A política brasileira, como bem sabemos, encontra um eco especial em Portugal, principalmente pelos laços históricos. Não haverá português que não tenha um amigo, um conhecido, brasileiro. Falamos numa proporção de 209 milhões de habitantes para 10 milhões e meio. O Brasil tem influenciado Portugal a nível cultural, o que se verifica na hegemonia nas produções fictícias durante décadas, na música e inclusive na onomástica nacional. Nos últimos quarenta anos, os portugueses absorveram expressões brasileiras, cantaram Gal imaginando-se no Leblon, baptizaram os filhos de Amanda e Bruno.
Há um carinho, que nem sempre se reveste de palavras amorosas, pelo Brasil. Como em todas as famílias, às vezes chateamo-nos, ficamos magoados. Quando a dor passa, voltamos a brincar uns com os outros, a achar caricata a forma de falar de uns, a criticar os erros de outros. Portugal, e o mesmo se passará com qualquer antiga potência colonizadora, tem certo ascendente histórico sobre o Brasil. Culturalmente, nem tanto, que cedo o antigo domínio se afastou dessa influência. No que respeita à Língua Portuguesa, por exemplo, os brasileiros não buscam em Portugal qualquer referência. Têm a sua norma, orgulham-se dela (mesmo que nem sempre a saibam usar) e até a souberam impor, não vale a pena disfarçá-lo, a Portugal, que abrasileirou a sua escrita, ao contrário do que fizeram alguns dos países africanos. De duas grafias, passámos a três (ou mais), pois desengane-se quem pensa que o Acordo veio uniformizar seja o que for. Outro assunto.
E assim ficaríamos, Portugal e o Brasil, vivendo nesta inconstância, alternando entre o amor e o ódio. Há milhões de brasileiros que nos adoram, outros tantos que nos detestam. E há, claro está, políticos que se aproveitam disto para ganhar votos, quer à esquerda, quer à direita. À esquerda, já me cansei de ler e ouvir que matámos, abusámos, roubámos o ouro, invadimos, por aí fora. Um sem-número de chorradas demagógicas e populistas, revestidas de pouca exactidão e coerência históricas. À direita, há políticos que se insurgem e que dizem umas quantas verdades, incómodas, claro, que vivemos na era do politicamente correcto (ou pelo menos exige-se a uns que sejam politicamente correctos, que outros podem dizer todo o tipo de alarvidades).
Numa era global, uns dirão que as declarações de Bolsonaro são perigosas, quando afirma que os portugueses « não pisaram na África », aludindo ao facto de adquirirmos escravos a outros africanos, que os vendiam. Não é nenhuma mentira. É verdade. E se isto melindra alguns, também me melindra que digam, como Lula da Silva disse, em Espanha, à frente do monarca espanhol, que o Brasil é atrasado por culpa de Portugal. Sinceramente, há alguém com dois dedos de testa que veja nesta retórica algo de benéfico para as sãs relações entre dois países umbilicalmente unidos? Eu não.
Enquanto português, apoiar Lula da Silva ou Ciro Gomes seria quase como pegar num chicote e flagelar-me, depois de ser açoitado por milhões de brasileiros e ainda por outros tantos portugueses, idiotas, que apoiam quem não demonstra pudor algum em demonizá-los além-oceano. É isso que eles fazem. Lula vinha cá, esbanjava sorrisos e proferia cínicas palavras simpáticas. Chegado ao Brasil, pintava os portugueses como verdadeiros monstros. E há quem os defenda, aqui, em Portugal. O ódio internalizado é o pior, de facto. Os portugueses são prodigiosos em odiar-se. Se houver quem os ajude nessa tarefa, ainda agradecem e pagam, se preciso for.
A par de tudo isto, a situação do Brasil não me é indiferente. Eu vejo um país mergulhado no caos social, com índices de violência alarmantes, com uma insegurança que se pressente em cada linha que um brasileiro nos dirija em desabafos. Viver-se no Brasil, é o que sinto, com muita pena, não é agradável. Os brasileiros estão desiludidos. Naquelas escalas de felicidade, a segurança compreende um perímetro vasto. Não há felicidade alguma sem paz social. Os brasileiros não têm essa paz, ao contrário de nós, por exemplo, que podemos ter dificuldades, que as temos, mas moramos num país seguro e tranquilo. Ainda que custe a ler ou a ouvir, o Brasil precisa de ordem, e a ordem impõe-se. Não através da pena de morte, desumana, mas de medidas concretas, que poderão restringir direitos, liberdades e garantias, sim, se tal se justificar em nome da paz social. Não há justiça onde não há paz social, onde os cidadãos não vêem os seus direitos acautelados, onde impera o terror nas ruas. Por vezes, perguntam-me se fosse em Portugal, o que eu pensaria. Se Portugal vivesse estes tenebrosos dias que o Brasil vive, defenderia exactamente o mesmo. Haveria de preferir prescindir de uma parcela da minha liberdade em nome da segurança. Não seria livre se a minha liberdade fosse permanentemente ameaçada pelo medo de uma arma. Bolsonaro não é um salvador da pátria, porém propõe-se a lutar contra o flagelo da criminalidade no Brasil, seguramente o maior entre os problemas daquele país, o que mais o obscurece aos olhos da comunidade internacional e dos próprios brasileiros.
Bolsonaro peca pela sua falta de eloquência. Altera o tom de voz, consegue ser rude. É um homem com ideias num país difícil. É evidente que há muito nele que não concordo. Sou contra a pena de morte, oponho-me ao uso da tortura. A pena de morte é degradante, a tortura idem. É um método incompatível com qualquer estado que respeite a dignidade humana. Entretanto, Bolsonoro tem razão quando se opõe à discriminação positiva que favorece os afro-brasileiros. Não há qualquer dívida histórica. As pessoas devem atingir os seus patamares através do mérito, e isso consegue-se facilmente numa sociedade onde todos sejam iguais, independentemente da cor da pele. Em relação à comunidade homossexual, é muito coerente também. Nada tem contra homossexuais, mas não quer, como eu não haveria de querer, que o lobby gay entre nas escolas, com programas e currículos. Ensinar-se que a homofobia é errada, sim; mais do que isso, não. E não há ponta de racismo ou de homofobia neste discurso de Bolsonaro. O que há, sim, da parte dos seus opositores é incapacidade em lidar com a sua determinação, principalmente com o contraditório. Custa-me a aceitar a visão que têm da democracia: a democracia só existe no limite da convergência. E ai de quem ouse ter ideias próprias que atentem contra o establishment.
Não sei realmente o que é os que brasileiros preferirão. Da minha parte, começo a habituar-me ao desdém pelos portugueses. O ensino está totalmente dominado pela esquerda política, que desde Paulo Freire se dedica a manipular a informação segundo lhe convém. Eu, por exclusão de partes e por tudo o que mencionei, já fiz a minha escolha, no que me é dado a permitir escolher.