29 de julho de 2014

Filipe II de Portugal.


   Em Abril, escrevi sobre o primeiro dos monarcas da terceira dinastia portuguesa, inaugurando uma série de três dissertações sobre os Filipes, reis non gratos em Portugal. Não o serão com total justiça. À distância de tantos e tantos séculos, é impossível saber-se com rigorosa exactidão o que sentiam por Portugal, acreditando, eu, que amavam este pequeno e belo reino à sua maneira.

   Filipe III de Espanha (II de Portugal) nasceu no dia 14 de Abril de 1578, filho de Filipe II de Espanha e de D. Ana de Áustria, por sua vez neta de Carlos V do Sacro Império e de D. Isabel de Portugal. Não se esperava que o pequeno e enfermo Filipe alcançasse a Coroa. Não era o herdeiro. Tornou-se com a morte trágica dos seus irmãos mais velhos, um após o outro, não fugindo à terrível mortalidade infantil da época. Dos cinco filhos de sua mãe, só Filipe sobreviveu.

   Filipe, como disse, era muito débil física e mentalmente. Consta-se de que Filipe II, seu pai, terá dito: "Dios, que me ha dado tantos reinos, me negó un hijo capaz de gobernarlos". O império em que o sol nunca se punha, de facto, se somarmos ao extenso império espanhol o império português.

   Filipe II, cujas crónicas da época o dão como bom e devoto, alheando-se de assuntos políticos, foi aclamado rei de Portugal a 23 de Setembro de 1598. Além de rei de Portugal e de Espanha, aqui como Filipe III, era rei de Nápoles, da Sicília, rei titular de Jerusálem, rei da Sardenha, duque de Milão, conde de Artois, de Borgonha e de Charolais, fora as possessões ultramarinas ibéricas. Um deus na terra.
    Entregou o poder ao famoso duque de Lerma, homem naturalmente ambicioso, que afastou o novo rei dos assuntos portugueses, para perplexidade dos súbditos lusitanos.

    Em 1598, casou com Margarida da Áustria. Do enlace nasceram oito filhos, incluindo o sucessor, que viria a ser Filipe III (IV de Espanha). Filipe, todavia, continuou a demonstrar apatia e carácter fraco para as enormes responsabilidades que tinha.

    Se o duque de Lerma governava toda a Espanha, conhecendo-se das limitações do rei para assumir as rédeas do poder, em Portugal, por volta de 1600, substitui-se o colégio de governadores escolhidos por Filipe I, que estavam envelhecidos e de quem se questionava as vantagens, por um vice-rei, Cristóvão de Moura, membro do Conselho de Estado e elevado a marquês de Castelo Rodrigo.

    Os problemas em Portugal agudizavam-se, e as reacções contra Espanha também. Diante das fomes de 1600/01, escreveu ao rei, Filipe II, declarando estar com problemas de liquidez para cobrir as despesas. Há muito que não eram pagas as tenças da casa real, o dinheiro mal chegava para sustentar a Ribeira das Naus, podendo despoletar a qualquer instante uma crise no comércio marítimo português. Como Cristóvão de Moura foi percebendo, a grandeza de Espanha contrastava com o tratamento desigualitário que Filipe II dava a Portugal. Aos poucos, afastava-se das promessas do seu pai, Filipe I, em 1581, nas Cortes de Tomar. Ousou colocar três magistrados castelhanos na Junta da Repartição dos Contos, enquanto por Lisboa havia arruaças entre soldados portugueses e espanhóis. Não sentindo resultados palpáveis dos seus apelos, pediu a demissão. Foi substituído por D. Afonso de Castelo Branco, aos oitenta e um anos de idade. Relembro que só portugueses poderiam ser vice-reis. Depressa subiu ao poder o terceiro vice-rei, D. Pedro de Castilho, bispo de Leiria, inquisidor-geral e fidelíssimo à causa espanhola. Note-se a promiscuidade entre religião e política... A sucessão de vice-reis não terminaria. Cristóvão de Moura regressa para segundo mandato, a 23 de Outubro de 1607. Este morreria em 1613. Suceder-se-iam mais uns quantos vice-reis até... Filipe II nomear um espanhol, repito, um espanhol, Diogo da Silva y Mendonza para o cargo, uma afronta para os portugueses, muito embora o novo vice-rei tivesse ascendência portuguesa.


   O rei estava em Espanha, com Corte em Valladolid, por estes anos. Portugal seguia numa crise económica aguda, a que se somava os ataques de corsários à nossa costa indefesa, com períodos de fome e impostos pesadíssimos, engrandecendo as hostilidades entre portugueses e espanhóis.

    No ultramar, os territórios portugueses eram presa fácil para holandeses e franceses. O governo filipino ia, progressivamente, perdendo o encanto aos olhos dos portugueses. A derrota dos franceses, no sonho de erguer La France Équinoxiale, foi conseguida em 1614, impondo-se um armistício a La Ravardière. A maior ameaça, contudo, seria dos holandeses, quando criaram a célebre Companhia das Índias Ocidentais para comercializar com as terras brasileiras.
    O império português da época, nas Índias, estendia-se pela costa oriental de África, Arábia, Industão, Malabar e demais territórios circundados pelo Índico. Na costa oriental africana, tínhamos fortalezas na costa moçambicana, em Sofala, Mombaça e em Melinde. Na Arábia, Mascate e Ormuz pertenciam-nos. Através de Manila, nas Filipinas, território espanhol, Filipe II tentava estimular contactos comerciais com a Ásia, embora nunca os espanhóis tenham estabelecido uma base como os portugueses tiveram em Macau. Claro que tirou partido do nosso vastíssimo império oriental, vendo-se obrigado a respeitar, claro está, a autonomia do império português face ao congénere espanhol.
   Acabámos expulsos de Adém, Mascate, Ormuz, Ceilão e Aboíno, devastados pelos holandeses. Perdemos ainda as Molucas. Caía assim o poder português nas Índias. Filipe II não tinha meios para defender o império português. Envia uma frota de catorze navios que consegue segurar Goa, mas os vexames sucediam-se a Oriente.


   No reinado de Filipe II (III), já pela Espanha, o prestígio do país vizinho começava a mergulhar nas trevas. Agora como na altura, Espanha não era una e a Monarquia Hispânica, com Portugal, revelava fragilidades insanáveis. A derrota da Armada Invencível, em 1588, foi apenas o princípio do fim do "Século de Ouro" espanhol. E com Espanha, Portugal. O reinado de Filipe II marcou um período de inversão da economia espanhola, ressentindo-se da quebra do influxo de metais preciosos vindos da América. A autonomia da Flandes, conferida ainda por Filipe I, começou a causar transtornos. O exército espanhol era mal visto na região e foi derrotado em Nieuport, em 1600. A trégua alcançada em Haia, em 1609, expirou três anos depois e não mais foi renovada, caindo por terra o objectivo de Filipe de derrotar o protestantismo, enaltecendo a hegemonia espanhola sobre a Europa.

    E visitar o reino português? Desde o início do reinado que Filipe II revelou intenções de querer conhecer Portugal. Aquando do nascimento do príncipe herdeiro, em 8 de Abril de 1605, ocorreram por todo o país manifestações de júbilo, com festas e procissões. A Câmara de Lisboa apelava para que o rei viesse e da Corte, em Espanha, chegavam notícias de sucessivos adiamentos, ou pelas doenças do pequeno príncipe ou pela morte da rainha. Até que, em 1619, Filipe II vem, por fim, a Portugal. A comitiva pisou solo português a 9 de Maio, entrando por Elvas e Estremoz. Chegado a Évora, esperava-o um opulento auto-de-fé, a seu pedido, onde doze pessoas foram queimadas vivas. Em Lisboa, a festa de recepção teve lugar na sala grande do Paço da Ribeira. Filipe II prestou o juramento inaugural do seu reinado e prometeu, como o seu pai fizera décadas antes, respeitar os foros portugueses. Durante o início de Setembro, muitas touradas no Terreiro do Paço em honra do rei. O rei visitaria ainda Palmela, Almeirim e Santarém, mas, invocando razões de Estado, abreviou a estadia em Portugal - o ambiente que se vivia não era propício à manutenção da Corte por cá. Entre os dias 18 e 23 de Outubro, rumou de Tomar a Badajoz.

    A vinda do rei foi um fracasso e as diferenças entre portugueses e espanhóis acentuavam-se a cada dia. O rei partiu e deixou o reino entristecido. Demonstrou frieza para com a nobreza portuguesa, não concedendo mercês e não se ocupando da fidalguia lusa. Culpava-se os ministros. Do rei, a impressão que o acompanhara a vida inteira mantinha-se: era um homem bom. A hegemonia espanhola começava a desvanecer-se.

     Como referi anteriormente, a rainha faleceu numa das inúmeras vezes em que se especulava a vinda de Filipe II a Portugal, em 1611. O rei era-lhe fiel e não conheceu outra mulher após a morte da tão amada esposa. Havia descendência segura, logo, outro casamento não era necessário. Passou a desfrutar da companhia dos  filhos, combatendo assim as saudades. A melancolia, que nunca o abandonara, perturbou-lhe o espírito de modo que começou a ter visões e a ouvir vozes quando caminhava no seu palácio.

    Ao deixar Portugal, em 1619, o rei sente-se indisposto após comer umas empadas. Adoeceu gravemente e nunca mais recuperou, morrendo a 31 de Março de 1621, com quarenta e três anos de idade e vinte e dois de reinado. Vários mitos surgiram em torno da morte do rei: desde o calor de um braseiro, que lhe provocou um ataque de erisipela, até suspeitas de envenenamento.

  A morte do monarca foi conhecida, em Portugal, a 6 de Abril. No dia 18, seria feito o juramento e levantamento do novo rei, Filipe III (IV de Espanha), proclamado por procuração passada ao vice-rei, o marquês de Alenquer, iniciando-se assim o último reinado filipino no nosso país. Atribulado. Ficará para o próximo capítulo.

26 de julho de 2014

Holidays.


   Estou, oficialmente, de férias. Bem mereço! Aquela sensação de dever cumprido é incomparável, e saber que nada mais se tem de fazer, por uns tempos, apazigua.

   Ontem, para começar, fui sair com um amigo. Não fomos para longe. Ele mora nos arredores da cidade, com uma estação de metro perto de casa. Entretanto, além de trabalhar, está a terminar um mestrado em Letras. Combinámos e esperou-me à porta da minha faculdade (sim, ainda passei por lá). Fomos à baixa. Soube que as obras do passeio à beira-rio ficaram concluídas e resolvemos espreitar. Está um percurso delicioso. Por baixo de uma ponte de madeira já passam as águas. Uma luz de tarde de Verão fantástica, acompanhada da brisa fresca (que os últimos dias não têm sido - e ainda bem! - especialmente quentes).

   Caminhámos até ao Cais do Sodré. Entrámos num café dentro da estação - não conseguia andar mais um milímetro. Estava de sapatos. Bebemos uns iced teas diferentes. Eu, pelo menos, nunca tinha provado. É a empregada que os faz com um misturador. Leva a espuma de leite dos cappuccinos. Doce, muito doce! Bebi um de amoras e ele de limão. Optou por um muffin de chocolate e eu por uma... bola de berlim sem creme. E ficámos à conversa. Por ora, posso pensar em tudo que há neste mundo que não envolva acórdãos, doutrinas e códigos. Que reconfortante!


    Praia. Não gosto. Gosto do mar, adoro nadar. Pudesse eu transportar o mar ou ter um mar privado, sem areal e pessoas, e não pensaria duas vezes. De facto, expor-me ao sol como a tartaruga em tardes soalheiras não me agrada. Daí que vá sempre para as espreguiçadeiras que têm aqueles chapéus de palha. Protegem-me e têm a dita divisória que dá algum conforto, evitando-se crianças a correr que jogam a areia a todo o instante. 
    Sinto a falta do mar. Preciso de nadar - piscinas não me seduzem. As praias da Madeira serão o ideal: têm pedra no lugar de areia.

    Tive a confirmação da mãe e lá por meados do mês que vem vamos dar uma passadinha ao sul, folgar uns dias. Prefiro o Baixo Alentejo ao Algarve. Os avós também - daí que tenham casa por lá. O Algarve é um engodo. A água é fria. Águas tépidas, pela península, só nas praias banhadas pelo Mediterrâneo, o grande lago dos romanos...

   Na terça também tenho um passeio agendado e, pronto, assim se passam os dias das férias. A paz de espírito, a leveza, não têm preço.

22 de julho de 2014

O Iberismo.


    Variadíssimas vozes, ao longo dos tempos, defenderam uma integração política entre Portugal e Espanha. O iberismo não é uma corrente recente, conquanto, sobretudo em Portugal, tenha desde sempre envolvido mais os intelectuais do que os cidadãos comuns. As tentativas de unificar os dois países são seculares. Pela História, Espanha e Portugal digladiaram-se com objectivos antagónicos: o primeiro procurando anexar e o segundo tentando manter a sua frágil independência perante um vizinho forte, geograficamente maior e poderoso. Temos, portanto, um longo rol de batalhas ao longo das Idades Média e Moderna. Como esquecer Aljubarrota e a longeva Guerra da Restauração?, entre muitas outras.

   A partir do século XIX, depois das Guerras Peninsulares, os novos ideais foram esbatendo as velhas rivalidades, com o enguiço de Olivença presente. Portugal resistiu a Napoleão e negou o desejo francês e espanhol de repartir o território nacional entre si, regateando. Franco e Salazar, já no século passado, não eram tão amigos quanto se pode imaginar. Salazar, como bom estratega, soube manter o status quo de Portugal, estimulando relações tão cordiais quanto possíveis com o Generalíssimo. Pacto entre Pacto, afastaram a que parecia inevitável participação na II Guerra Mundial, legitimando os seus regimes despóticos até meados dos anos setenta.

   Portugal, apesar de mais pobre, é país uno, homogéneo, desde finais do século XIII. Espanha, não, unificada tardiamente. O fim da União Ibérica (1580 - 1640) isso demonstrou. Tendo de acudir a uma sublevação perigosa na Catalunha, Filipe III (IV de Espanha) não conseguiu suster o descontentamento em Portugal, ou seja, Espanha nunca foi tão forte internamente como quis parecer. Fosse-o e, hoje, a península seria una. A velha aliança Luso-Inglesa, actualmente em vigor, que remonta ao século XIV e ao reinado de D. João I, também explica o sucesso português diante das investidas espanholas.

    A discussão em torno de uma União Ibérica paira, nos dias que correm, como um reduto de teor académico. Ninguém levará muito a sério, nem por cá, nem por lá. A maioria dos portugueses desconfia dos espanhóis e a maioria dos espanhóis pouco se interessa por Portugal, o que se reflecte na parca abordagem dos media espanhóis sobre o país vizinho. Há ressentimentos históricos. Esses, nenhuma União Europeia apaga. Não mais Portugal e Espanha seguem de costas voltadas. Desde há trinta anos, quase, que trilham um caminho comum. Entretanto, Espanha sente-se inferior à vizinha França, de quem sempre invejou o sucesso, odiando a Inglaterra que outrora lhe roubou o brilho e o protagonismo. Portugal mantém o eterno complexo de inferioridade, subalternizando a sua língua em diálogos com espanhóis, os seus costumes. Tão iguais no percurso histórico, tão diferentes no chauvinismo, exacerbado além da raia, nulo ou perto disso deste lado.

   Interessado que sou, participo em alguns fóruns temáticos sobre o Iberismo - sendo veementemente contra. Poucos, que o discurso aceso levar-me-ia ao banimento em todos - o que nunca aconteceu. Pontos de vista opostos não são bem aceites pelos iberistas espanhóis. Porém, há uns dias, conversando com um, educadamente me disse, em castelhano, para eu despir-me de preconceitos e procurar ver o seu lado. Procurar, no fundo, sentir Portugal quando não o era, quando Afonso Henriques ainda não tivera a ideia de se tornar rei. Antes mesmo de nascer. Desvendou-se toda uma perspectiva diferente. Para os nacionalistas portugueses, Portugal começará com o nosso primeiro rei (e não terá sido assim?). Foi, evidentemente, mas o que seria Portugal antes da aventura do primeiro dos seis Afonsos que aqui reinaram? Era um condado e, recuando um pouquinho mais, não muito, uma parcela dos Reinos de Galiza e de Leão, pertencentes a Afonso VI de Leão e Castela. Não fosse a entrega do Condado Portucalense a D. Henrique e a D. Teresa, pais de Afonso Henriques, e o provável teria sido a unificação de todos os reinos peninsulares na Espanha, herdeira do termo Hispania, nome que os romanos davam à península, por contraposição com Iberia, denominação dos gregos. 

    O que os iberistas do país vizinho defendem, e o povo espanhol, implicitamente (não deverão pensar todos os dias no assunto...), é que Afonso Henriques foi um traidor, que por capricho quis ser rei (e não foi?), quebrando com a unidade peninsular que viria a ocorrer, separando estas terras que hoje são Portugal da sua origem. E até têm uma certa razão. Portugal, se formos sinceros, deveria estar unido a Espanha (eu sei, eu sei, isto parece uma anedota vindo de mim!). Eu não disse que defendo isto. Eu disse, e digo, que faz sentido e é legítimo que se pense assim. A península ibérica, ou a Hispânia, província romana, era uma só entidade. Temos particularidades que nos distinguem. Para lá dos Pirenéus está outro povo. Agora, suponhamos que aparecia um Afonso Henriques - século XXI - pretendendo separar, humm, o Algarve de Portugal? Foi isso que o Afonso Henriques do século XII fez, uma secessão. É um herói em Portugal. Não o é tanto assim aos meus olhos.

   A comunicação social, em manobras de diversão, por vezes, nomeadamente em Espanha, gosta de publicar sondagens que dão conta de uma predisposição dos portugueses em aceitar integrar-se em Espanha. Pouco credíveis. Com segurança, creio poder afirmar-se de que nove em dez portugueses seriam contra. Alude-se, os iberistas espanhóis, a que a união seria proveitosa para os portugueses, sendo Espanha um país melhor. Não tanto assim, direi eu, que Espanha não é nenhum Luxemburgo, nunca foi um grande país, embora seja um país grande, e só não a deixaram cair, como Portugal, a Grécia e a Irlanda caíram, porque isso significaria o colapso da União Europeia. E não há vantagens económicas que se sobreponham a uma independência. Integrando-se Portugal em Espanha, seria mais por fazer justiça à história que Afonso Henriques não deixou que se escrevesse.

   Portugal existe há quase nove séculos. Falar-se de integração seria, de modo reprovável, claro, anular estes oitocentos e tal anos. Hoje em dia, uma união entre Portugal e Espanha não poderia passar por uma Hispânia ou Portugal deixando-se absorver por Espanha. O hipotético Estado, super Estado, chamar-se-ia Ibéria (ninguém em Portugal aceitaria uma integração em Espanha, tornando Portugal uma comunidade autónoma ou o que o valha). Teria de ser uma união entre dois Estados em pé de igualdade. Duas línguas oficiais de Estado, com as respectivas co-oficiais que já existem em Espanha (o português não poderia ser tratado como língua secundária e as crianças portuguesas só aprenderiam castelhano na mesma medida em que as crianças espanholas aprendessem português). O regime político teria de mudar. Nenhum português aceitaria ser súbdito de um monarca espanhol. A capital seria dividida entre Lisboa e Madrid... Irrealista, não?

   Bastante. Nem a Constituição portuguesa permite atentados à independência nacional. Os catalães tampouco aceitariam cedências a Portugal em detrimento dos seus interesses. E, a longo prazo, a nossa língua portuguesa e cultura estariam ameaçadas, como a língua e cultura galegas que sofrem influências castelhanas ostensivas. O galego continua a ser descaracterizado, mesmo numa sociedade democrática que reconhece e diz proteger as singularidades (línguas, costumes, tradições) de cada povo que compõe Espanha.

   O que se passa agora, que não se passava antes, é que passei a entender o lado dos iberistas, principalmente dos espanhóis, que há iberistas portugueses (que provavelmente farão o mesmo raciocínio que fiz ao longo deste artigo). Teria sido melhor seguirmos todos juntos. A península é uma só, Portugal está todo encostadinho a Espanha, o povo é igual, as línguas são quase iguais, as tradições... No fundo, as fragilidades despontam, volta e meia. Só a força deste povo torna Portugal um país viável. Vendo tudo com clarividência, é um pedaço que não faz muito sentido ser país. Nem os romanos assim o quiseram. Acharam, e logicamente, que a península era una, logo, teria um só nome, seria uma província (com subdivisões, mas todas elas passavam pela Hispânia). Também os povos pré-romanos, que eram vários, não estavam circunscritos ao que hoje compreende Portugal e Espanha. Alguns atravessavam pedaços de ambos. E depois da queda de Roma, tanto suevos como visigodos tinham os seus reinos por Portugal e Espanha. A ocupação muçulmana tudo juntou, mais uma vez, até chegarmos aos reinos cristãos - onde iniciei a saga.

   Afinal, um homem, D. Afonso Henriques - o ideal de um homem - pôs tudo em causa! Com que direito?


19 de julho de 2014

O Futuro.


   Aproximando-se o final, em passos verdadeiramente largos, agudizam-se as inquietações acerca do pós-licenciatura. O bom de tudo isto é que não sou o único a viver momentos de incerteza. Falando com algumas pessoas, muito embora a grande maioria saiba o que quer, sempre se encontra um por outro que ainda não se decidiu. No meu caso, o problema é não ter um leque de opções, melhor dizendo, não estou indeciso entre um ou outro caminho. Não sei, efectivamente, o que seguir.

   Com efeito, começa a preocupar-me. A época de inscrição para os mestrados está prestes a iniciar e sou compelido a arriscar uma segunda parte no universo jurídico. O lado mais racional indica-me uma carreira na área da comunicação social, algo relacionado com jornalismo. Há tempos, um rapaz amigo passou-me um site de uma universidade que tem uns mestrados com interesse. Caros, é verdade. Não queria nada sujeitar os pais a encargos. Já cumpriram com a sua obrigação, proporcionando-me o acesso ao ensino superior e arcando com as despesas inerentes durante estes quatro anos. Sei que não hesitariam caso lhes comunicasse uma decisão. Apenas creio que não é justo.

   A faculdade dispõe de gabinetes de orientação, de saídas profissionais, aos quais não recorri porque desconfio da utilidade em ajudar. O facto é que sou complicado, terrível para tomar decisões. Foi assim há quatro anos. Optei quando não podia adiar mais. Nunca senti, como quase todos, um apelo. Dou para tudo e não dou para nada. Há quem saiba, desde cedo, que quer ser advogado, médico, radiologista, farmacêutico, professor. Eu não. Sequer dizia que seria isto ou aquilo quando me perguntavam, o típico dos adultos ("O que queres ser quando fores grande?"). Bem como nunca acreditei no Pai Natal. Sei lá, sou esquisito. Não me vejo em tribunais. Nem a leccionar. Tampouco a estar dias a fio metido num escritório, saindo às dezoito, enfrentando filas de trânsito para chegar a casa, comer algo rápido e refestelar-me no sofá ou na secretária em frente ao pc. Não, não, não! Pensando em profissões, nenhuma é do meu interesse, excepto estas: repórter, pivot de noticiário, apresentador de programas informativos, debates, até um talk show - algo com interesse, claro. O lado negro é a fama, que rejeito, que nunca me seduziu, devo dizer até que me arrepia. Seguindo, seria por concretização pessoal, vocação, jeito.


    A oral de quinta correu bastante bem. Subi dois valores. Objectivo alcançado. A parte má foi estar desde as dezassete até às vinte e uma dentro de uma sala, morrendo de calor. Em si, a minha prova demorou meia hora. Sendo melhoria, o professor perguntou-me tudo. O regente, senhor de alguma idade, experiente. Até prefiro. A oral pelo regente será, no limite, mais justa. Como sou assíduo, senti que tomou esse detalhe em consideração, aliás, apontando a falha a tantos que lá estavam, para oral de passagem, e que pensam que chega ler os manuais. É insuficiente e os professores, tarde ou cedo, acabam por memorizar os rostos dos alunos que estão pelas suas aulas ao longo do semestre. Não foi condescendente, no entanto, não é isso que espero ou que pretendo.
   O calor era tanto... Recordo-me de uma prova oral, no primeiro ano, em que a gravata desbotou na camisa. Chegar a casa, despir a roupa, tomar um banho e descansar era o que pairava durante aquelas intermináveis horas. A minha foi a primeira. Resultado, tive de esperar por todos. Só no final deliberam e comunicam os resultados. A etapa da deliberação não teve lugar desta vez, visto que era só um a realizar as provas.

    Na quarta há mais.


15 de julho de 2014

Suspiros Finais.


   Calor. Meados de Julho. Queria ir à praia e não posso. Estou literalmente metido entre livros de milhentas páginas, teses de mestrado, dissertações, monografias... A mãe perguntou-me, há dias, o que me leva a exigir tanto de mim. Não lhe soube responder. Creio que sou incapaz de dar apenas a metade do que posso. Quando me dedico a algo, tem de ser por inteiro.

   O bom de tudo é que não sou de passar horas a fio em casa. Saio. Estudo bastante no jardim da avó. É amplo, tem um recanto com árvores que proporciona uma brisa fresca, de final de tarde, insubstituível. Coloco os livros numa mesinha, o portátil, e por ali fico. Às tantas, esqueço-me da hora do jantar.
   Estou licenciado. Não fiz alarido disso, como alguns colegas que assim que souberam a última nota correram para actualizar o estado no facebook, agradecendo ao amigo, companheiro de casa, tio em quinto grau, padeiro do bairro, porquinho-da-índia. Até porque se tivesse de agradecer a alguém, seria a mim, em primeiro lugar, que estudei, e aos pais, que bancaram os quatro anos, naquele que é considerado um dos cursos mais dispendiosos - só em livros.

    Tenho duas orais. Uma na quinta, à tarde, e outra no dia vinte e três, quarta que vem. Estou tão entusiasmado quanto para assistir a um programa da TVI em primetime. Para piorar, ando adoentado nos últimos dias. Uma qualquer virose ou o raio. Dores de cabeça, de estômago e dificuldade em deglutir. Deve ser o maldito ar condicionado. A ansiedade está fora do normal - nem o Valdispert faz efeito.

     O mais engraçado é quando me perguntam como vão as "férias". Férias? (gargalhadas sarcásticas)

11 de julho de 2014

Israel.


   A escalada de violência entre o Hamas e Israel, na Faixa de Gaza, não poderia ocorrer em melhor altura. Verão pelo hemisfério norte, campeonato do mundo de futebol, páginas de jornais com a pré-época das ligas de clubes que importam mais do que dezenas de mortos civis que perecem todos os dias às mãos de carrascos sem rosto.

  O conflito entre as duas facções, israelitas e palestinianos, é secular. Religioso, de raízes profundas que o tempo não ajudou a amenizar. A região da Palestina não é homogénea. Terra de árabes e judeus que reivindicam para si pedaços do que é santo, transcendental. Após o mandato que o Reino Unido tinha na Palestina, confiado pela Sociedade das Nações, já na nova ordem internacional, em 1947, sob a égide da ONU, estabeleceu-se, em resolução, que a Palestina seria dividida em dois Estados, a saber: um árabe e um judeu, honrando assim os direitos de ambos os povos. Árabes que sempre, desde que a memória se perde, habitaram aqueles territórios e judeus que, emigrando pelos tempos para a Palestina, pretenderam recriar o reino de Israel das Escrituras em Estado moderno, de onde foram perseguidos durante o Império Romano e a subsequente conquista árabe. Toda aquela área, como se sabe, pertenceu por séculos ao extinto Império Otomano.

   A resolução das Nações Unidas para a partilha da Palestina não foi aceite pelos países árabes, expectável, e o sempiterno ódio agudizou-se após a criação do Estado de Israel, em 1948. A declaração de guerra deu-se no mesmo ano e, de lá para cá, perde-se a conta aos conflitos que opuseram árabes e judeus. Entretanto, e por via das guerras, Israel foi expandindo o seu território, de forma ilegal por algumas vezes, como se verificou com a ocupação de Jerusalém, mal vista pela comunidade internacional, embora, como se saiba, seja uma cidade histórica importantíssima para os judeus. Os colonatos na Cisjordânia, reivindicada pelos palestinianos desde a expansão de Israel, é outro dos problemas que obsta sobremaneira à pacificação das relações já de si complicadas. Em todas as guerras entre Israel e a frente de países árabes que se lhe opõe, os judeus têm levado a melhor, ocupando a Cisjordânia, a Faixa de Gaza (controlada pelo Hamas na actualidade) e os Montes Golãs. A Península do Sinai, que Israel conquistara ao Egipto durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, foi entregue ao Egipto, em 1982.

   No direito internacional, a ocupação da Cisjordânia, dos Montes Golãs e de Jerusalém não é reconhecida pela ONU e mantém-se o status ambíguo dessas regiões. São consideradas territórios sob ocupação militar. Os palestinianos reivindicam a Cisjordânia e Jerusalém; a Síria quer fazer valer os seus direitos sobre os Montes Golãs.


   As décadas passam e a solução permanente e definitiva tarda em chegar. As guerras e as intifadas sucedem-se, tornando aquela parte do globo extraordinariamente perigosa. Há culpa tanto por israelitas quanto por palestinianos. A existência de Israel não deixa margem para dúvida e seria um primeiro passo o reconhecimento sem reservas, pelos povos islâmicos, do direito dos israelitas à sua pátria. Por outro lado, o Estado árabe na região é ainda uma realidade meramente formal. É urgente criar-se um país para os palestinianos, cumprindo o disposto no final dos anos quarenta do século passado. Israel terá de desocupar os territórios que controla à margem da comunidade internacional, remetendo-se para o que originalmente lhe foi atribuído.

   Sou sionista, defensor e amigo do Estado de Israel e por várias vezes troco palavras acesas com anti-sionistas, alguns mais antissemitas, eu diria. A intolerância para com o povo judeu conduziu a um genocídio sem precedentes na História. Que Israel é um facto, um país, reconhecido pela generalidade dos Estados, pela ONU, é indiscutível, bem como a sua manutenção como sujeito internacional de pleno direito. É um patamar do qual não prescindo. Com os países árabes, mantemos, portugueses, uma relação especial muito devida aos oito séculos de ocupação muçulmana da Península Ibérica. A herança é mais do que muita, perceptível na língua, na arquitectura, na genética. Como rejeitar o que nos está no sangue? O que rejeito são os costumes árabes e berberes avessos à democracia e ao respeito pelos direitos humanos. Não pactuo com a intolerância quando o que está em causa são perseguições ideológicas, políticas ou sexuais, ou quaisquer outras. E nesse campo Israel ganha por larga vantagem. Não fosse a instabilidade e seria um dos melhores países do mundo.

   Sou favorável à mediação internacional. Apenas. Terão de ser judeus e árabes entender-se. Utópico, dirão muitos. Direi eu, também, no curto, médio prazo. Já seria bom se transpusessem as disputas para o direito internacional e terminassem com as hostilidades bélicas. Que os civis, como sabemos, são as principais vítimas. E ninguém ganha com uma guerra. Todos perdemos. Eles e nós.

7 de julho de 2014

Degradação.


      Os costumes tendem a ser alvo de especial protecção por parte do Estado. Práticas seculares que o tempo não removeu da memória colectiva, mantendo-se por gerações. Alguns cederam perante o progressismo; outros continuaram porque, no senso comum, não contrariavam as bases de uma sociedade moderna, actual, voltada para os direitos da pessoa humana. Não sendo atingidos quaisquer direitos humanos, o esforço com vista à eliminação dessas práticas não foi além de meros debates, colóquios, pairando aqui e ali em correntes ideológicas.

    As associações que defendem os direitos dos animais desempenham um papel relevante. Partem de um objecto que não existe - os direitos dos animais. Os animais não têm direitos. Só as pessoas são sujeitos de direitos e deveres, pessoas singulares ou colectivas. Os animais são ainda uma indefinição jurídica. Custará considerá-los coisas, todavia são comercializados (comprados, vendidos, alugados). São uma propriedade humana. Seres vivos que o Homem considera seus, alienando-os como artefactos que produz. Na Natureza, estão em pé de igualdade. As capacidades do homo sapiens tornaram-no dominante sobre as restantes espécies animais, o que não significa que possa e deva explorá-las, ameaçar a sua existência, destruir os seus habitats. Deve, isso sim, protegê-las da fúria e ambição naturalmente suas. O que seria do mundo sem a beleza do canto de um belo pássaro, as gracinhas de um golfinho, o companheirismo de um cão ou de um gato.

   Nesse sentido, há quem ainda condene a utilização dos animais como suporte à vida humana, seja na alimentação ou no vestuário. Admitindo-se que o Homem pode - e deve - matar para se alimentar, uma vez que os animais também matam para prover à sua subsistência, será difícil consentir que disponha da vida animal para entretenimento, infligindo dor, sofrimento, ansiedade - que há muito a neurociência reconhece que existe nos animais vertebrados, mormente na classe dos mamíferos.

    Espectáculos como as lutas de cães e galos, os rodeos, as touradas e análogos não são próprios de uma sociedade humana que respeita e protege a vida dos demais animais. E o Direito está em transformação nesta matéria. Progressivamente, os diversos ordenamentos jurídicos vão reconhecendo um direito dos animais ao respeito e à protecção contra abusos. Daí que, meio que hipocritamente, haja regras nos matadouros quanto aos abates. Delicada matéria que carece de aprofundamentos. O respeito que a vida animal nos merece implicará, no limite, a proibição das touradas, o que terá a veemente oposição de todos quantos lucram com a tradição. Levará décadas, talvez um século, acompanhando a sensibilidade da opinião pública. Reduto não é - e a transmissão de sucessivas touradas na estação pública, oficial, paga por todos os contribuintes - evidencia isso mesmo. Em Portugal, e falo da realidade portuguesa, é aceitável ver um animal a ser maltratado até à exaustão física para deleite de centenas nas praças de touros e uns quantos milhares em casa. A sua morte, o corte da orelha e do rabo, tão comuns em Espanha, estão proibidos, sabendo-se que o touro será morto logo depois. Permite-se a diversão na agonia, proibindo-se de seguida a exposição pública dos momentos finais. E Barrancos tem um regime de excepção, onde a tradição, mais uma vez, justifica os touros de morte.

     Uma discussão que está longe de ser encerrada. Manifestamente, a tauromaquia é degradante, inadmissível nos dias que correm. O caminho é longo. Como tudo o que é controverso, adia-se um problema, uma fractura que existe entre os portugueses. A solução, a meu ver, passaria por impor aos cidadãos normas que regulassem a actuação sobre os animais, normas muito concretas, restritivas, estabelecendo-se como e em que circunstâncias os animais poderão estar à disposição do Homem. Não será a derradeira solução. Outras se adivinham, num longo, longo prazo.

       Por ora, mudar de canal e suspirar fundo, o que fiz há dois dias, é o possível.

2 de julho de 2014

Mar


Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.


E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.




Sophia de Mello Breyner Andresen in Poesia I, Editorial Caminho