22 de abril de 2021

O Botequim da Liberdade.

 

   Há umas semanas, terminei de ler O Botequim da Liberdade, um livro de Fernando Dacosta sobre o famoso bar lisboeta que Natália Correia ergueu, local de peregrinação de muitos vultos da política e dos meios intelectuais e literários que por ali se juntavam para recitar poesia, bradar contra o regime, exaltar os ânimos, provocar os demais presentes. Por lá se organizavam tertúlias, saraus, sempre tendo Natália como anfitriã e figura central. Senhora de forte personalidade, contundente nas opiniões, assertiva nas premonições, lúcida nas análises que fazia a Portugal e ao mundo, Natália Correia era irascível, autoritária e arrogante quando queria, granjeando inimizades, ainda que também soubesse encetar boas e longevas relações de amizade. Algo, todavia, parece certo: vínculos com quem lhe poderia ofuscar o brilho estavam afastados.

   Na obra, Dacosta pretendeu dar a conhecer ao grande público quem foi, de facto, Natália Correia, contando, ao longo de vários capítulos, aventuras, episódios e peripécias que terá vivenciado ou de que terá tido conhecimento, sempre envolvendo a polémica escritora, deputada, poeta (e não poetisa, termo que, à semelhança de Sophia de Mello Breyner, rejeitava - e as semelhanças entre as duas ficam-se por aqui). Natália Correia foi profundamente livre, e a liberdade acarreta a solidão, não raras vezes, que quem se dá ao luxo de ser livre e não ceder à hipocrisia social arrisca-se a terminar só. Natália Correia não terminou só, tinha amigos, muitos, pessoas que sabiam lidar com o seu forte génio; uma figura magnética, tão encantadora como repulsiva, suscitando reacções de extremo.

  Identifico-me largamente com Natália Correia, salvas as devidas distâncias. Longe de mim querer equiparar-me a uma das mais destacadas figuras femininas do século XX português, e convém frisar-se bem o feminina porque Natália foi, antes de mais, uma femininista, e não feminista (termo que também recusava), acima de qualquer dúvida, defensora da igualdade entre os sexos. Identifico-me com Natália na liberdade, no inconformismo, na transparência. Liberdade de ser, pensar, agir. Liberdade crítica, criativa.

   Natália Correia abandonou-nos em 1993. Portugal não teve muitas mulheres que se tenham elevado da penumbra e dos entraves que os homens constantemente colocam ao Outro. De entre elas, Natália Correia é a que melhor recordamos.

2 comentários:

  1. Bela sugestão. Foi uma grande mulher. Lembro-me daquele poema que ela escreveu no parlamento para responder a um deputado! :)

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    1. Sim, esse ficou muito famoso, e creio que também a tornou (mais) famosa. O deputado em causa chamava-se qualquer-coisa Morgado, e era do CDS. Discutia-se a interrupção voluntária da gravidez logo no início dos 80. Um tema polémico para a época e que também o foi muito depois, como se viu.

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