A recente execução de um cidadão brasileiro na Indonésia, por um delito relacionado com o tráfico de estupefacientes, abriu de novo o debate em torno da pena de morte. Uma vez mais, a Amnistia Internacional interveio, tentando que as autoridades indonésias suspendessem as execuções, a do referido cidadão brasileiro e as de outros implicados. O caso ganhou visibilidade pelo empenho diplomático do Brasil em evitar o desfecho trágico. A Presidente, Dilma Rousseff, que recentemente tomou posse do seu segundo mandato, agiu pessoal e directamente, pedindo clemência em nome do povo brasileiro e exortando a Indonésia a tomar em consideração as boas relações entre Brasília e Jacarta.
A pena de morte tem sido abolida em vários Estados nas últimas décadas, acompanhando a evolução da sensibilidade humana quanto ao respeito que a vida humana merece. No espaço europeu, considerando aqui a União Europeia - e só, a pena de morte encontra-se totalmente abolida, como reflecte a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, desde logo no seu artigo 2º, número 2. No direito extracomunitário, referindo a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, de 1950, adoptada pelo Conselho da Europa, a pena de morte, pelo contrário, ainda se encontra contemplada no artigo 2º, número 1, dispondo-se, e transcrevo, «O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei.» Também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que acompanhou o surgimento da nova, à época, ordem internacional, a ONU, não parece opor-se à aplicação da pena de morte.
O Tratado de Lisboa, de 2007, que regula de momento o funcionamento das instituições da União Europeia, incorporou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2000, tornando-a vinculativa para os Estados-membros. A UE demonstrando que, em matéria de direitos fundamentais, está um passo à frente de outros ordenamentos jurídicos, quer nacionais quer internacionais.
Portugal está, assim, duplamente vinculado: ao direito da União Europeia e ao seu direito interno. A pena de morte está terminantemente proibida no artigo 24º da Constituição da República Portuguesa, sem ressalvas, contrariamente a outros ordenamentos, nomeadamente o espanhol, na Europa comunitária, e o brasileiro, por interesse histórico-cultural, nos quais a pena capital se encontra prevista, todavia condicionada a crimes praticados em cenário de conflito bélico. Portugal foi ainda pioneiro na abolição, faseada ao longo do século XIX, abolindo-se para todos os crimes civis no reinado de D. Luís, em 1867.
Países como os Estados Unidos da América e o Japão, considerados civilizados e acima de suspeitas, mantêm a pena de morte nas suas legislações internas.
Os defensores do ressurgimento da pena capital, em países como o Brasil, alegam que tal medida poderia diminuir o alto índice de criminalidade no país, punindo os infractores na criminalidade especialmente grave e censurável e servindo de desincentivo à prática de crimes. Desde logo, olhando-se para os E.U.A, cujos Estados, alguns, aplicam a pena de morte, sendo o país mais perigoso do mundo, nada parece indicar que a pena de morte tenha implicações ao nível de qualquer diminuição da criminalidade violenta.
A vida humana é o bem jurídico mais importante de um ordenamento assente no respeito pela dignidade humana. Em caso algum o Estado poderá, no uso dos seus poderes punitivos, violar o direito à vida. Tampouco ela está na disponibilidade dos cidadãos. Seria, aliás, contraproducente, a par de incoerente, o Estado punir um homicídio, tomando este delito por exemplo, com a supressão da vida de uma outra pessoa. A pessoa sobrepõe-se ao Estado, é fundamento último da sua existência. O Estado está ao serviço da pessoa e não o contrário. Ao Estado jamais será legítimo dispor da vida humana, invoquem que argumentos invocarem.
Discussões em torno desta matéria não fariam sentido se o respeito pela vida humana fosse um valor adquirido em todos os países que integram os cinco continentes. Felizmente, por cá, poucas, senão nenhumas, vozes se levantam para defender tamanha atrocidade. A vida humana está consolidada e é respeitada pelo Estado português, ao menos no seu jus puniendi.