14 de maio de 2020

Os brandos costumes portugueses terminam à porta de casa.


   Esquivo-me de comentar casos mediáticos e em segredo de justiça. Reformas legais, penais, nunca devem ser feitas a quente. O povo pede-as quando assiste a crimes hediondos, e da mesma forma que a lei penal prevê penas diferentes para crimes diferentes, também a sensibilidade popular muda conforme estejamos perante uma ou outra conduta criminosa. Há crimes particularmente dramáticos porque parece que colidem com a natureza humana. Se o criminoso foge sempre à actuação do homem médio, certos criminosos conseguem mesmo praticar actos que não parecem encontrar acolhimento entre o homem civilizado.

    Em Portugal, somos civilizados fora de portas. Não inclui o trânsito. Em casa, somos dos piores criminosos. Agredimos e matamos. Não é de agora. É de sempre. Agora, começamos a tolerar menos essa nossa característica negra, o tal lado lunar a que alude Rui Veloso num tema, aquele lado sombrio que ninguém quer conhecer. No nosso caso, parece que a lei continua a ser insensível a esse contexto violento que durante décadas insistimos em negar. Nem todo o criminoso anda de capuz e de arma branca na mão. Há criminosos que se comportam normalmente em sociedade, e que no seio das suas famílias semeiam o terror. Sim, a lei prevê e pune a dita violência doméstica, mas puni-la-á como deveria? O que sinto é que há um claro desfasamento entre a sanção que a norma penal estatui e a consciência popular acerca da gravidade de determinados delitos, entre a justiça que as elites admitem e a justiça que o povo clama. Teimamos em considerar-nos brandos, pacatos, como se fosse uma bandeira para ostentar lá fora e, cá dentro, tapar a vergonha, empurrando o pó para debaixo do tapete. Orgulhamo-nos do terceiro lugar entre os mais pacíficos do mundo, com cenários de guerra em milhares de lares. São vítimas inocentes, e a muitas delas a justiça não chega. Quando chega, chega tarde. 

    Durante muito tempo, viu-se a pena como a mera retribuição do crime. Para tal contribuíram nomes como São Tomás de Aquino, ou Kant, séculos depois. De momento, encaramo-la como necessária no âmbito da prevenção geral e especial: socializar o agente e prevenir a prática de mais crimes, dissuadindo a comunidade com a ameaça da sanção. Em todo o caso, precisamos de a encarar de novo como justo castigo pela prática do crime. A liberdade acarreta responsabilidade, e somos livres para nos decidirmos pelo bem e pelo mal. Ao bem, advém um benefício qualquer; ao mal, o castigo. É este balanço entre liberdade e responsabilidade que nos mantém equilibrados, de outro modo voltaríamos ao estágio anterior ao actual, antes do contrato social. O castigo, entretanto, não deve produzir um mal maior ao praticado. Se o fizer, a justiça peca por excesso e comete ela mesmo uma injustiça.

   Reforme-se a lei penal quando a poeira assentar. Façamo-lo, todavia. Não esperemos que outras tragédias surjam para nos escudarmos sempre no argumento de que não podemos alterar a lei com o coração, senão com a razão. Ao legislador compete perscrutar o povo, corresponder aos seus anseios e fazer com que a lei reflicta os seus valores morais e éticos.

8 de maio de 2020

Dia Mundial da Língua Portuguesa.


   Há três dias, assinalou-se o primeiro Dia Mundial da Língua Portuguesa, a 5 de Maio, numa decisão tomada pela UNESCO. A escolha do dia não foi arbitrária: já se evocava o idioma de Camões, Machado de Assis e Mia Couto a 5 de Maio, o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura no seio da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

   Fora de Portugal, pouco ou nenhum impacto teve este Dia Mundial. Cada um lá terá as suas preocupações, e até a comunidade, com a actual pandemia. Estes dias geralmente são celebrados com actividades, que nesta conjuntura seriam impossíveis. Digamos que, tendo alguma repercussão, ela se deu pelas redes sociais. Eu aproveitei e impulsionei uma página que mantenho, de língua portuguesa, na qual procuro, de forma clara e elucidativa, expor alguns erros, os mais comuns, que assombram o domínio do idioma. Também gravei um vídeo, onde surjo e faço alguns apelos no sentido de se procurar uma convergência e um compromisso para aquele que é um património imaterial de milhões e milhões por esse mundo. Desde logo, continuo a defender uma norma comum para o idioma, no respeito pelas suas origens e raízes. Já me debrucei sobejamente pelo assunto, de modo que não o tornarei a fazer neste momento.

   A língua é um reduto último e íntimo da nossa personalidade. É através dela que exprimimos sentimentos e emoções. Esse facto obriga-nos a um cuidado acrescido. A língua é intergeracional. Ensinamo-la e passamo-la a filhos e netos. É língua de memórias também, de antepassados, de quem nos precedeu. A língua é um elemento identitário de um povo. Narra a sua história. É estrada de poetas e prosadores. Aproxima os distantes. Torna-nos seres opinativos e participantes na comunidade humana. A língua é mais do que oralidade. É sonho, é futuro, sendo passado. É o instante. O instante, para a língua portuguesa, está cheio de desafios. A língua portuguesa tem ambições de grande idioma das relações internacionais, de língua franca, como já o foi. Disputa esse lugar com outros idiomas melhor preparados. É nisso que nos devemos focar: preparar o caminho de um idioma do dia de amanhã.

3 de maio de 2020

XII Aniversário.


   O blogue entrou oficialmente na adolescência. Já começa a ter os primeiros pêlos púbicos. A descrição não é feliz, mas foi a que encontrei para assinalar este décimo segundo aniversário de existência do As Aventuras de Mark, umas aventuras que ultimamente andam mais omissas, não só pela conjuntura actual que vivemos como também pelas recentes mudanças que se efectivaram na minha vida. Tem sido um rebuliço de emoções.

    Torna-se imperioso falar do blogue, e não de mim. O que poderei acrescentar a esta efeméride que ainda não tenha feito em anos anteriores? Que detalhe poderá ainda ser do vosso desconhecimento? Para não me repetir desnecessariamente, saliento que este espaço me enche de orgulho, pela idade que vai adquirindo, é certo, e pela importância que não esmorece, bem assim como a vontade de o manter. Continuo a encará-lo como a minha plataforma de excelência. Outras há mais imediatas, porventura mais acessíveis, mas aqui é onde consigo expressar o que sinto e quero sem quaisquer imposições, e resguardado, devo dizer, de um certo mediatismo mórbido.

   Creio que em breve entrarei num período de alguma acalmia, o que me permitirá manter a assiduidade constante destes doze anos, abordando os temas de sempre e outros tais que se imponham. A bem ver, mal ou bem vou estando presente. Agora, com doze anos, o blogue encaminha-se para a idade adulta a passos largos, e a idade adulta traz-nos outras responsabilidades. Passamos a ter menos tempo, por exemplo, e a dar prioridade a outros aspectos das nossas vidas. É justamente o que me vem acontecendo e, por inerência, ao blogue. 

   Resta-me agradecer às pessoas que me têm acompanhado nesta dúzia de emoções que já não se contam em duas mãos. Às actuais e às de sempre. E às antigas que, mal ou bem, me ajudaram a chegar aqui, crescendo em experiência e ambição.



Os meus respeitos,
Mark