7 de dezembro de 2021

Constituição Espanhola, 43 anos depois.


   Ontem foi feriado aqui em Espanha, ou festivo, como eles lhe chamam. A 6 de Dezembro de 1978, o projecto de Constituição para Espanha, que haveria de culminar na actual Constituição, foi aprovado em referendo por cerca de 90% dos espanhóis. Após quarenta anos de ditadura e ansiando por liberdade, os espanhóis correram às urnas e deram a sua aprovação a uma Magna Carta que, entre muitas disposições, criava o actual Estado autonómico, dando lugar a que cada nação histórica pudesse reivindicar a sua cultura e língua. A Constituição, no seu artigo segundo, fala da Nação espanhola e, mais à frente, das nacionalidades que a integram. Um conceito um pouco estranho. Em ditadura e em democracia, Espanha nunca soube lidar bem com a sua diversidade interna.

  Sem querer extenuá-los por minucioso, o problema do Estado espanhol remonta à sua edificação, construído nos moldes do actual Estado francês: uma língua, uma nação, uma unidade inquebrantável. Tentou-se, com pouco êxito, atenuar-se ligeiramente este pendor centralista que só reconhece uma identidade no actual texto constitucional, porém, a realidade tem-se revelado distinta daquilo que a Constituição faz prever. Quarenta e três anos depois, a monarquia não representa qualquer unidade, contrariamente àquilo que dita a lei fundamental espanhola, e as diversas nações que compõem a Espanha sentem-se injustiçadas perante uma política de estado que manifestamente favorece o castelhano, a cultura castelhana e uma ideia de Espanha uniforme cultural e linguisticamente. Algumas com mais sucesso, como a Catalunha e o País Basco, e outras, como a Galiza, que timidamente começam a ganhar consciência nacional.

   A tudo isto se soma a monarquia, restaurada por Franco, que assenta nuns princípios que não mais encontram acolhimento e aceitação entre os povos de Espanha. A inviolabilidade do Rei e a sua irresponsabilidade são dois deles. Os cidadãos não confiam na instituição, apercebem-se de que ao contrário de ser um modelo de honestidade e transparência, o monarca espanhol, sobretudo o antecessor, vale-se da sua posição privilegiada para obter ganhos e vantagens pessoais, conseguindo ludibriar os mecanismos de actuação da justiça. Num estado europeu e numa sociedade com acesso à informação como a espanhola, tal situação, além de intolerável, é foco de um permanente mal-estar que provavelmente terá um mau fim.

   Há muito que se fala na reforma da Constituição, que as sucessivas forças políticas adiam ad aeternum. O monarca continua inviolável e irresponsável, pisoteando-se o princípio da igualdade, e a Constituição continua a não referir as nações históricas do Estado pelo seu nome, entre outras mudanças que se vêm reivindicando. Há uns anos, durante o governo da direita, aprovou-se uma lei de segurança, conhecida popularmente como ley de la mordaza, que restringiu o alcance de inúmeros direitos civis, nomeadamente o de manifestação. A extrema-direita ganha terreno e acentua as discrepâncias numa sociedade fragmentada.

  Vejo com apreensão o futuro deste Estado. Em 1978, Espanha encaminhou-se no sentido da democracia, mas os vícios de décadas de franquismo transitaram para o novo regime. Franco e o franquismo continuam a pairar como uma sombra sobre Espanha. Não haverá qualquer paz social no que sobra da península para lá da fronteira com Portugal enquanto a herança do ditador não for completamente repudiada.

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