25 de outubro de 2019

Judy.


   Judy Garland, a imponente estrela dos musicais de Hollywood. No palco, quando os espectáculos lhe corriam de feição, transfigurava-se. Passava de mulher franzina, insegura, imatura, quase infantil, para um monstro de talento. O público amava-a e era-lhe devoto. Garland retribuía quando o sofrimento lho permitia, quando o refúgio no álcool não a impedia de brilhar. Se este filme for fiel ao seu percurso pessoal e profissional no seu último ano de vida, tudo quanto aquela mulher quis foi poder estar perto dos filhos. Garland considerava-se uma "grande mãe", e as suas decisões tinham sempre em vista poder recuperar de novo a custódia dos dois menores que tivera ao seu encargo (Liza Minnelli já era crescida). Lutou por eles, batalhou, sujeitou-se àquela dura estadia em Londres, quando o corpo lhe pedia sossego, e as luzes da ribalta têm tanto de mágicas quanto de traiçoeiras. A cantora e actriz não conseguiu sobreviver no showbiz. Era demasiado honesta consigo e no modo como se relacionava com o público. Morreu aos 47 anos, após uma residência de cinco semanas numa das mais prestigiadas casa de espectáculos da capital britânica, seis meses decorridos desde a sua última apresentação, que, aliás, foi recriada, provavelmente com algum exagero, na cena final do filme, numa emotiva performance de Somewhere Over The Rainbow, a sua canção-assinatura.




   Renée Zellweger encarnou provavelmente a melhor July Garland de sempre, procurando tomar-lhe os jeitos e as expressões, as "caras e bocas". Muito embora Judy se ocupe da etapa final da vida da artista, vão-nos sendo mostrados flashbacks do seu passado, dos primeiros passos em Hollywood, da juventude que lhe foi arrebatada por uma indústria rígida e feroz. Tudo terá contribuído para a instabilidade que a afectou na vida adulta, com vários casamentos falhados e, pareceu-me, alguns distúrbios alimentares que também se reconduzem àqueles primeiros tempos. O que comia, o que fazia, tudo era controlado. Em contrapartida, é discutível a opção de Zellweger, ou da realização, de retratar uma July Garland quase caricaturada, dramática à exaustão. Parece quase uma dona de casa arrependida por se ter permitido a trabalhar fora. Contudo, se o objectivo foi o de nos mostrar uma mulher amargurada, magoada, explorada, conseguiu-o.

  A atmosfera sixties e os bons momentos musicais conferem-lhe a envergadura suficiente para o considerar um bom filme, ainda que com algumas fragilidades a nível do argumento. Faltou uma abordagem mais sincera à carreira de Garland. O argumento é redutor. Pouco nos é dado a conhecer de quem foi Judy Garland. Aquele momento poderia ter sido aproveitado, designadamente nas ditas retrospectivas ao seu passado. É mais um caso em que a interpretação, a de Zellweger, compensa algum laxismo com a narrativa, que se passa ora no palco, ora no camarim, ora no quarto de hotel.

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