12 de junho de 2023

A liberdade de expressão em Espanha.


   Ainda pensei em se escreveria este post em castelhano, no entanto, decidi-me pelo português, afinal, o público-alvo deste texto é o português. E porquê falar de liberdade de expressão em Espanha? Terá algo assim de tão especial? Sim, respondo, tendo em conta que não se parece em nada àquela de que desfrutamos em Portugal. Urge voltar atrás.

  Portugal, em 1974, teve uma revolução, que expurgou da sociedade os traços do antigo regime. Espanha, em 1975, com a morte de Franco, iniciou um processo a que se viria a chamar de transição. Esta transição, contudo, foi lenta. Começou com Juan Carlos (designado herdeiro e chefe de estado após a sua morte, por Franco) a jurar respeitar as leis franquistas. Gradualmente, o monarca foi-se afastando desse modelo e preparou o país para a democracia. Em todo o caso, ela não se consolidou como em Portugal. Há restos, sobras, resquícios do franquismo nas instituições e, inclusive, nas atitudes e comportamentos das pessoas. Aqui, não se respira tanta liberdade como em Portugal. Refiro-me particularmente às liberdades de expressão e opinião (há organizações internacionais que perfilham exactamente do mesmo entendimento, colocando Espanha muito por baixo de Portugal na sua lista de países livres).

   Desde que vivo no Estado espanhol, tenho passado, a nível pessoal, por episódios de censura e intimidação, o último dos quais nas páginas públicas, de redes sociais, do concelho onde resido. Perante um comentário inócuo, levemente irónico, respeitoso, num tom normal em democracia, fui bloqueado, e não somente na plataforma onde me manifestei como nas demais. Proscrito, isso mesmo. Foi um exemplo. Tem-me sucedido um pouco de tudo, até mesmo com vizinhos.

   Espanha não é um bom país para se viver, remato. O pouco mais que se ganha, em termos salariais, não justifica o retrocesso e recuo na nossa liberdade, ao fazermos uma mudança a partir de Portugal. Como costumo dizer, é um país com todos os problemas que Portugal tem e outros que não tem. Aparentemente belo, quando passamos a viver aqui, vamo-nos dando conta de que tudo assenta numa fina camada de verniz, que estala sem a menor dificuldade, revelando-se uma sujidade antiga, difícil de sair.


6 comentários:

  1. Agora que aí vive encontrar-se-á mais avalizado, claro, para falar sobre o assunto.
    Nunca tinha pensado sobre este aspeto, pensava que havia uma liberdade semelhante à portuguesa.
    Mas como raro presto atenção à política do país vizinho, e não lido de forma diária com os "nuestros hermanos", é natural a minha ignorância, tanto mais que só conheço melhor a situação na Catalunha.
    Lastimo saber que tal continuam a ser as formas de atuar em países que se pretendem semelhantes nestas práticas.
    Cumprimentos
    Manel

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    1. Olá, Manel

      De todo. Em liberdade, estão muito abaixo de Portugal. Para a Repórteres sem Fronteiras, já num ranking de 2023, em 36° (Portugal em 9°). E é algo que se vai sentindo no quotidiano à medida em que os meses e os anos vão passando, sobretudo quando se é, como eu sou, uma pessoa interventiva e opinativa.

      Já que fala na Catalunha, por lá foi um festival de “porrada”, se me permite a expressão, em 2017, aquando da declaração unilateral de independência. A polícia distribuiu carícias…

      Cumprimentos,
      Mark

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    2. Quanto à questão da independência da Catalunha, tenho opiniões divididas. Enquanto penso que, de uma forma racional e realista, o futuro está na união, e não na divisão, no entanto, e emocionalmente, creio que a identidade daquela região é tão forte e porque nutro uma simpatia muito especial por aquela população (muitos fazem o favor de ser meus amigos), sinto que, depois de tantos séculos a lutar por uma independência, mereciam-na.
      Historicamente, nós, portugueses, somos parcialmente a causa da sua falta de independência, aquando da sublevação desta região no século XVII. Naquela altura o governo central espanhol preferiu manter a Catalunha, que dedicar todo o poderio militar contra Portugal.
      Eles, catalães, sabem-no e por vezes, em conversa amena, referem-se a isso.
      Manel

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    3. É um tema que dá “pano para mangas”; temos de recuar às origens do moderno Estado espanhol, que surge, de jure, no século XIX (o Reino de Espanha surgiu com a Constituição de Cádiz, de 1812, e não, como vulgarmente se crê, com a união de Castela e Aragão através do enlace de Isabel I e Fernando II, em finais do século XV). Espanha, enquanto Estado, muito mais tarde, surge duma união de reinos, cada um com os seus costumes, identidades e línguas. Gradualmente, foi havendo um centralismo cada vez maior, sobretudo a partir da Guerra da Sucessão Espanhola, na qual saíram vitoriosos os Bourbons franceses, trazendo para Espanha o seu modelo centralista e abolindo o modelo descentralizado dos Habsburgo (justamente os que reinaram em Portugal).

      Os catalães sabem-no, e dizem-no, porém, a propriedade do discurso é discutível: Portugal era independente desde o século XII, reconhecido pelo Papa; tinha um império ultramarino extensíssimo, e não fazia parte de nenhuma coroa; era apenas mais um reino da Monarquia Católica dos Habsburgo, e foi-o por meros 60 anos - menos que a duração de uma vida humana actual. A Catalunha era um mero condado, sem desprimor, da Coroa de Aragão.

      Posto isto, a união faz a força, é certo, mas se formos às origens do moderno Estado espanhol, veremos como é uma união forjada. Espanha é um Estado; não é uma nação.

      Mark

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  2. Não tinha essa ideia de todo, mas como diziam as nossas avós: Que está/vive no convento é que sabe o que se passa lá dentro.
    Tudo a correr pelo melhor
    Abraço amigo

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    1. É… geralmente temos uma ideia romântica de Espanha. Primeiro, não é assim tão bom país. Ganham um pouco melhor. Têm os mesmos problemas sociais (mais desemprego, uma saúde com as suas falhas igualmente). Depois, têm um problema terrível com a droga e a delinquência, inclusive em meios semi-urbanos. E no que respeita às liberdades de opinião, expressão, e até manifestação (com a Ley de Seguridad Ciudadana), são um desastre.

      Um abraço,
      Mark

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