Em Portugal, quem morre perde todos os defeitos. Os erros eliminam-se, apagam-se das biografias pessoais. Jorge Sampaio, falecido hoje, não era uma figura que inspirava antipatia. Não era, efectivamente. Consta, do seu percurso político, o activismo contra a falta de liberdades na fase final do Estado Novo, a luta pela implementação e consolidação da democracia e, décadas depois, o empenho na defesa dos direitos humanos. A César o que é de César. Entretanto, moveu-se por interesses de natureza partidária e afinidades políticas. Fez um juízo, já si discricionário, de instabilidade em 2004, quando havia uma maioria parlamentar favorável. A sua actuação conduziu à vitória do PS, o que é normal em democracia, porém, à ascensão de uma figura sinistra chamada José Sócrates. Esse feito, que leva a assinatura de Sampaio, em grande medida, tem sido assinalado hoje, e é bom que o seja.
O seu segundo mandato conheceu períodos conturbados, desde logo em finais de 2001, quando Guterres pediu a demissão (na sequência da derrota nas autárquicas) e a dissolução do parlamento levou à vitória do PSD de Durão Barroso e, três anos depois, o já citado episódio com o governo de Santana Lopes. E se é certo que as análises à distância e quando não se ocupam cargos de responsabilidade são mais fáceis, Sampaio abriu um precedente inédito, que tentou justificar, ou explicar mais tarde, e que ele soube, e nós sabemos, que a bem ou a mal escreveu a página das suas memórias, que são as nossas, que melhor recordaremos pelos piores motivos.
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