D. Isabel passou uma infância feliz na companhia dos pais e dos vários irmãos, uma prol numerosa com que o casal régio foi abençoado. No novo Paço da Ribeira, destruído séculos depois no célebre terramoto de Lisboa, D. Isabel tornar-se-ia progressivamente numa jovem bonita e instruída, aprendendo latim, a doutrina cristã e os clássicos que surgiam nestes tempos de Renascimento. Além de bela, D. Isabel era cultíssima, possuindo uma vasta e completa biblioteca, composta por obras de cariz espiritual, destinadas à oração e ao enriquecimento pessoal, bem como obras mais mundanas que eram do gosto da infanta, nomeadamente sobre cavalaria.
A primeira experiência amarga da sua vida viria a 7 de Março de 1517, com a morte da sua mãe no parto do infante D. António, seu irmão. Um terrível prenúncio...
D. Maria deixou no seu testamento, e numa clara mensagem a D. Manuel I, a vontade de que D. Isabel casasse, sim, mas com reis ou filhos legítimos de reis, numa clara alusão ao filho bastardo do falecido D. João II, primo do monarca, que não era, de todo, da preferência da falecida rainha. Com a morte de D. Maria, D. Manuel I dotou a sua filha predilecta de Casa própria, de forma a que esta assumisse algumas funções governativas. Além disso, encetou o seu casamento com Carlos I, rei de Castela e Aragão, que viria a tornar-se o grandioso Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano-Germânico... A morte de D. Manuel I, a 13 de Dezembro de 1521, não inviabilizaria o projecto: D. João III, irmão de D. Isabel e novo rei de Portugal, prosseguiria com os desejos de seu pai.
Por fim, a 15 de Outubro de 1525, D. Isabel casaria com Carlos V através de um acordo matrimonial. Recorde-se de que os cônjuges eram primos. A mãe de D. Isabel e a mãe da Carlos V eram ambas filhas dos
Reis Católicos.
Há pormenores que não queria deixar de salientar: desde sempre se vaticinou um destino imperial, digamos, para a pequena infanta portuguesa. A isto se referiu o cronista Damião de Góis e Gil Vicente, na obra
Tragicomédia da Exortação da Guerra, em 1514, quando a princesa tinha apenas onze anos. Ambos
destinaram-na, quase profeticamente, aos braços do maior senhor da Cristandade.
Obtida a dispensa papal devido à consanguinidade entre os primos e depois da infanta ter aceite os termos do contrato, a sua numerosa comitiva acompanhou-a até Espanha. D. Isabel tinha então 22 anos e uma enorme ânsia de viver, rodeada de amas e servidores dedicados. Saliente-se que no primeiro encontro com o Imperador, D. Isabel, belíssima, envergou um vestido branco que encantou todos quantos estavam presentes no momento. Ao vê-la, consta-se que Carlos V ficou imediatamente agradado com a magnificência da presença da sua esposa. Os noivos encontravam-se em Sevilha, no Palácio de Alcázar, depois da viagem de D. Isabel que durou mais de um mês.
Efectivado o casamento, o casal viveria dias muito felizes, deslocando-se de Sevilha para Granada, no Palácio de Alhambra, onde a temperatura era mais agradável, devido ao calor. Carlos V e D. Isabel passavam o tempo a sorrir e acredita-se que a estima e o amor entre os dois brotou desde o primeiro momento.
O primeiro fruto destes momentos de carinho, em Granada, viria em 1527, com o nascimento do infante Filipe (futuro Filipe II de Espanha, I de Portugal...). Para a eterna posterioridade ficou esta engraçada premissa: como se sabe, D. Isabel foi criada por sua mãe, sendo esta filha dos austeros
Reis Católicos. No momento do parto, ordenou que lhe colocassem um lenço no rosto para que não fosse visível o seu semblante de dor e cerrou a boca para que dela não se ouvisse um único gemido. Interpelada pela parteira que a aconselhou a que gritasse no momento de dar à luz, D. Isabel terá respondido, em português:
" Não me faleis tal, minha comadre, que eu morrerei mas não gritarei! ". Carlos V terá ficado eufórico, numa época em que o nascimento de um varão era tudo, sobretudo sobrevivendo à elevadíssima taxa de mortalidade durante os partos, da progenitora e dos recém-nascidos.
Um ano depois, em 1528, nasceria a segunda filha do casal imperial, D. Maria, nascimento ao qual Carlos V não pôde assistir por estar em Aragão a preparar-se para a coroação pelo Papa. D. Isabel habituar-se-ia a a viver os momentos de dor e alegria dos nascimentos dos seus filhos.
D. Isabel, contudo, não foi educada apenas para ser mãe e esposa. Herdando o sangue de sua avó materna, Isabel,
A Católica, D. Isabel era uma mulher decidida, honrando a educação dada nesse sentido por D. Manuel e sua mãe, D. Maria. A regência assumiria com a partida de Carlos V para Itália, de 1527 a 1529. Toda a documentação da época refere que D. Isabel era uma profunda conhecedora dos problemas dos reinos peninsulares, defendendo intransigentemente o poder régio e a suprema autoridade do monarca, sobrepondo o
bem comum aos interesses particulares. A nível externo, a sua sensata actuação foi decisiva na defesa do litoral da Península e do norte de África das investidas da pirataria.
Enquanto mãe, viveria a primeira dor da morte de um filho em 1530, quando o infante Fernando faleceu após o nascimento. O afastamento do casal régio devido aos assuntos de Estado não diminuiu o carinho entre ambos. Nos poucos momentos em que estavam juntos, Carlos V presenteava a sua esposa com mais um rebento no seu ventre. Contudo, a mortalidade infantil ceifaria muitas dessas vidas. Ainda assim, em 1537 nasceria a infanta D. Joana, de saúde forte. Seria a última filha que D. Isabel veria crescer.
Até à sua precoce morte, o destino ditaria o sofrimento. Em 1538, após um parto que a deixou muito debilitada, teve outro filho varão. O seu nascimento seria imensamente celebrado, uma vez que a saúde do herdeiro, Filipe, agora com onze anos, revelava-se muito frágil. Porém, mais frágil ainda nasceria este bebé, que morreu poucos dias depois. Tristeza ante tristeza, teve D. Isabel conhecimento também da morte de sua irmã, D. Beatriz. A imperatriz, então, ordena a celebração de honras fúnebres em Madrid e Barcelona.
Decerto as ausências constantes de Carlos V amargurariam D. Isabel, que amava ternamente o seu esposo. Reconciliado com o rei de França, Francisco I, com quem mantinha uma velha inimizade, Carlos V regressa para os braços da sua Imperatriz, engravidando-a de novo, derradeiramente.
O casal deslocou-se para Toledo, onde, em 1539, D. Isabel é tomada por fortes febres que a consumiam. Os médicos previram o pior. No dia 21 de Abril nasce um menino morto. Já fragilizada pelas febres, segue-se uma enorme hemorragia. As febres cessaram no dia 29 de Abril. Prevendo a morte, a Imperatriz confessou-se e recebeu a extrema-unção. Morreria a 1 de Maio de 1539, com a mesma idade e nas mesmas circunstâncias trágicas que vitimaram a sua mãe.
Perante tão grande tragédia, a valentia e a coragem de cavaleiro de Carlos V soçobraram diante do corpo da sua falecida esposa, que não conseguiu ver. O corpo percorreu um cortejo fúnebre acompanhado de perto pelo Imperador e pelo pequeno Filipe, de doze anos. D. Isabel repousaria na cidade onde foi mais feliz, Granada.
Conta-se que chegado o cortejo ao local final, a urna foi aberta para verificação da identidade do corpo. O elevado estado de putrefacção do mesmo provocou a agonia dos presentes e o pasmo: a mulher mais bonita do seu tempo estava irreconhecível. Um nobre ficou de tal forma perturbado que, após a morte da sua esposa, recolheu-se para sempre na Companhia de Jesus, pelo trauma da visão e por não conseguir servir mais a outro senhor.
D. Isabel marcaria a história da Europa do século XVI. A memória colectiva perpetuá-la-ia. Jamais renegou as suas origens lusas. Educara o seu filho Filipe, em especial, na língua portuguesa, rodeando-o de aias e amas da sua terra natal. Esses detalhes estimulariam o seu amor pela terra da sua mãe, reino que tanto quis... e conseguiu.