24 de março de 2024

Conduzir, uma vez mais.


   Eu tirei a carta de condução em 2011. A história começou em 2007. Matriculei-me numa escola de condução em Alfornelos. Ia às aulas de código todos os dias. Cheguei ao exame de código, aprovei. Bestial. Na condução, chumbei duas vezes. O exame de código caducou. Mudei de escola de condução. Voltei a fazer o código e a aprovar. Bestial. Consegui passar no exame de condução (a muito custo, à terceira tentativa, contando com as duas primeiras na anterior escola). E voltamos a 2011. Nunca mais peguei num carro. Em Lisboa, não é necessário conduzir, e além disso não me sentia minimamente preparado para o fazer.

    Agora vivo no rural. Queremos comprar uma casa numa aldeia pequenita, mas o meu marido trabalha numa vila, ou seja, e sem transportes, terá de ir todos os dias da aldeia para a vila. São cerca de 7km de carro. O M. não tem a carta de condução. No seu caso, percebe-se facilmente. Esteve 11 anos em medicina. É um curso muito exigente. Por isso, uma vez que eu já tenho a carta, terei de ser eu a levá-lo. 

    Eu conduzo mal. Morro de medo de conduzir, de ter um acidente. Sou péssimo. Entretanto, já me inscrevi numa escola para tirar umas lições de condução e, por fim, comprar um carrito e começar a conduzir. Estou apavorado. Serei capaz algum dia de o fazer? É um dos meus maiores desgostos, não saber conduzir. Porém, agora terá mesmo de ser. É agora ou nunca.

18 de março de 2024

Ave do Paraíso (Tessa, Festival da Canção, 1983).


   Nunca prestei atenção ao Festival da Canção. Quando nasci e cresci, já estava em franca decadência (anos 90), portanto, as minhas memórias do certame vão pouco mais além de cantarolar “peguei, trinquei e meti-te na cesta” da Dina, com as minhas coleguinhas da primária. Em 2017, assisti à final da Eurovisão -que Portugal ganhou- num bar de ursos, no Príncipe Real, e foi giro pela convivência. E é tudo. Não sou a tradicional bicha festivaleira e eurovisiva. Contudo, este ano, soube, comemoraram-se os 60 anos do Festival da Canção (1964-2024), e achei por bem escrever algumas linhas sobre o festival de 1983. E porquê de 83? Teve algumas especificidades: foi o primeiro que se realizou fora de Lisboa (Porto), o Herman José ficou em 2° com A Cor do Teu Baton, o Carlos Paião e a Cândida Branca-Flor (paz à alma de ambos) imortalizaram a patriótica Vinho do Porto, Vinho de Portugal e, para terminar, houve uma pequena grande pérola: uma miúda chamada Tessa levou um tema chamado Ave do Paraíso que foi… bom, é melhor que o vejam e oiçam, porque não há palavras. Apenas uma interrogação: como foi possível? Deixo-lhes o vídeo:



14 de março de 2024

As bichas são perversas.


     O meu marido é um homem muito educado e diplomático. Evita os confrontos, procura dar-se bem com todos. É um rapaz criado no rural, no meio das vacas, e que portanto desconhece o meio gay. Nunca o viveu. Não sabe como é. Não subestimo a sua inteligência. É um rapaz extremamente culto e inteligente, mas há coisas que ou as vivemos ou não as conhecemos. Podemos intuí-las, porém, há que vivê-las.

     Há aqui um tipo, médico também -que contudo não trabalha no mesmo sítio que o meu marido-, com quem, por motivos profissionais (derivação de doentes etc), o meu marido teve de começar a falar. Trocaram Whatsapp e tal. Tudo bem. Acontece que a bicha -e bicha não porque seja feminino; a bicha, pronto- começou a fazer-lhe perguntas mais pessoais: desde quando sabe que gosta de rapazes, há quanto tempo estamos juntos, a insinuar que o meu marido estuda muito e que isso lhe parece sexy (acompanhado de um emoji insinuante…). Esse tipo de situações.

     Eu comentei a situação com o M. - ele, aliás, foi o primeiro a mostrar-me as mensagens-. Ele leva aquilo na brincadeira. Ri-se daquilo que considera ser um ciuminho bobo da minha parte e pergunta-me se não confio nele. Eu nele confio; eu não confio é nestas bichas, que não são desinteressadas. Eu não venho do meio das vacas. Venho duma cidade, lidei com muita bicha. Sei como elas são, como pensam, e o que querem.

     Sou um senhor, mas há coisas que não admito. Se a bicha estica a corda, conhecerá o meu pior lado, e acreditem, é muito mau esse meu lado. Sou menino para lhe estragar a vida aqui, começando pelo seu local de trabalho. Ele que se cuide.

12 de março de 2024

André Ventura.


   André Ventura é, hoje, uma das figuras mais controversas do panorama político e social português. Há quem goste dele, há quem o odeie. A mim, não me é tão repulsivo. Não lhe faço o cordão sanitário que muitos na política e na comunicação social lhe fazem, e que ele tanto agradece, e concordo com algumas das suas bandeiras. A imigração, por exemplo. Estou do lado de Ventura quando diz que devemos limitar a imigração. Portugal tem, não sei se sabem, quase 1 milhão de imigrantes. Chocamo-nos com o 1 milhão de votos no CHEGA (e o meu não está lá, já agora), mas muito pouco com 1 milhão de estrangeiros a viver num país tão pequeno; também parece que não nos assusta a criminalidade violenta que está a aumentar. Por quanto tempo mais Portugal figurará entre os países mais seguros e pacíficos do mundo? 

    Ventura implica com os ciganos; eu, quiçá, com os brasileiros. Se viessem menos, não estaria mal. Entretanto, há outras bandeiras do líder do CHEGA que não partilho, designadamente a prisão perpétua e a castração química de pessoas. Limitar a imigração bastaria para reduzir grande parte da criminalidade violenta, estou em crer, embora a comunicação social nos tente fazer ver o contrário, quer negando as evidências, quer ocultando deliberadamente a origem dos criminosos.

    Como em tudo, André Ventura não é nenhum monstro; não é o bicho-papão da ditadura que vem aí. É um homem que diz aquilo em que acredita, e depois compete a cada um de nós concordar ou discordar - e parece que até há mais de 1 milhão que concorda. Eu discordo de muito, desde logo do estilo, e concordo com outro tanto. Creio que Ventura, em algumas matérias, diz o que muitos pensam e não dizem e quer fazer o que outros tantos não têm coragem de fazer, ainda que pudessem.

11 de março de 2024

A Noite Eleitoral.


   Acompanhei a par e passo a noite eleitoral através da SIC Notícias, que subscrevi especialmente para este efeito das Legislativas 2024. Sem mais demoras, resultados surpreendentes. A abstenção foi a mais baixa desde 1995, situando-se algures nos 33%. As pessoas mobilizaram-se, sentiram que o seu voto podia ser decisivo. Um excelente indicador. O meu marido disse-me que a baixa abstenção poderia ser um mau presságio (as pessoas saíam de casa para votar na extrema-direita); eu, ao contrário, acho que, independentemente dos resultados, é sempre excelente que a abstenção seja baixa. Vínhamos num crescente desde 1975, que agora, pela primeira vez, se reverteu. Eu devo isto a um factor: temos uma população mais instruída, que sabe que deve votar. Temos jovens com mais consciência política. O povo é soberano e o povo decidiu.

    Esperava-se que ganhasse a AD ou o PS, qualquer dos dois com pouca margem um do outro. Aguardamos ainda os quatro deputados do círculo da emigração (onde me incluo), porém, há um dado inegável: o governo que sair deste acto eleitoral será um governo minoritário. Abrem-se várias equações: para a AD governar, o PS e o CHEGA têm de deixar. O CHEGA obteve 48 deputados. Superou o resultado do PRD em 1985, que ficou, salvo erro, com 45. Instalou-se como grande terceira força política. E quer fazer parte do governo. São pretensões legítimas. Tão grande expressão eleitoral dá-lhe legitimidade nesse sentido, ao não conseguir a AD, nem com a Iniciativa Liberal, a maioria absoluta. Maioria absoluta que o PS também não conseguiria com toda a esquerda junta - a esquerda à esquerda do PS teve um resultado desastroso. A CDU esteve à beira de desaparecer.

   A Luís Montenegro, assumindo que o “não é não”, resta-lhe governar em maioria relativa, ou em minoria, que é a mesma coisa, repetindo o que Cavaco Silva fez em 1985. Esse governo de 85 caiu dois anos depois, em 1987, com uma moção de censura do PRD, que vingou na AR com os votos do PS, e que representou dois tiros nos pés e um na cabeça desse partido próximo a Ramalho Eanes, que passou de 45 deputados para 7, nas eleições de 87. É possível fazê-lo, contudo, não será um governo para uma legislatura. Entretanto teremos, ainda este ano, eleições europeias, e no início de 2026 as presidenciais, sendo que o Presidente fica impossibilitado de dissolver a AR nos seis meses finais do seu mandato e nos seis iniciais da eleição da Assembleia da República. Agora jogar-se-á nos bastidores. Para formar um governo minoritário, Montenegro necessitará de ter um bom ministro dos assuntos parlamentares. Necessitará de negociar com todos (e isso implica o CHEGA e o seu 1 milhão de votos). Será um jogo de equilíbrio. Eu entendo que, ainda assim, muito dificilmente um governo minoritário aguentará 4 anos. A ver vamos. Por agora, tudo são conjunturas e especulações. Voltarei seguramente a este assunto.

6 de março de 2024

Quatro anos em Espanha.


   Por estes dias cumprem-se quatro anos desde que vivo em Espanha. Quatro anos. O tempo passa a voar. O mais engraçado é que vim com bilhete de ida e volta. Não sei se já contei esta história. Eu e o meu marido conhecemo-nos nos finais de 2017, em Lisboa. Ele acabava o seu período como médico de formação (já estava licenciado, fazia os estágios necessários) e eu andava em Direito, a não fazer nada, por andar. Mantínhamos uma relação à distância fruto das nossas circunstâncias pessoais. Em 2020, numa das suas viagens para estar comigo, em Lisboa, combinou-se que eu iria muito em breve à Galiza para conhecer o território. Assim foi. Em finais de Fevereiro do mesmo ano, vim, com ideia de voltar em duas semanas, no máximo, até porque a minha mãe já estava doente.

    Depois tudo se precipitou. Fui ficando e ficando, e até hoje. A minha mãe foi a responsável em certa medida. As mães pensam mais nos filhos do que nelas próprias, e quando me dispus a voltar, disse-me para que não o fizesse, que aqui estaria melhor. E tinha razão. Eu vivia com ela e o seu companheiro, numa relação muito atribulada - dávamo-nos muito mal, eu e ele.

   Entretanto já mudei de casa, a minha mãe e o companheiro partiram, pelo meio foram-se o meu pai e a minha avó, perdi toda a família que me restava em Portugal e continuo aqui. A vida, o destino, Deus, o que lhe queiram chamar, leva-nos por caminhos imprevisíveis.

3 de março de 2024

Uma casa.


   Começarei por um pequeno resumo: quando vim viver para Espanha, fui para uma pequena aldeia de 2.000 habitantes. Arrendámos um apartamento, um lugar muito simpático, acolhedor, com umas vistas lindíssimas sobre os montes. Umas vistas de sonho. Vivemos ali cerca de 2 anos e alguns meses. A aldeia era realmente muito, muito pequena. A transição de Lisboa para aquele lugarejo não foi fácil. Rapidamente me fartei e comecei a pressionar o meu marido para sairmos. Decisão errada. Quem não as comete, não é? Erramos tanto ao longo da vida.

    Pressionado por mim e também porque ali não tinha posto fixo como médico, em 2022, finais, mudámo-nos para uma vila, a 40km daquela aldeia, com 15.000 habitantes, após o M. ter firmado o seu contrato como médico definitivo (na aldeia estava numa situação provisória, como médico interino). Desta vez, e porque não nos quiseram arrendar um apartamento pelo facto de termos um cão, tivemos de comprar um apartamento meio à pressa, sem poder escolher e reflectir em condições (a nossa ideia era arrendar primeiro e depois, com calma, comprar uma casinha). Também não queríamos gastar muito dinheiro num apartamento -o fito da casa sempre esteve presente-, pelo que “agarrámos” em dois e lá nos decidimos por um porque teve mesmo de ser.

     De umas vistas maravilhosas sobre as montanhas, passei a ter umas sobre o prédio da frente. A par disso, mais ruído; contudo, o pior são os vizinhos. Por baixo de mim vivem uns tipos que fumam marijuana, de muitíssimo mal aspecto, com quem já me indispus várias vezes. São barulhentos, não respeitam o horário de descanso, enfim. Ficam com uma ideia do meu tormento. Admito que exagere um pouco, sou mesquinho, mas a verdade é que não era esta a ideia que tinha da vila; ou seja, quando saí da aldeia, pensei que viria para melhor, que seria mais feliz, e tal não sucedeu. Sim, aqui há mais comércio, tenho mais por onde me mover, mas vivo num apartamento que detesto, com uma decoração que detesto (comprámo-lo mobilado - teve de ser tudo à pressa), com uns vizinhos que abomino.

     Este apartamento nunca foi uma decisão definitiva. O fito da casa estava e está presente. O que se passa é que o meu marido é esquisito com todas as casas que vemos e vimos, nenhuma lhe agrada -sobretudo pelos preços, que até poderíamos pagar-, e entretanto a minha saúde mental, já de si frágil, vai-se deteriorando. Além de sempre ter querido ter um pequeno jardim -nada de extravagâncias, não quero um palácio nem lá perto-, vejo-me a viver numas condições que não suporto, entre uma gente que, e permitam-me, não está ao meu nível e nem sequer ao do M., um médico. Ele quer uma casa boa, bem localizada, com jardim, bem construída e barata. Quer o céu e mais alguma coisa. Isso não existe. Ou é cara e boa, ou é barata e há que fazê-la toda de novo. E, repito, até nos podíamos permitir comprar uma casa bem boa. Para ele, podemos esperar, ir vendo. Eu não sou tão paciente, e sofro muito mais (ele não sofre nada) com o facto de vivermos aqui. Todas as casas que visitamos não lhe servem, e vamos ficando, ficando…

      Estou muito infeliz aqui. Muito. Não sei quanto tempo vai durar esta situação. Sei que não posso e não devo exigir mais -é o meu marido quem cuida de mim-, mas ao mesmo tempo estou no limite das minhas forças. De todas elas. 

   Esta publicação foi um desabafo. Um desabafo. Só posso escrever. Não o quero aborrecer mais, e já não tenho mãe nem pai com quem possa falar.