29 de agosto de 2018

Slender Man & Holidays.


   Antes das férias, ainda fui ao cinema ver um filme de terror, o Slender Man. Não sei que descoordenação é esta que me leva a gostar de filmes que são arrasados pela crítica, ao passo que outros, aclamados, tendo a considerar lixo. Pelo menos tenho opiniões próprias. Longe de ser um filme excelente, este Slender Man, em terror, é do melhorzinho que se fez nos últimos tempos. Falo-vos a sério. A personagem enigmática, que surgiu pela internet e que ganha aqui corpo, ainda que disforme e aterrador, perturba um pouco. Vai da sensibilidade de cada um. Eu não sou facilmente impressionável (com os filmes de terror).

   Sucintamente, Slender Man é um ser que se evade dos bosques e que tem como alvos crianças e adolescentes. Invocado através de um vídeo, não convém mirá-lo de frente, caso contrário persegue as suas vítimas até as enlouquecer ou aniquilar, começando por as atormentar, desde logo, com um quadro de alucinações. É neste novelo que se vê envolvido um grupo de quatro raparigas amigas.

   Os filmes de terror não conseguem fugir de certos clichés: os planos de suspense, a penumbra, os pesadelos, por aí. Fora isso, num meio já bastante esgotado, creio que conseguiram criar uma atmosfera potencialmente assustadora. As interpretações, que não são nada de extraordinário, estão ao nível de um filminho de terror teenager. O final desilude, é fraco.


   Irei rumar ao sul por uns dias. Estarei, como de costume, na província mais meridional de Portugal Continental. Exactamente de hoje a quinze dias, inauguro uma nova fase da minha vida. Não sei se nova será o melhor adjectivo; sê-lo-á, sim, se considerarmos os anos recentes. 

See you soon,
Mark

22 de agosto de 2018

Down a Dark Hall.


   Um filme que não sei catalogar se de terror ou drama. É uma mistura de ambos os géneros. O cinema actual padece dos males que afectam a indústria musical: parece que já vimos algo igual. Digam-me lá quantos filmes conhecem que sejam ambientados em casas assombradas? Milhentos. Quantos guardam na memória? Zero. O mesmo se aplica a estórias de miúdos problemáticos, neste caso miúdas. O argumento seria bom se fosse explorado de outra forma. Tem os condimentos necessários num bom filme de terror. Códigos, misticismo. A fórmula é que não funcionou; não pelos efeitos, que não os há em demasia, mas pelas interpretações, más e frívolas, e pela sequência desastrosa que o faz monótono, previsível. Partes há em que praticamente rimos, sobretudo no final. 

   Do realizador de Buried, este filme em nada se assemelha ao primeiro nos requisitos qualidade e surpresa. Se surpreende, fá-lo pela negativa. Buried deixa-nos ansiosos até ao último instante. É claustrofóbico - naturalmente - e perturbador. Este, por seu turno, não suscita nem medo nem pena daquelas jovens delinquentes. É cliché, desinspirado. Uma Thurman também não convence. Age forçadamente. A interpretação não lhe saiu com naturalidade. 
   Para esquecer em poucos dias.

18 de agosto de 2018

Aretha Franklin (1942 - 2018) & Madonna (1958).


   Não podemos dizer que tenhamos sido surpreendidos com a partida de Franklin. A Diva da Soul estava doente, moribunda, vinda de uma luta de oito anos contra um carcinoma no pâncreas - um dos piores, para quem não sabe. Com uma expectativa de meses, a cantora viveu oito anos. É uma grande perda para a soul music e para a música negra, em geral. Aretha Franklin possuía um timbre inconfundível. Inspirou tantas outras artistas, e tinha uma carreira consolidada de várias décadas.

   A autora de Respect procurou, em 1985, imprimir um tom mais popular e jovial ao seu registo. Saiu-lhe um dos maiores êxitos, Freeway of Love, que vos deixo aqui em baixo e que é a minha favorita do seu repertório.


   Madonna, a outra rainha, desta feita da Pop, completou 60 anos de idade no passado dia 16, o mesmo da passagem de Franklin. E se Aretha Franklin era, sobretudo, uma artista de outras gerações, Madonna é de todas elas. Vejo pessoas bem mais velhas, e outras mais novas, do que eu a seguir a carreira da irreverente performer, que anda nestas lides há mais de trinta anos. É de 1958, do ano da minha mãe e de outro grande artista já falecido, o lendário Michael Jackson. Lançou-se no mercado em 1983, com o álbum homónimo. De lá para cá, entre polémicas, ousadia e muita criatividade, Madonna atravessou mil estilos, reinventou-se várias vezes e não tem parado de nos surpreender. A morar em Lisboa, adivinha-se que o próximo álbum tenha influências do fado e da morna, estilos assumidamente do gosto da cantora.

   Gosto de várias das músicas de Madonna, e tenho mesmo alguns álbuns. Escolhi a Like A Prayer para vos deixar aqui. Uma das minhas predilectas. É uma canção de 1989, do álbum Like A Prayer, e suscitou uma enormíssima polémica pela letra, também, e particularmente pelo controverso vídeo. Madonna beija um santo de cor, que se transforma em homem e com quem faz amor dentro da igreja. Pelo meio, aparecem-lhe os estigmas de Cristo nas mãos, há um coro gospel e as cruzes a arder do Ku Klux Klan. João Paulo II, Papa de então, apelou ao mundo católico para que banisse o vídeo e às autoridades italianas para que não deixassem Madonna pisar em solo italiano. Outros tempos, em que não havia internet e nem a sociedade de consumo estava tão massificada. Hoje em dia, nada é mais polémico do que por uns cinco minutos, e os artistas caíram na vulgaridade total. Madonna tinha as suas causas, mexia com o sagrado e mordia os calcanhares da religião. Os que se lhe seguiram gostam de escandalizar por escandalizar, sem qualquer elegância ou motivação.


15 de agosto de 2018

Jardim do Torel & The Bookshop


   De entre os jardins de Lisboa, o pequeno Jardim do Torel é um dos que me é mais encantador. Pelo tamanho diminuto, pela inacessibilidade e pela vista. Situado perto do Campo dos Mártires da Pátria, chegamos lá através do Elevador do Lavra ou subindo a encosta, o que só aconselho à tardinha.

  Tem sido o meu refúgio pelas tarde. Sento-me num dos seus bancos a ler. Só os lisboetas sabem como é difícil encontrar um lugar que seja calmo para pôr a leitura em dia. O Torel, a menos que surjam uns quantos desordeiros, é calmo. A fonte de baixo estava seca da última vez que lá estive. Alguns turistas aproveitam a sombra e estendem-se confortavelmente na pouca área relvada que está disponível. Por estar situado ao alto da encosta, proporciona-nos aragens frescas. As noites também têm estado particularmente frias para a época.

  O Jardim do Torel surgiu de uma quinta do desembargador Cunha Thorel, rico homem. Já no século XX, o espaço foi cedido à Câmara Municipal de Lisboa, que se decidiu pela sua requalificação em jardim e miradouro, simultaneamente.

Captada por mim, há dois dias.
 
   Ontem, fui ao cinema. Vi o The Bookshop, inspirado num romance de Penelope Fitzgerald. É quase uma alegoria à determinação de uma mulher comum, normal, em abrir uma livraria num vilarejo pejado de pessoas estranhas. O autorrecluso enigmático, sobre o qual circulam todo o tipo de estórias, a megera requintada, o dandy esquisito e inescrupuloso. Creio que só encontramos semelhanças com a nossa realidade nos comentários toscos e quadrilheiros das vizinhas.

   Lição de moral: nem sempre, por melhor intencionados que sejamos, conseguimos vencer forças maiores, sobretudo quando elas têm tentáculos e se conjugam para nos destruir. Ficamos sem saber qual o interesse de todos naquela Casa Velha, o que ela terá, a par da antiguidade, de tão extraordinário que mereça tantos golpes baixos para minar uma livraria que só traria bons hábitos de leitura a um aglomerado populacional que certamente deles precisaria.

  Gostei das interpretações dos actores, nomeadamente de Emily Mortimer e Billy Nighy. Há uma cena em particular, enquanto ambos tomam chá, em que senti tamanha emotividade no discurso e na expressão facial de Billy, aqui no charmoso e galante Edmund Brundish. De igual modo, a fotografia surpreendeu-me pela positiva. Paisagens magníficas, embora escuras e cinzentas, da Irlanda do Norte. Inexcedível.

12 de agosto de 2018

Shopping day.


   Há muito tempo que não relato nenhum episódio de compras no blogue. Fazia-o amiúde em miúdo, bem a propósito que até rima. A silly season também é propensa a devaneios destes, na falta de melhor assunto. A completar, como terão reparado, suspendi, a tempo indeterminado, os meus passeios culturais. Pelo calor, pela apatia e porque, entretanto, novos desafios virão, e desta vez é que vêm mesmo. Saberão de tudo muito em breve. Passemos, então, às compras!

   Não posso dizer que seja um rapaz dos saldos. Quando posso, aproveito-os. Se vir algo de que goste e tenha dinheiro comigo, compro, independentemente de estar ou não em época de descontos. Sempre fui extraordinariamente consumista. Comprar anima-me, faz-me sentir melhor, mais alegre. Tem sido assim. É evidente que é uma forma quase inconsciente de suprir outras carências, também o sei, e não de agora, mas as coisas são como são. Se não os podes vencer, junta-te a eles. Compro, assumo que o faço. E, se o faço, é porque algum dinheiro terei. Não irei explorar aqui a minha vida, podendo dizer-vos que, desde há quatro anos, perdi poder de compra. Vicissitudes. Não fiquei pobrezinho, mas também não nado em dinheiro. O que não sou, isso não, jamais, é dissimulado, como uns e outros que andam por aí, que compram este mundo e o outro, e eu nada tenho com isso, mas que adoram pôr a máscara de carenciados quando lhes convém, enganando incautos e ingénuos. Como de parvo, graças a Deus e aos bons genes, não tenho nada, não me deixei cair no conto do vigário. Lá nos diz o velho ditado: « Podemos enganar algumas pessoas o tempo todo, ou todas as pessoas durante algum tempo, mas jamais todas as pessoas por todo o tempo ».

   No mês passado, na Pull&Bear, comprei uma jaqueta castanha e uma t-shirt com riscas azúis, Combinam, as peças, na perfeição. Já depois disso, comprei uns calções também em tons de azul (claro) e uma t-shirt em amarelo-torrado, ambos na Springfield, que fará pendant com uns ténis novos da Element, de cor mui parecida. Ontem, fui ao El Corte Inglés e deixei lá umas notas. Como, a priori, irei rumar a sul por uns dias, comprei uns calções de banho novos, da Nike, giríssimos, uma toalha de praia da Lightning Bolt, caríssima, um boné da mesma marca e uns chinelos da Calvin Klein. Odeio chinelos, começando pelo substantivo, que é horrível, mas realmente não há melhor para a praia. Precisava de uma boa toalha de praia, que a minha da Adidas, que tem uns vinte anos, está desgastada do sol. Quanto aos calções, tenho alguns pares; queria uns vermelhos, e estes que encontrei, da Nike, vão ao encontro do que procurava. Perguntar-se-ão: "Mas ele só ligará a marcas?" Não ligava, é verdade, todavia, de há uns tempos para cá, venho-me interessando mais pela marca. A marca dá estatuto. Não vale a pena andarmos aqui a negar o que todos sabemos. Uma peça de roupa de marca, a par da qualidade, impressiona, torna-nos mais vistosos. Assim como um bom perfume (estou a precisar de um!). Já me esquecia, comprei também uma carteira da Eastpak, para combinar com a minha mochila nova, da mesma cor, a estrear.

   Comprei tudo em saldos. Não falarei em preços porque é do mais deselegante que há. Posso adiantar-vos que, mesmo assim, não compensou muito. Descontos na ordem dos 30 %, 40 %. Pagamos o selo Corte Inglés, que se soma às marcas. 
   Gosto de coisas boas. O tecido da toalha, por exemplo, não se compara ao de outras. O bom, paga-se. Por enquanto, está tudo comprado. Para as férias, arrumei o assunto, e são sempre artigos que ficam para anos seguintes.

   Para a faculdade (sim, era a novidade!), adquiri de tudo no ano passado (e acabei por não ir…), não havendo material a comprar (excepto códigos e livros). Encerrado. De roupa, perdi a conta a tudo quanto tenho por estrear. E não desfalquei as minhas economias. Preciso de um relógio castanho, de um perfume, de um cinto e de uns sapatos castanhos. Tenho milhentos pares de sapatos, inclusive castanhos, mas não os que quero. E talvez compre um fato, que já não aprecio os que tenho. É tudo.

   Há novidades, há-as. Descortinei um bom pedaço, ou quase tudo. Na rentrée, adiantarei o resto, com as compras na mão, claro. Já ganhava era uma comissão por tanta publicidades. (risos)

9 de agosto de 2018

Backstabbing for Beginners.


   A quem se interessa por thrillers com romances improvisados pelo meio, aconselho. 
  Gostei deste Backstabbing for Beginners, inspirado no escândalo financeiro ligado ao programa de ajuda das Nações Unidas para o Iraque, Petróleo por Alimentos, que atingiu algumas das figuras de topo da organização e altas individualidades do mundo da política e da banca. Um esquema dado a conhecer por um jovem assistente da organização, contratado para acompanhar um subsecretário, o cabeça da ONU na teia de interesses que ligava as Nações Unidas a Saddam Hussein, a grandes empresários e banqueiros. O narrador é Michael Sullivan, personagem principal, o assistente de 24 anos que nos conta como tudo se passou, recuando às semanas que antecederam a invasão do Iraque pela administração Bush.

  Michael Sullivan, aqui interpretado por Theo James, vê-se entre a espada e a parede. Revela o que sabe, põe em causa o seu futuro como diplomata e arrisca a sua vida ou cede à pressão da CIA, da rapariga curda com quem se envolveu numa das suas idas ao terreno e da própria consciência. Sob a aparência de ajuda humanitária, os curdos continuavam a ser massacrados pelo regime de Saddam. Recebiam metade das reservas de comida e medicação fora do prazo de validade. Tudo com o conhecimento de Pasha, o subsecretário da ONU (Bem Kingsley), e de uma máfia que operava no Iraque e que funcionava como vértice entre todos os interessados: os funcionários da organização e as empresas e entidades espalhadas pelo mundo, bem assim como vários políticos influentes. O resto é história: Sullivan denunciou o caso no Wall Street Journal e a ONU passou por uma enorme reestruturação. Os subornos tornaram-se públicos.

  É um filme interessante, um testemunho histórico daquele período conturbado que medeia o pós-invasão e a nova administração provisória do território. Bem interpretado. Quanto ao desempenho dos actores, nada a apontar. O tal romance é que não teve força para mais. Temos ali uma historieta de amor meio sem pés nem cabeça, subaproveitada. O filme não se perde em direcções paralelas, e aí tenho-lhe a dar nota positiva. É bastante objectivo. É-nos dado a conhecer o cinismo que envolve aquilo a que chamam de diplomacia, que às tantas faz com que sangue escorra. Uma vez mais, verbas que podiam ser usadas em benefício de milhões de pessoas carenciadas são desviadas. Tão bem conhecemos como tudo se processa. Para Sullivan, restava fazer a diferença, como queria, ou seguir os conselhos de Pasha e deixar-se enlear naqueles estratagemas que ninguém conseguiria parar, afinal. Pouca ou muita, sempre chegava alguma ajuda aos iraquianos. Fala-se de escrúpulos, em suma. O que é moralmente aceitável ou não. Actualmente, Pasha está a viver no seu exílio de luxo, no Chipre, que não tem acordos de extradição, e Michael Sullivan conseguiu repor alguma credibilidade à ONU.

3 de agosto de 2018

Bolsonaro, sim, e porquê?


   A política brasileira, como bem sabemos, encontra um eco especial em Portugal, principalmente pelos laços históricos. Não haverá português que não tenha um amigo, um conhecido, brasileiro. Falamos numa proporção de 209 milhões de habitantes para 10 milhões e meio. O Brasil tem influenciado Portugal a nível cultural, o que se verifica na hegemonia nas produções fictícias durante décadas, na música e inclusive na onomástica nacional. Nos últimos quarenta anos, os portugueses absorveram expressões brasileiras, cantaram Gal imaginando-se no Leblon, baptizaram os filhos de Amanda e Bruno.

   Há um carinho, que nem sempre se reveste de palavras amorosas, pelo Brasil. Como em todas as famílias, às vezes chateamo-nos, ficamos magoados. Quando a dor passa, voltamos a brincar uns com os outros, a achar caricata a forma de falar de uns, a criticar os erros de outros. Portugal, e o mesmo se passará com qualquer antiga potência colonizadora, tem certo ascendente histórico sobre o Brasil. Culturalmente, nem tanto, que cedo o antigo domínio se afastou dessa influência. No que respeita à Língua Portuguesa, por exemplo, os brasileiros não buscam em Portugal qualquer referência. Têm a sua norma, orgulham-se dela (mesmo que nem sempre a saibam usar) e até a souberam impor, não vale a pena disfarçá-lo, a Portugal, que abrasileirou a sua escrita, ao contrário do que fizeram alguns dos países africanos. De duas grafias, passámos a três (ou mais), pois desengane-se quem pensa que o Acordo veio uniformizar seja o que for. Outro assunto.

  E assim ficaríamos, Portugal e o Brasil, vivendo nesta inconstância, alternando entre o amor e o ódio. Há milhões de brasileiros que nos adoram, outros tantos que nos detestam. E há, claro está, políticos que se aproveitam disto para ganhar votos, quer à esquerda, quer à direita. À esquerda, já me cansei de ler e ouvir que matámos, abusámos, roubámos o ouro, invadimos, por aí fora. Um sem-número de chorradas demagógicas e populistas, revestidas de pouca exactidão e coerência históricas. À direita, há políticos que se insurgem e que dizem umas quantas verdades, incómodas, claro, que vivemos na era do politicamente correcto (ou pelo menos exige-se a uns que sejam politicamente correctos, que outros podem dizer todo o tipo de alarvidades).

  Numa era global, uns dirão que as declarações de Bolsonaro são perigosas, quando afirma que os portugueses « não pisaram na África », aludindo ao facto de adquirirmos escravos a outros africanos, que os vendiam. Não é nenhuma mentira. É verdade. E se isto melindra alguns, também me melindra que digam, como Lula da Silva disse, em Espanha, à frente do monarca espanhol, que o Brasil é atrasado por culpa de Portugal. Sinceramente, há alguém com dois dedos de testa que veja nesta retórica algo de benéfico para as sãs relações entre dois países umbilicalmente unidos? Eu não.

   Enquanto português, apoiar Lula da Silva ou Ciro Gomes seria quase como pegar num chicote e flagelar-me, depois de ser açoitado por milhões de brasileiros e ainda por outros tantos portugueses, idiotas, que apoiam quem não demonstra pudor algum em demonizá-los além-oceano. É isso que eles fazem. Lula vinha cá, esbanjava sorrisos e proferia cínicas palavras simpáticas. Chegado ao Brasil, pintava os portugueses como verdadeiros monstros. E há quem os defenda, aqui, em Portugal. O ódio internalizado é o pior, de facto. Os portugueses são prodigiosos em odiar-se. Se houver quem os ajude nessa tarefa, ainda agradecem e pagam, se preciso for.

   A par de tudo isto, a situação do Brasil não me é indiferente. Eu vejo um país mergulhado no caos social, com índices de violência alarmantes, com uma insegurança que se pressente em cada linha que um brasileiro nos dirija em desabafos. Viver-se no Brasil, é o que sinto, com muita pena, não é agradável. Os brasileiros estão desiludidos. Naquelas escalas de felicidade, a segurança compreende um perímetro vasto. Não há felicidade alguma sem paz social. Os brasileiros não têm essa paz, ao contrário de nós, por exemplo, que podemos ter dificuldades, que as temos, mas moramos num país seguro e tranquilo. Ainda que custe a ler ou a ouvir, o Brasil precisa de ordem, e a ordem impõe-se. Não através da pena de morte, desumana, mas de medidas concretas, que poderão restringir direitos, liberdades e garantias, sim, se tal se justificar em nome da paz social. Não há justiça onde não há paz social, onde os cidadãos não vêem os seus direitos acautelados, onde impera o terror nas ruas. Por vezes, perguntam-me se fosse em Portugal, o que eu pensaria. Se Portugal vivesse estes tenebrosos dias que o Brasil vive, defenderia exactamente o mesmo. Haveria de preferir prescindir de uma parcela da minha liberdade em nome da segurança. Não seria livre se a minha liberdade fosse permanentemente ameaçada pelo medo de uma arma. Bolsonaro não é um salvador da pátria, porém propõe-se a lutar contra o flagelo da criminalidade no Brasil, seguramente o maior entre os problemas daquele país, o que mais o obscurece aos olhos da comunidade internacional e dos próprios brasileiros.

   Bolsonaro peca pela sua falta de eloquência. Altera o tom de voz, consegue ser rude. É um homem com ideias num país difícil. É evidente que há muito nele que não concordo. Sou contra a pena de morte, oponho-me ao uso da tortura. A pena de morte é degradante, a tortura idem. É um método incompatível com qualquer estado que respeite a dignidade humana. Entretanto, Bolsonoro tem razão quando se opõe à discriminação positiva que favorece os afro-brasileiros. Não há qualquer dívida histórica. As pessoas devem atingir os seus patamares através do mérito, e isso consegue-se facilmente numa sociedade onde todos sejam iguais, independentemente da cor da pele. Em relação à comunidade homossexual, é muito coerente também. Nada tem contra homossexuais, mas não quer, como eu não haveria de querer, que o lobby gay entre nas escolas, com programas e currículos. Ensinar-se que a homofobia é errada, sim; mais do que isso, não. E não há ponta de racismo ou de homofobia neste discurso de Bolsonaro. O que há, sim, da parte dos seus opositores é incapacidade em lidar com a sua determinação, principalmente com o contraditório. Custa-me a aceitar a visão que têm da democracia: a democracia só existe no limite da convergência. E ai de quem ouse ter ideias próprias que atentem contra o establishment.

   Não sei realmente o que é os que brasileiros preferirão. Da minha parte, começo a habituar-me ao desdém pelos portugueses. O ensino está totalmente dominado pela esquerda política, que desde Paulo Freire se dedica a manipular a informação segundo lhe convém. Eu, por exclusão de partes e por tudo o que mencionei, já fiz a minha escolha, no que me é dado a permitir escolher.

1 de agosto de 2018

Gotti.


   Julguei, pela curta sinopse que li, que gostaria. Ainda não adquiri aquele bom hábito de ler as cotações dos filmes. É a pior das versões, seguramente, dos tradicionais filmes de mafiosos. É realmente mau, muito mau. Nem John Travolta conseguiu dar a volta por cima, passando hora e meia a tentar torcer o nariz e a boca de modo convincente. É mais uma versão mal explorada dos meandros das famílias do crime altamente organizado, segundo os seus princípios e regras, que também os têm. É mais do mesmo, com a diferença de que, aqui, até podiam ter dado um bocadinho mais. A narrativa é inspirada na vida de John Gotti, maior mafioso da história dos EUA, personagem algo enigmática pela quantidade de vezes que fintou as condenações judiciais. Só em 1992 seria, por fim, condenado a um sem-número de prisões perpétuas. Morreu no cárcere, em 2002.

  Tudo falhou. A fotografia, a banda sonora, o argumento, as interpretações. As teias das relações dos membros da família são de tal modo complexas, e desinteressantes, que nos limitamos a procurar acompanhar sem expectativas, além da de conseguir chegar ao fim do filme. Os diálogos são pouco convincentes, demasiado esforçados. Tudo muito aquém da glória que grandes realizadores, como Coppola e Scorsese, imprimiram a seu dia. A comparação com Godfather seria humilhante para este último. Como sempre, há aquela glorificação do criminoso, aqui surgido inclusive como protector do bairro, estimado pelos habitantes, afinal era o justiceiro quando o Estado não actuava. Como dizia um dos intervenientes, « havia mais segurança no tempo de Gotti... ». Também notei essa componente quase de provocação, roçando o deboche, ao sistema judicial norte-americano, facilmente subornável. Gotti que era impiedoso na hora de repor a ordem e o respeito na família, porém extremoso pai e marido. Se se decidirem a vê-lo, vão por vossa conta e risco.