27 de junho de 2015

Actualidades.


   A semana tem sido rica em acontecimentos. Desde dois mil e treze que não fazia uma compilação de actualidades, e só ainda o fiz por uma vez. Há assuntos que não deixam ninguém indiferente e, como tal, merecem-me alguma abordagem.
 
   Começando pela interrupção voluntária da gravidez que tanto deu que falar, pensando eu e todos vós que o assunto estaria definitivamente encerrado, para o bem e para o mal. Desengane-se quem assim crê. Sendo uma questão fracturante, até para mim, anos após a regulamentação há quem queira, no parlamento, discutir de novo os contornos que envolvem a IVG, nomeadamente, segundo consta, submeter as grávidas ao visionamento da ecografia, seguindo-se uma assinatura. É natural que os médicos assim ajam, porque parece que, quanto à ecografia, já acontece. O seu papel é o de salvar vidas, pretendendo, a bem ver, desmotivá-las, quem sabe conseguindo um recuo. Esquecem-se, porém, de que as mulheres não são programas informáticos e de que uma decisão destas envolve sempre alguma dor. É evitável. No que diz respeito à isenção das taxas, não me causa tanta celeuma se o Estado resolver aplicá-las. Incumbido de proteger a vida, é razoável que não participe de ânimo leve na cessação da mesma. De resto, o diploma deve ficar como está. Não sou contra ou a favor da IVG (que é diferente do aborto e convém dizê-lo, mantendo-se este como conduta tipificada no Código Penal). Persisto no status quo. Tenho um certo conflito de consciência que me faz não ser indiferente à vida que ali está - que o é, embora se possa discutir se há dor, se não há. Todos os estágios são instrumentais para o desenvolvimento de um ser humano. Eu não estaria aqui sem a minha primeira semana de gestação. Por outro lado, não posso cerrar os olhos ao direito que a mulher tem de dispor do seu corpo. Há um conflito de direitos, e que a consciência de cada um se decida pelo que valerá mais. Atente-se que falamos de interrupção voluntária da gravidez. Não de casos de perigo para a vida da mulher, de malformação do feto ou até mesmo de uma gravidez fruto de um crime contra a autodeterminação sexual da mulher.
 
     Os últimos dias foram marcados, também, por sucessivos atentados terroristas na Tunísia, em França e no Kuwait. Uma leva em três frentes, o que nos leva a duvidar do factor coincidência. Parece, e tudo indica que sim, uma acção concertada, visando provocar o alarme mundial e o maior número de baixas. A escalada de violência no conflito entre o ocidente e o oriente, religioso, social, e a ascensão de grupos terroristas, sobretudo desde o início do século, prova que o desenvolvimento da sensibilidade humana, verificando isso nos ordenamentos jurídicos dos países, maxime dos ocidentais, não está directamente relacionado com um mundo mais seguro, pelo contrário. Facções islâmicas, contrárias à maioria dos fiéis, moderados, prosseguem na jihad contra tudo e todos, sob o olhar apático da comunidade internacional.

    Ainda lá fora, desta feita nos E.U.A, o Supremo Tribunal decidiu-se pela não inconstitucionalidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, abrindo portas, assim, a que todos os Estados da Federação o permitam. Uma decisão histórica, sim, atendendo à repercussão que esta medida teria por todo o planeta. Convém relembrar, contudo, que a velha Europa, nesta matéria, dá uma importante lição ao seu velho aliado do outro lado do Atlântico: países como os Países Baixos, desde 2001, ou até mesmo Espanha e Portugal, desde 2005 e 2010, respectivamente, removeram dos seus ordenamentos todos os obstáculos à celebração do matrimónio entre pares do mesmo sexo. Ao Estado não compete colocar barreiras legais que obstem ao reconhecimento dos direitos das pessoas. Tampouco os sentimentos são do Estado, mas da pessoa, e a esta o Estado se subordina.
     Que outros países se inspirem e lhe sigam as passadas.

    Finalmente, por cá, foi posto a circular na internet um vídeo que exibe uma tradição bárbara, selvática, que emerge do lado mais sombrio do humano: não se distinguir dos demais animais pela razão, mas pelos seus instintos cruéis. Um pequeno felino, numa vila pelo país, é colocado no alto de um mastro, ficando à mercê do fogo, caindo, por fim, de uma altura apreciável e envolto em chamas. O vídeo, e naturalmente, a todos indignou. O Ministério Público abriu - e bem - um inquérito. A coisificação dos animais pelo nosso ordenamento conheceu um importante revés quando o legislador resolveu incriminar os maus-tratos a animais de companhia, numa decisão aplaudida e memorável. Cumpra-se a lei e persiga-se os criminosos.

     Por último, e porque a omissão faz-se sentir, uma palavra de apoio para a família Barroso Soares. Independentemente da cor política, a Dra. Maria Barroso, opositora determinada ao Estado Novo, senhora da arte e da cultura, encontra-se em estado muito crítico no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, depois de uma queda aparatosa em sua casa. Nonagenária, não é difícil presumir que o seu quadro clínico é delicado. Espero, e faço profundos votos por isso, que a Dra. Maria Barroso possa recuperar, contra as expectativas até do seu sobrinho, Dr. Eduardo Barroso, conhecido do avô e do pai, que referiu à Comunicação Social que o estado da senhora sua tia é "irreversível". A Dra. Maria Barroso crê em Deus. As minhas crenças, aqui, em nada importam. Pois que Ele a ajude, que aos Seus olhos nada é impossível.

23 de junho de 2015

Dos Regimes.


    Há tempo que venho sendo confrontado com as vantagens e desvantagens dos regimes republicano e monárquico, e para isso contribuiu a minha participação em fóruns iberistas. Residia em mim, como até há alguns meses não me esforcei minimamente por dissimular, um anti-iberismo primário, fomentado pela desconfiança e pelo receio, mais até do que por argumentos racionais. Percebi, contudo, que os laços que nos unem a Espanha são bastante profundos e que estreitá-los é inevitável, como um filho que por mais que faça busca sempre as suas raízes. Portugal é um dos reinos históricos de Las Españas, o único que conseguiu manter a sua autonomia e independência pela história, e as hipóteses em que a união se colocou, através de políticas matrimoniais ou de conquistas pela guerra, foram mais que muitas.

    Em Espanha, vigora um regime monárquico, reconhecido pela Constituição de 1978 e devidamente outorgado em referendo pelo povo espanhol. Os críticos do regime aludem a Franco, que deixou Juan Carlos como seu sucessor, restaurando-se a monarquia com a sua morte. Em boa verdade, Espanha não conheceu o corte abrupto que por cá tivemos, falando-se, e bem, em transição para a democracia. O primeiro monarca pós-ditadura, que recentemente abdicou da coroa, foi uma figura central no processo para a democracia. Ainda assim, não é difícil encontrar quem defenda as cores da bandeira republicana espanhola no país vizinho, contrapondo-se aos mais tradicionais e conservadores que sabem que o monarca, em Espanha, é símbolo de união e coesão entre todos os espanhóis, num país que se vê em mãos com levas sucessivas de movimentos secessionistas. Uma República enfraqueceria, certamente, a união de um Estado que por si só é já frágil.

      Realidade diferente da que temos por cá. Cem anos sobre a implantação da República, mais cinco, há vozes que se erguem pela Monarquia, sim, que parece definitivamente afastada, até no quadro constitucional que a não permite. Salazar não nutria especial apreço pelos monárquicos, ainda que tenha assentido que os exilados Bragança regressassem a Portugal. Mais modesto do que o seu homólogo espanhol, acredito que tenha confiado nas fundações firmes do republicanismo em Portugal.

       Li, ontem, um artigo de um jornal que versa sobre os gastos com os ex-Presidentes da República. Não seria difícil imaginar que certos privilégios manteriam. O que me indignou, porém, foi a verba associada à manutenção dessa família presidencial informal, que ascende ao milhão de euros. Republicano convicto por não aceitar, sob qualquer pretexto, privilégios de nascimento, cargos vitalícios e hereditários, sujeitos predestinados, acima dos demais, irresponsáveis e invioláveis face ao direito, recuso-me, como cidadão e contribuinte até, a compactuar com esta situação que me parece incomportável, roçando o obsceno. Ocupar a chefia do Estado, por sufrágio directo e universal, advém de um mandato conferido pelo povo. Findo este, o cidadão não deveria acumular mais do que a subvenção a que tem direito por lei e, nomeadamente, o lugar que lhe cabe no Conselho de Estado, como se sabe, vitalício para os ex-Presidentes, compreensivelmente. Gabinetes, assessorias e demais regalias pagas pelo Estado, assim legislasse eu, sairiam dos seus bolsos. Nada justifica, nem um eventual prestígio ou dignidade da função exercida, que cada ex-Presidente - que falamos não de Presidentes em exercício de funções - gaste uma média de trezentos mil euros anuais, quando tanto se falou, e fala, em contenção.

        Se a República se funda nos valores da igualdade, da liberdade, da rotatividade dos cargos públicos em mandatos limitados, surgindo em Roma, num conceito substancialmente diferente do actual, temos, presentemente, regimes republicanos, parlamentaristas, semipresidencialistas ou presidencialistas, que importam o que de pior há noutros, sendo que estes resquícios em nada contribuem para a dignificação do regime que propugnou o fim dos privilégios e a paridade entre os seus cidadãos.

19 de junho de 2015

Dias.


       A silly season está prestes a irromper pelo país. Pelas plataformas virtuais já é bem evidente. O que se quer são sumos frescos, tardes à esplanada, leituras sob uma qualquer sombra. Os anúncios de Verão não tardam. As mesmas histórias de hóteis lotados, incêndios florestais, adolescentes levados nos leitos dos rios ou na força das ondas. As contratações dos clubes, a dança de treinadores, os novos plantéis. Os programas da tarde, enfadonhos, nas praias. E vem, de seguida, a Volta a Portugal, mais as novas grelhas televisivas a marcar o fim da estação quente.

       Ando em período de avaliações. Dias e dias na faculdade, livros daqui, apontamentos dali. Trabalhos a entregar. É costumeiro para a época. Não me surpreende.

     Tenho passeado bastante, bem mais do que em anos anteriores. Passo menos tempo a estudar, ou mesmo em casa, divagando por aqui e ali. Não raras vezes vou à Padaria Portuguesa, na Avenida João XXI, sentando-me a beber algo fresco. Volta e meia, uma fatia de bolo, um café pontual, cheio, como vem sendo hábito, embora tenha reduzido o consumo desse estimulante. 
        
         Estou na fase de transição para adulto a tempo inteiro. Tenho enviado o meu currículo. A média final de licenciatura é um ponto forte a meu favor, mas já se sabe como o mercado de trabalho gira em torno de uma lógica feroz. Quero, efectivamente, emancipar-me. Ter o meu próprio espaço, gerir os rendimentos obtidos. E estou em boa idade para o primeiro emprego, a meio de uma pós-graduação em especialidade, o que faz pender na hora da decisão. Sou exigente, assumo. Não procuro ser advogado ou professor, reduzindo-se as saídas profissionais. Digamos que o que me motiva é entrar no mundo laboral, não me preocupando, por ora, com a função ou cargo a desempenhar; exijo, apenas, que se enquadre nas áreas que domino e que faça justiça ao meu percurso estudantil.

       A blogo ressente-se. Uns que vão, outros que surgem com novos espaços. Não será assim na vida? Não espelhará a blogosfera o que se passa lá fora? Quer-me parecer que sim. 
        E que venham os temas leves, polvilhados, um nadinha, com assuntos de âmbito mais formal.

Este bolo é delicioso, embora prefira o de bolacha. Chocolate, meh!

15 de junho de 2015

O início do comércio esclavagista em Portugal.


    Nos inícios do século XV, Portugal iniciou a sua expansão marítima no norte de África. Em 1434, ao passar pelo Cabo Bojador, dezanove anos volvidos sobre a conquista de Ceuta, primeiro reduto conquistado, Gil Eanes ainda não tinha contactado com os habitantes das faixas costeiras recentemente descobertas, nas investidas portuguesas pela faixa costeira ocidental do continente africano. Uma campanha militar contra os mouros, em Tânger, e algumas desavenças internas sobre a orientação a dar à política portuguesa, que redundavam em guerra civil, forçaram D. Henrique, O Infante, obreiro da expansão marítima, a interromper os seus projectos. Só em 1441, numa viagem ao Rio do Ouro, Antão Gonçalves, célebre navegador, conhecido primariamente por ter iniciado o tráfico esclavagista, estabeleceu relações com os nativos, ansiosamente desejadas por D. Henrique.
 
     Este contacto entre o europeu e o africano, contudo, no lugar de fomentar uma convivência pacífica, originou um aproveitamento do branco, munido da sua superioridade bélica, capturando no imediato dez nativos que trouxe para Portugal como escravos.  O ano de 1441 marca, tragicamente, esse apresamento de escravos, comércio que floresceria e incrementaria por mais de quatrocentos anos. Esta "caça" ao escravo tampouco é uma característica distintiva da prática comercial do Ocidente, conquanto persistisse desde há largas centenas de anos no Mediterrâneo e no Próximo Oriente. Estabelecia, e isso é inegável, a partir desta altura, uma relação directa entre os navegadores e as populações autóctones, que passavam, por essa via, a ter ainda mais motivos para as lutas entre si. As populações negras "caçadoras" de escravos encontravam-se com os brancos esclavagistas que lhes compravam a mercadoria, colocando-a num mercado que a valorizasse.
 
     Analisando a complexidade destas práticas, deve dizer-se que, nesta época de viagens de exploração, na caça ao escravo juntavam-se estes vis interesses com um espírito de cruzada e de conversão, messiânico. Uma mistura atroz de Deus, lucros e religião. Os capitães procuravam aumentar a sua comparticipação nos ganhos das viagens às custas dos escravos que comercializavam; todavia, ao mesmo tempo, entendiam este empreendimento como agradável aos olhos de Deus, se conseguissem lograr nos seus intentos de converter os nativos à fé cristã.
 
      Ao que consta, o volume do tráfico de escravos foi bastante apreciável nos primeiros tempos. Um cronista português dá conta de que, até 1448, vieram para Portugal novecentos e vinte e sete indígenas ao todo, não entrando nesta conta, claro está, os que morreram no decurso da travessia, nas condições inumanas sobejamente conhecidas por todos.
 
      Qual a posição da Igreja perante tudo isto? Até então, a Igreja contentara-se em baptizar os escravos trazidos para Portugal. Se aos decénios que se seguiram aplicarmos os números relativos à época posterior a 1470, na qual se calcula ter havido a importação anual de três mil e quinhentos escravos, a Igreja teve à sua mercê muitas almas para ministrar o sacramento... Esta posição inicial da Igreja, moderada, foi imposta, a bem dizer, pelos monarcas, pois todos os esforços iam no sentido de se manter em segredo os resultados das incursões, assegurando-se, dessa forma, o monopólio comercial na costa africana. Esta situação alterou-se por volta de 1482, quando Diogo Cão chegou ao Reino do Congo. Daí em diante, a Igreja intensificou a sua influência em África.
 

10 de junho de 2015

Sintra.


      Domingo passado, aproveitando o bom tempo e o muito que desejava revisitar a pacata vila, fui com o amigo até Sintra. Sintra nem parece pertencer ao distrito de Lisboa. Uma localidade tão convidativa, tranquila, não fosse a imensidão de turistas que por lá se passeiam.

    Em criança, nos meses de férias, frequentava uma colónia balnear através do colégio. Cheguei a mencioná-la por aqui. De manhã, levavam-nos até à piscina da Praia das Maçãs e, pela tarde, almoçávamos num parque de merendas, brincando de seguida, até à hora de regressar, num jardim municipal logo à entrada da vila. Regressar àqueles lugares, recheados de memórias, foi triste. Senti um vazio enorme, seguido de uma vontade de chorar. Não fosse o amigo, que estava ali, que me divertia, fazia rir com as suas brincadeiras, teria passado por momentos complicados de controlar.


         Assumidamente, e não o escondo sob peneira alguma, os anos que tive de sossego e paz já lá estão. Esse período engloba todas as recordações boas que trago em mim. Pisar de novo os mesmos trilhos, fechar os olhos e conseguir ver-me, de cantil na mão, pequeno, andando despreocupadamente, rindo com os coleguinhas, e depois constatar-me adulto, de barba feita, com um turbilhão de problemas, perturba-me. Como se tivesse manchado o passado perfeito com a mácula deste presente tão ingrato.

      Evitámos os tradicionais pontos turísticos, andando calmamente pela vila, provando os deliciosos travesseiros, deleitando-nos com o fresco de pequenos oásis, quedas d'água, no meio daquelas estradinhas sinuosas. O que me surpreendeu, e há muito que não ia até tais paragens, foi o manto verde que se eleva sobre a vila. Vagamente lembrava o clima característico, podendo ver a neblina a envolver os montes, um dos quais coroado com um belíssimo castelo lá no alto, roçando o mágico.


           O amigo, pacientemente, soube compreender e respeitar algumas limitações físicas, custoso que me é subir os caminhos mais íngremes. Os meus brônquios ressentem-se do esforço e a humidade, ainda que em Junho, dificulta a tarefa. Complicado foi termos decidido fazer o piquenique no mesmo parque onde, há tantos anos, almoçava diariamente por esta altura do ano. Sentar-me naquele banco de madeira, corrido, poeirento, tocando na pedra desgastada pelo tempo. A velha árvore, bem em frente, contemplando-nos. O portão enferrujado, envolto em trepadeiras. A fonte que secou, onde cheguei a ver água e pequenos peixinhos. Talvez tivesse sido melhor agendar a visita para uma data mais oportuna, em que não estivesse tão frágil. Proporcionou-se assim.


                Regressámos a Lisboa já ao final da tarde. Gostei bastante do passeio.

4 de junho de 2015

Programa Eleitoral.


   Aproximando-se a passos largos a data das eleições legislativas, ainda a definir pelo Presidente da República, sabendo nós, contudo, o intervalo temporal em que terão obrigatoriamente lugar, começam as movimentações partidárias apressando-se em fazer germinar no povo a tendência para votar neste ou naquele partido.

       Quando ouço Pedro Passos Coelho a apresentar as linhas orientadoras do seu programa coligado, pasmo-me com a dissimulação que grassa pelo espectro político português. Não condeno as pessoas, tampouco a escolha pelo abstencionismo, que parece ser a única solução viável perante um rol de promessas que, acto eleitoral em acto eleitoral, são feitas, já com poucas preocupações em ser credível. O sorriso cínico de Passos Coelho não me faz duvidar: ele sabe que mente e sabe que o povo o sabe. Inevitavelmente terão de votar em alguém e os seus esforços vão no sentido de procurar ser mais convincente do que o adversário principal.

      O voto de confiança que pede é um atentado à inteligência de cada um, um vil atentado. Como confiar em alguém que, no dia seguinte, esquecer-se-á, ou fará por isso, do que dissera meses antes? É tudo menos esperança, segurança ou estabilidade o que promete. Austeridade, sim, é a verdade que esconde sob palavras aliciantes, para controlar um deficit crónico e ocultar a sua obstinação em cortar nas despesas a quanto obrigas, nem que para isso provoque uma diminuição do poder de compra das famílias, conduzindo milhares a uma vida indigna à condição humana.

       Insensato será aquele que esperar a bonança vinda desta coligação. A orientação doutrinária de Passos e do seu vice é bem clara: um estilo de vida comezinho, com um controlo dos gastos públicos apertado, desumano. O fim do período de resgate é um pretexto para poder pregar palavras de ventura, de novos tempos, de um crescimento que tarda e não chega, um discurso de anos a fio que não cola e nem seduz.

      A economia limpa a que o Primeiro-Ministro se refere não é azul ou verde. É negra, suja como o carvão, assente na mais pura desonestidade intelectual. Assim Passos Coelho me prove que estou errado.
        Travar o decréscimo da população é outra das preocupações de Passos, quando ele, pelas suas decisões, impulsionou a emigração, convidando, subtilmente, os jovens a procurarem vida fora do país. Volta, agora, atrás. Que mudança tão oportuna.

       De seguida, as típicas linhas que ficam sempre bem num programa: reduzir o abandono escolar, o preço dos medicamentos, descentralizar, estimular as exportações, aumentar o salário mínimo, as reformas, alargar as isenções, etc. - as tentativas do PSD e do CDS-PP tendo em vista aparentar preocupações sociais. Verdadeiros parágrafos para compor, copiados de outros anos com mais ou menos mudanças; uma vírgula aqui, um período ali, tópicos que nunca ficam mal. E eu dei-me ao trabalho de o ler. Constate-se!: há todo um ponto dedicado ao Estado Social.
        Não esqueceram a «corrupção e o compadrio», mencionando-os assim, como transcrevi, com péssimos exemplos no seio do próprio partido.

         Adiando para dois mil e dezanove a meta de atingir um saldo orçamental positivo, a coligação impele os portugueses para que votem em si, inserindo todas estas medidas num quadro de objectivos sincronizados. Uma ideia cautelosa, ardilosamente arquitectada.

           O programa, todo ele, peca por uma imensidão de lugares-comuns, não especialmente bem escritos. Um discurso escorreito, mas lexicalmente pobre. Não tendo formação em publicidade, diria que, aí sim, foi bem concebido. No final da leitura, quase - quase - que acreditamos no que ali está. Para ser lido, sobretudo, pela classe média, o grosso dos eleitores, se é que ainda sobra alguma.

        Palavras que não chegam a encantar e bem menos convencem. Assim pudessem ser responsabilizados perante o eleitorado. E cá estaremos, daqui a uns anos (ou não), analisando a verdade do que por ali consta. A memória individual não é tão curta quanto a colectiva.