durante todo o mês, aos domingos. Curiosos? A seu tempo, tudo saberão. 

Todas as fotos foram captadas com o meu iPhone. Uso sob permissão.

5 de janeiro de 2019

Precisaremos de um novo Salazar?


   Eu considero normal que se discutam estes assuntos. E louvo a TVI por isso. O problema do nosso país é que ainda não ultrapassámos o complexo de esquerda, que nos persegue há mais de quarenta anos. Podemos ponderar se levar um indivíduo à televisão como Mário Machado será adequado. À partida, um sujeito que cumpre a pena que foi submetido salda a sua dívida com a sociedade. Se lá estava, presume-se que já não tem contas a ajustar com o povo e o estado portugueses. Nesse sentido, não há nada que o impeça de expor as suas opiniões através de qualquer meio de comunicação. Só acredita nelas quem quer. Só as perfilha quem quer. Vivemos num país livre, e é engraçado que é em nome da liberdade que se quer censurar uma pessoa. Ponto número um.

  Salazar foi um monstro, um tirano? Salazar foi um homem do seu tempo. Não o culpemos pelo atraso de Portugal, que lhe é mui anterior. Salazar não era um democrata. Não era. Era um patriota, um nacionalista. Era um homem que, entre inúmeros defeitos, como todos, qualidades também as tinha. É inegável que defendia os nossos interesses como nenhum outro o fez pela história. Livrou-nos dos horrores da II Guerra Mundial, e não nos poupou da Guerra Colonial, como muitos dizem, porque considerava aqueles territórios como nossos. Podemos também ponderar se houve culpas do regime no processo. Sim, de certo modo. A solução não era militar, e sim política. Em todo o caso, o conflito não foi desencadeado por nós, e a guerra estava ganha em Angola e em Moçambique.
  Economicamente, conhecemos um superávide, único na nossa história recente, durante o Estado Novo. Terá sido tudo mau durante aqueles quarenta anos tão ressentidos? Não. Indiscutivelmente que não. Como Caetano profetizou, com a perda das províncias ultramarinas deixámos de ter qualquer voz na comunidade internacional, passando a depender de outros países para tudo. Razão ninguém lha pode negar. Assistimo-lo diariamente. As crises vão e vêm. Portugal dificilmente sairá do marasmo, e porquê? Porque é um país ínfimo, que subsistiu às marés da História pelo Atlântico e graças ao Atlântico. Perder o oceano implicou anularmo-nos. A nossa vocação é universal. Não fomos talhados para viver neste pequeno rectângulo do ocidente europeu, não. A nossa alma extravasa as nossas fronteiras. Sempre foi assim. Ponto número dois.

   Precisaremos de um novo Salazar? Em patriotismo, em coragem, em ponderação, em determinação, não tenho muitas dúvidas quanto à resposta. Não se falava de direitos humanos quando Salazar chegou ao poder. Menos ainda de estado social. Salazar nasceu num Portugal já convulso, cresceu no fim de um regime e no início de outro. Viveu os tempos da I República. Nós somos - venho-o dizendo de sempre - o produto das nossas circunstâncias. 
   Não precisamos de um Salazar. Precisamos, isso sim, de alguém que reúna o melhor de Salazar no contexto em que vivemos, de democracia, com todas as liberdades que conhecemos e das quais, evidentemente, não estamos dispostos a abdicar. Eu vivo da palavra, da palavra escrita, sobretudo, e prezo-a muito.

The House That Jack Built.


   No Nimas, pude ver, ontem, o filme mais horripilante a que alguma vez assisti. E a escolha do adjectivo é deliberada. Não é um filme verdadeiramente assustador. O que assusta, sim, direi mais, não é aquele psicopata, interpretado com maestria por Matt Dillon, mas a mente que estará detrás de um argumento tão doentio, tão monstruoso. Falo-lhes de Lars von Trier, que já tem alguns filmes no rol de estórias polémicas, tanto quanto ele.

   Eu junto-me ao coro de pessoas que vomitaram na sala de cinema. Em sentido figurado, claro. A violência gráfica é tremenda, explícita. Não houve qualquer intenção de nos poupar aos horrores daquela mortandade lúdica, própria de um serial-killer. Como fui avisado, e bem, para ter cuidado com os spoilers, não poderei aventar mui mais. Posso dizer-lhes que há lugar, também, ao mundo sobrenatural, que não controlamos e que nunca chegamos a saber se é imaginado, quando Jack, o terrível assassino em série, dialoga com uma entidade que, no meu caso, pelo menos, julgamos ser um psicanalista ou psiquiatra. Percebemos, sobretudo no final, que talvez não seja bem assim. O diálogo que se estabelece entre ambos envolve conversas de teor filosófico-artístico, como se Verge, o velho homem, procurasse compreender as motivações de Jack.



  Preparem-se para cenas de uma enorme violência, como referi. Quiseram fazer com que entrássemos no modus operandi de um sujeito completamente amoral, perturbado, padecendo de TOC. Matt Dillon foi incrível, estrondoso mesmo, como verão, porque o papel lhe assentou como uma luva. A caracterização está excelente. Depois, claro, há toda a arte do actor em si, que incorpora impecavelmente aquele sujeito, verdadeira encarnação do mal, tal a ausência de remorsos e de empatia com os outros.

   O curioso é que Lars von Trier, talvez brincando com a percepção que terceiros, incluindo Cannes, têm de si, junta o Hit the road Jack, do Ray Charles, aos créditos finais, quando estamos completamente extenuados, sem reacção, pela experiência macabra. Até na fotografia se pressente essa vontade de elevar tudo aquilo - na falta de melhor palavra - à arte.

  The House That Jack Built é uma ode ao pior da natureza humana, aos assomos mais sádicos e cruéis, sem subterfúgios, sem suavizações, sem piedade.

2 de janeiro de 2019

A tomada de posse de Bolsonaro.


  Ontem, dia 1, Jair Bolsonaro tomou posse como chefe de estado da nação amiga e irmã brasileira. Portugal fez-se representar ao mais alto nível, através do nosso presidente, o que demonstra a importância que atribuímos às relações bilaterais entre os dois estados. O Brasil não é um país qualquer. Pertence, como Marcelo Rebelo de Sousa afirmou, ao grupo selecto de amigos e parceiros de Portugal. Não negarei todo o paternalismo. A Portugal é importante ver um Brasil forte e pujante, ainda que as relações comerciais entre ambos os países sejam residuais. É algo sentimental, efectivamente. Um Brasil próspero conforta-nos o ego, como o pai que gosta de ver o seu filho bem e saudável.

   Em primeiro lugar, e eu acompanhei toda a cerimónia, gostei do aparato, da sumptuosidade. Investir-se alguém na mais alta magistratura da nação não é um acto qualquer. Merece toda a pompa. Creio que o Brasil tem sobejos motivos para comemorar esta viragem, este abandono do socialismo, nas palavras de Bolsonaro, que tantos prejuízos acarretou. E indo aos discursos do já presidente em exercício, há a salientar a coerência: Bolsonaro disse, já presidente, o que veio dizendo ao longo da campanha que o elegeu: mais segurança, luta contra a ideologia de género, luta contra a criminalidade, medidas para enfrentar a crise económica, luta contra o desemprego (que atinge 13 milhões de brasileiros), liberalização do porte de armas e defesa da família tradicional. É um momento de viragem, que se reflecte na percentagem (porcentagem, no Brasil) de brasileiros que estão, agora, confiantes no futuro, e são mais de sessenta por cento.

   Só no ano passado morreram mais de 60 mil pessoas, no Brasil, vítimas da criminalidade violenta. Na lista das cidades mais perigosas do mundo, metade são brasileiras. Divirjo de Bolsonaro quando defende que facilitar o porte de armas ajudaria a diminuir os índices alarmantes da criminalidade no Brasil. Eu creio que não. Poderá ser mera manobra de maquilhagem, e poderá, no limite, levar a que um criminoso pense duas vezes antes de atacar alguém; poderá, psicologicamente, confortar os que sabem que o Estado não se faz sentir nos seus bairros, mas a origem do problema é bem mais profunda: a desigualdade social e a quebra nos valores. O Brasil precisa, e nisso também Bolsonaro se comprometeu, de lutar contra a evasão fiscal e a corrupção, apostando, ainda, em medidas exequíveis, e que se cumpram, de justiça social. Não há paz social onde há tamanhas desigualdades. Urge, igualmente, valorizar quem defende os cidadãos, a polícia, frente aos criminosos, que gozaram, nos tempos de Lula e de Dilma, de uma quase impunidade. Reeducar a sociedade brasileira para os valores do respeito e da ordem é uma hercúlea tarefa que caberá a Bolsonaro e à sua equipa. O Brasil é um país de estrutura político-constitucional complexa. A experiência de Bolsonaro como parlamentar poderá ajudá-lo no diálogo com os seus parceiros, com a câmara dos deputados. O Brasil precisa de um compromisso que vise o crescimento sustentável e o ataque direccionado à criminalidade e à violência.

  Os EUA serão, expectavelmente, a grande referência de Bolsonaro. No mesmo dia, Bolsonaro e Trump trocaram cumprimentos no Twitter, rede social que, aliás, aproximará o presidente do povo brasileiro. É toda uma outra forma de se fazer política, à qual ainda não estamos habituados aqui na Europa. Eu espero que Bolsonaro seja sensível aos problemas da CPLP, que se empenhe no aprofundamento dos laços com Portugal e a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, praticamente ignorada nos anos de Dilma Rousseff, que não tinha, ela mesma, grande apreço por Portugal, porque Portugal representa a tradição, a tradição que Bolsonaro defende e que a esquerda brasileira sempre negou.

   Portugal, claro, não alinhando ideologicamente com Bolsonaro - no discurso de Ano Novo, Marcelo alertou para os perigos do populismo -, continuará a manter a sua postura de país de pontes e de diálogos, cooperante, honrando a sua tradição de agregador de povos. Marcelo foi o único chefe de estado europeu na tomada de posse de Jair Bolsonaro, único chefe de estado de um país membro da União Europeia. De certo modo, Marcelo representou-nos no acto solene e representou a União Europeia. Portugal, a par de toda a ligação histórica, cultural, social e linguística, representa, para o Brasil, um parceiro especialíssimo no diálogo com a organização supraestadual europeia.

   Israel será outro dos parceiros especialíssimos do Brasil. Bolsonaro já avisou que mudará a embaixada do Brasil para Jerusalém. Interesses geoestratégicos e de alinhamento com os EUA subjazem à decisão. Bolsonaro quer introduzir o Brasil entre as grandes potências, entre os países que figuram nas decisões que afectam todo o planeta. Um papel que, diga-se, é mais do que devido ao quinto maior e mais populoso país do mundo, nona economia mundial. Sempre fui um crítico da postura indolente do Brasil, qual gigante adormecido, na cúpula da comunidade internacional.

   
   Tempos de grandes desafios esperam o Brasil. Se não for agora, direi eu, não será tão cedo. O Brasil tem todas as condições, neste momento, de construir um futuro melhor para as gerações vindouras, de recuperar a credibilidade que perdeu, perante os brasileiros e aqueles que, como eu, de fora, olham para a sua realidade.