A minha turma deste ano é substancialmente diferente de qualquer uma que integrei. Para além de mais calma, tem uma componente multicultural que me agradou. Devido ao facto de ser reduzida no número de alunos, decidiram colocar os estudantes estrangeiros, do programa Erasmus, na frequência das aulas connosco.
Há estudantes de várias partes da Europa: Holanda, Eslovénia, Grécia, Espanha, Polónia e Itália. A par destes, há um significativo número de estudantes brasileiros, o que se explica pela afinidade entre os dois países.
A dinâmica das aulas também varia consideravelmente em relação aos anos anteriores. Alguns professores dividem-se em três línguas, nomeadamente o castelhano, o inglês e, claro está, o português. A uma disciplina preteriu-se mesmo a língua portuguesa ao inglês, uma vez que o núcleo da cadeira é essencialmente internacional, incluindo manuais a consultar e demais elementos.
A cultura de cada um desses alunos evidencia as suas origens. Os dois rapazes espanhóis são extrovertidos, assim como o rapaz italiano, fazendo jus à sua herança genética latina. O aluno holandês e a aluna polaca são calmos e de parcas palavras. Todavia, ninguém bate o contingente brasileiro no que à alegria diz respeito. Cada elemento da turma, em si, abraçou este ou aquele estudante estrangeiro, o que reflecte a personalidade de cada um que se coaduna com a do outro. Eu costumo ficar ao lado do rapaz italiano.
Está em Portugal há um ano e domina muito mal a língua portuguesa. Falamos em inglês, o que até é um auxílio para que desenferruje os alicerces. Não há nada como a nossa língua materna que, unanimemente comprovado, é aquela em que melhor exprimimos as nossas emoções. É como se perdesse um pouco do meu eu quando falo com ele. Falta uma peça na minha engrenagem e acabo sempre por me sentir um autómato. As línguas francas e secundárias só dão bom resultado no plano estritamente profissional / estudantil.
O italiano é uma língua com pouca expressão, seja na Europa, seja no resto do globo. E ninguém fala italiano naquela sala. Disse-me que traduz os textos do português para o italiano, mas que a tarefa se torna demasiado difícil quando se apercebe de que, literalmente, não consegue encontrar uma lógica nas frases traduzidas. Resta-lhe deduzir o essencial.
Sentamo-nos um ao lado do outro para que possa ler pelos meus códigos. Hoje, uma rapariga que jamais vira por lá sentou-se à sua esquerda e facultou-lhe as suas folhas para que ele tirasse pequenas notas. Ele deu-lhe alguma atenção e eu senti uma ponta qualquer de ciúme que não pude entender. A sua forma de se relacionar comigo, rindo-se e cumprimentando-me sempre, inclusive dirigindo-se em concreto a mim, fez-me criar um laço de afecto. Não sou o que se poderá designar como uma pessoa de fácil trato; não sou dado; não sou de falar a tudo e a todos, tampouco de me dar a conhecer. Ele cativou-me pela sua espontaneidade e simpatia, ao ponto de às vezes não me imaginar naquela sala sem a sua companhia. Será uma inevitabilidade.
Talvez veja mais do que afinal existe.
Talvez dê importância ao que não deveria.
Talvez desconheça o meu lugar, resquícios de não estar habituado aos revés do querer.