Carlota Joaquina será, sem dúvida alguma, uma das personagens mais controversas e enigmáticas da História de Portugal e do Brasil. Maltratada pelas historiografias portuguesa e brasileira, que deturparam a sua imagem, sobretudo pelas suas fortes convicções anti-liberais, Carlota Joaquina ficou para a posterioridade como uma mulher feia, maquiavélica, adúltera e inescrupulosa.
Filha primogénita dos monarcas espanhóis, Carlos IV e Maria Luísa Teresa de Borbón, Carlota nasceu a 25 de Abril de 1775. Aos dez anos casou por procuração com o príncipe D. João (futuro D. João VI) que, a esta data, era apenas o filho secundogénito da rainha D. Maria I e do rei D. Pedro III de Portugal, não sendo herdeiro da Coroa em virtude de ainda estar vivo o seu irmão mais velho, D. José, que por infortúnios do destino (e da religiosidade cega de sua mãe que não permitiu a inoculação contra a varíola), nunca chegou a reinar, morrendo em 1788.
Carlota era uma mulher determinada, convicta, ardilosa (no melhor sentido da palavra) e inteligente, o que compensava os seus parcos atributos físicos de que as crónicas da época assim dão conta. Como princesa real, Carlota teve uma educação esmerada, sabendo várias línguas cultas e sendo conhecedora em vastos domínios do saber.
A França e a Espanha (sua terra natal) tornaram-se aliadas políticas contra a Inglaterra, tentando que Portugal aderisse à aliança, voltando costas ao seu tradicional aliado. Era do interesse da França que a Espanha invadisse Portugal, situação que se agudizou com a queda do Directório no golpe do 18 Brumário de 1799, levando à progressiva ascensão de Napoleão Bonaparte e das suas subsequentes ideias imperialistas em torno da Europa. A hesitação de Portugal levaria à invasão espanhola de 1801, em que foram ocupadas várias praças portuguesas (nomeadamente Olivença que, ao contrário das restantes, não mais nos foi restituída).
Carlota, apesar de espanhola, defendeu os interesses de Portugal e não deixou de avisar Carlos IV do perigo que Napoleão representava, demonstrando a sua perspicácia política.
Poucos anos mais tarde, Napoleão estava decidido em dominar a Europa e o mundo, ultimando Portugal ao Bloqueio Continental a Inglaterra (ao qual não aderimos) e que nos custaria as invasões francesas e a fuga da Corte para o Brasil, em 1807. Carlota, princesa regente, acompanhou o seu desavindo marido e toda a família real na viagem para a maior e mais rica colónia portuguesa.
Em Espanha, Napoleão substituíra Carlos IV no trono pelo seu irmão José Bonaparte, tornando este último rei de Espanha e do seu vasto império colonial. Uma vez que Carlos IV havia anteriormente abdicado da Coroa em favor do seu filho Fernando VII, reconhece-se Fernando VII como o rei deposto. A família real espanhola foi exilada, restando Carlota Joaquina como único membro da família real espanhola que estava longe da alçada de Bonaparte. Os domínios espanhóis na América Latina recusaram-se a reconhecer José Bonaparte como legítimo soberano, ameaçando a emancipação, o que levou a germinar em Carlota Joaquina a possibilidade de se tornar rainha daqueles territórios ou, no mínimo, regente em nome do seu irmão. Veja-se a sua ambição, para uma mulher que vivia nos inícios do século XIX! Procurando apoios atrás de apoios, nomeadamente do Reino Unido, correspondendo-se directamente com o governo inglês, o que indignou D. João e também causou uma mal impressão nos ingleses, Carlota tentava construir a sua teia diplomática. Avisado pelo embaixador britânico no Rio de Janeiro, lord Strangford, de que se Carlota conseguisse subir ao trono nas colónias espanholas depressa se livraria de si, D. João ficara assustado, negando a permissão a Carlota Joaquina para que esta se ausentasse do Brasil, num pedido formulado por Carlota ao receber a notícia de um emissário argentino que a avisou de que se fosse para o Rio da Prata, depressa seria aclamada rainha. Um plano que lhe sairia gorado.

Também D. João pretendia unir as colónias espanholas, sobretudo os territórios do Rio da Prata, e o Brasil sob o seu ceptro real, argumentando de que era seu direito fazê-lo, como esposo da única princesa espanhola legítima em liberdade e devido às invasões francesas e espanholas em Portugal, a esta altura um reino destruído e arruinado. Evidentemente, Carlota não queria que esta política expansionista se desse à custa de territórios que clamava como seus. Os planos de D. João não lograriam, pois, à margem de intrigas feitas pelo Reino Unido, que pretendia a independência das colónias espanholas e não a sua união sob a Casa de Bragança, falhou os seus intentos, arrastando consigo as pretensões de Carlota Joaquina.
Já desde os tempos da permanência da Corte na metrópole que era conhecida a incompatibilidade de Carlota com o príncipe D. João. No Brasil, as diferenças subsistiram. Cada um vivia no seu palácio, numa malha de intrigas e maledicências. Carlota tinha um comportamento sensual e erotizado, imaginando-se como rainha por direito próprio (e não consorte) e tendo aventuras extraconjugais, com relatos de affairs com escravos africanos. Verdade ou mentira, dificilmente se saberá.
Com o fim da Guerra Peninsular, despoleta a Revolução de 1820 que exige o imediato regresso da Corte a Portugal. Carlota Joaquina e D. João VI, já reis desde 1816 com a morte de D. Maria I, regressam com toda a família real, ficando, como se sabe, D. Pedro como regente no Reino do Brasil.
Em Portugal, os monarcas foram obrigados a jurar a Constituição de 1822 e o novo regime liberal, tendo-o recusado Carlota Joaquina, que prontamente não jurou a Constituição, mostrando-se contra o regime liberal e engendrando com o seu filho, D. Miguel, estratégias para derrubar o liberalismo e restaurar a antiga ordem absolutista. A ideia de Carlota seria a de destronar o seu marido, assumindo a regência e colocando o seu filho predilecto, D. Miguel, como comandante supremo do exército. O facto de não jurar a Constituição em muito indignou as Cortes, que houveram estabelecido de que todos os portugueses deveriam jurá-la sob pena de expulsão do reino. D. João VI contornou a situação enviando Carlota para a Quinta do Ramalhão, fundamentando a atitude com uma doença desta.
No Ramalhão, Carlota manteria os seus planos ousados. As primeiras revoltas contra o liberalismo, a Vilafrancada, em 1823, e a Abrilada, em 1824, tremeriam o novo regime liberal, com D. Miguel por detrás destes movimentos conspiratórios. Com o movimento conhecido como Vilafrancada, D. Miguel conseguiria o posto de comandante supremo do exército; com a Abrilada, que pretendia afastar de vez o liberalismo, os intentos não foram prosseguidos, tendo D. João VI conseguido afastar os revoltosos absolutistas sob protecção de uma nau inglesa que estava ancorada no Tejo. Destituiu D. Miguel do cargo e, à grande mentora do projecto falhado, Carlota, exilou para sempre em Queluz, estando proibida de regressar à Corte.
Terá Carlota parado?
Com a morte de D. João VI, em 1826, Carlota continuou a influenciar D. Miguel para a tomada do poder, o que acabaria por acontecer em 1828, após dois anos de regência da sua filha Isabel Maria. À Guerra Civil entre liberais e absolutistas, encarnados em D. Miguel e o seu irmão D. Pedro IV (I do Brasil), não viveria o suficiente Carlota para assistir. Morreria a 7 de Janeiro de 1830, abandonada e sozinha, esquecida por D. Miguel que, chegando a rei, esquecer-se-ia da sua mãe, não a tirando a tempo do desterro.
Carlota Joaquina foi uma mulher de fortes convicções, ambiciosa e pragmática. Nada sentia por D. João VI, o que não impressiona numa época em que os casamentos reais eram celebrados por interesses político-estratégicos, em alianças estabelecidas entre as respectivas famílias reais. A ligação de Carlota ao Absolutismo, que saiu fracassado na Guerra Civil, haveria de criar o mito de mulher má e conspiradora. E se é verdade que "onde há fumo, há fogo", também não é menos verdade de que hoje Carlota seria apenas e só uma mulher determinada, como tantas que, felizmente, temos.